segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

OS DESAFIOS DE OBAMA: IRAQUE, PAQUISTÃO, AFEGANISTÃO.

Eu incluiria também Cuba.Não tem o menor sentido manter o bloqueio que já dura 48 anos, ainda mais que a maioria dos cubanos residentes em Miami são contrários ao mesmo.
Carlos Dória.

Artigo de Noam Chomsky.

As guerras e conflitos militares no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Oriente Médio e África farão parte da pauta de debates do Fórum Social Mundial. Em artigo, Noam Chomsky analisa um dos atores centrais destes conflitos, os Estados Unidos. Ao comentar o futuro da política externa de Washington, ele lança uma interrogação: "A boa vontade de Barack Obama para "falar com o inimigo" foi um dos temas que definiu sua campanha à presidência. Pode Obama estar à altura dessa promessa?"

A diplomacia é a única alternativa sã ao ciclo de violência desde o Oriente Médio até a Ásia Central, que ameaça devorar o mundo. Um corolário é reconhecer que a violência só engendra violência. Também ajudaria se a administração de Obama e o Ocidente enfrentassem tópicos que impulsionam a política na região.

Iraque.

O governo do Iraque forjou um Acordo sobre o Status das Forças de Ocupação que Washington aceitou com resistência. O acordo tem como objetivo terminar com a presença militar dos Estados Unidos na nação árabe. O acordo é o último passo no processo de resistência massiva não-violenta que obrigou Washington, passo a passo, a aceitar as eleições e o aumento da independência do país ocupado.

Um porta-voz iraquiano disse que o acordo tentado “se ajusta à visão do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama”. A “visão” de Obama não está claramente definida, mas ele provavelmente aceitará, de alguma maneira, as demandas do governo iraquiano. Se é asim, isso exigirá reformas nos planos dos Estados Unidos de assegurar o controle sobre as enormes reservas de petróleo do Iraque, enquanto estabelece as bases para reforçar seu domínio na mais importante região de produção de energia do mundo.

É bom asinalar que pesquisas recentes em nível mundial mostram uma forte oposição à existência de bases navais dos Estados Unidos no Golfo Pérsico. A oposição é muito forte dentro da região.

A prespectiva de trasladar as forças do Iraque para o Afeganistão fez com que o The Washington Post assinalasse num editorial: “Mesmo que os Estados Unidos tenham interesse em evitar o ressurgimento do talibã afegão, a importância estratégica do país empalidece diante da do Iraque, que repousa no centro político do Oriente Médio e contém algumas das maiores reservas de petróleo do mundo”. Este é um reconhecimento da realidade. Os pretextos sobre a segurança e a promoção da democracia não podem seguir ocultando as reais intenções e interesses.

O comando da OTAN também está começando a reconhecer os temas cruciais da energia. Em junho de 2007, o secretário geral da Organização do Atlântico Norte, Jaap de Hoop Scheffer, informou que “as tropas da OTAN têm de cuidar dos oleodutos que transportam petróleo e gás até o Ocidente”. Também necessitam proteger as rotas marítimas usadas pelos petroleiros e outra “crucial” infraestrutura do sistema energético, disse o funcionário da OTAN.

A tarefa poderia incluir o oleoduto projetado TAPI, que será construído a um custo de 7,6 bilhões de dólares e enviaria gás natural do Turcomenistão até o Paquistão e Índia, atravessando a província de Kandahar, no Afeganistão, onde estão situadas as tropas canadenses.

O objetivo é “bloquear um oleoduto competitivo que traria gás até o Paquistão e a Índia, a partir do Irã” e “diminuir o domínio da Rússia sobre as exportações de energia da Ásia Central”, informou The (Toronto) Globe and Mail, esboçando de uma maneira verossímel alguns dos contornos do novo “Grande Jogo” (quando Grã Bretanha e Rússia competiam pela influência na Ásia Central durante o século XIX).

Paquistão.

Obama respaldou a política de George W. Bush de atacar supostos líderes da Al Qaeda em países que os EUA ainda não tinha invadido. Em particular, não criticou as incursões de aviões Predator guiados por controle remoto que têm matado muitos civis no Paquistão.

Neste momento se está levando a cabo uma impiedosa miniguerra numa área tribal de Bajaur, no Paquistão, próxima à fronteira com o Afeganistão. A BBC descreve uma consequente destruição por causa dos combates. “Muitos em Bajaur consideraram que as origens do levante provêm de um suposto ataque de mísseis norteamericanos contra um seminário islâmico, ou medrassa, em novembro de 2006, que matou em torno de 80 pessoas”.

O ataque foi denunciado na imprensa do Paquistão pelo respeitado físico dissidente paquistanês Pervez Hoodbhoy, mas ignorado nos EUA. As coisas parecem diferentes quando apertam do outro lado do garrote.

Hoodbhoy assinalou que o resultado usual desses tipos de ataques “tem sido casas arrasadas, crianças mortas e mutiladas, e uma crescente população local que busca vingança contra o Paquistão e os EUA”.

Bajaur permite ilustrar o círculo vicioso de ataques e represálias com que Obama não parece desejar romper.

Em 3 de novembro o general David Petraeus, recentemente designado chefe do comando central das forças armadas dos EUA que cobre o Oriente Médio teve sua primeira reunião com o presidente paquistanês Asif Ali Zardari, com o chefe do exército general Ashfaq Parvez Kayani, e com outros funcionários.

A preocupação principal dos funcionários paquistaneses foi “os contínuos ataques com aviões manejados por controles remotos em nosso território, que causam a perda de vidas preciosas e de propriedades, são contraproducentes e difíceis de explicar por parte de um governo eleito de maneira democrática”, disse Zardaria a Petraeus. O governo de Islamabad, disse Zardari, está “sendo pressionado para reagir com mais agressividade” frente aos ataques. Isto poderia conduzir a uma “repercussão negativa contra os EUA”, que já é profundamente impopular no Paquistão.

Petraeus disse que tinha escutado a mensagem e que “nós temos de tomar medidas que a levem em conta (a opinião paquistanesa)” quando os ataques forem lançados. Trata-se de um requisito prático, sem dúvida alguma, se leva-se em conta que mais de 80% das provisões para a guerra que os EUA e a OTAN dirigem no Afeganistão passa pelo Paquistão.

O modo como a opinião paquistanesa foi “levada em conta” só foi revelado duas semanas mais tarde, no The Washington Post. O diário informou que os EUA e o Paquistão chegaram a um “acordo tácito em setembro (de 2008) sobre uma política de não perguntar nem dizer. Isso permite atacar objetivos de supostos terroristas” no Paquistão com o avião Predator, disseram os funcionários de ambos os países que pediram para não serem identificados. “Os funcionários descreveram o acordo no qual o governo dos EUA se nega a reconhecer publicamente os ataques, enquanto o governo do Paquistão continua deles se queixando ruidosamente”, já que acarretam riscos de instabilidade interna.

Um dia antes de ser publicado o informe sobre o “acordo tácito”, um ataque suicida na conflitiva zona tribal próxima da fronteira com o Afeganistão matou 8 soldados paquistaneses. Isso em represália ao ataque de um Predator no qual 20 pessoas morreram, entre elas dois líderes do Talibã. O parlamento paquistanês exigiu que se iniciasse um diálogo com o Talibã. Ecoando essa resolução, o ministro do Exterior do Paquistão, Shah Mehmood Qureshi disse: “Há uma compreensão cada vez maior de que o uso exclusivo da força não pode produzir os resultados desejados”.

Afeganistão.

A primeira mensagem do presidente afegão Hamid Karzai ao presidente eleito Obama foi muito similar à que os líderes paquistaneses formularam a Petraeus: “Acabar com os bombardeios aéreos dos Estados Unidos que provocam baixas entre os civis”. Sua mensagem foi enivada pouco depois de as tropas da coalizão bombardearem uma festa de casamento na província de Kandahar, matando 40 pessoas, segundo informes da imprensa. Não há indicações de que a opinião dos afegãos “tenha sido levada em conta”.

O comando britânico tinha advertido que não há uma solução militar para o conflito no Afeganistão. Segundo o The Financial Times, o comando militar disse que é preciso entabular as negociações com o Talibã. Isso pode levar a um desacordo entre Grã Bretanha e EUA.

Os temas já estão sobre a mesa, escreve Jason Burke, um correspondente do The Observer com vasta experiência na região: “O talibã tem estado envolvido em conversações secretas sobre o fim do conflito no Afeganistão e num 'processo de paz' de largo alcance patrocinado pela Arábia Saudita e apoiado pela Grã Bretanha”.

Alguns militantes pacifistas afegãos levantaram suas reservas em relação a esse enfoque. Preferem uma solução sem interferência externa. Uma rede crescente de ativistas pela paz está convocando negociações e a reconciliação com o Talibã na Jirga Nacional da Paz, uma grande assembléia de afegãos, formada em maio de 2008.

Numa reunião em maio em apoio a Jirga, 3 mil políticos e intelectuais afegãos, principalmente entre os pashtuns, o maior grupo étnico, criticaram “a campanha militar internacional contra os militantes islãmicos no Afeganistão e convocou ao diálogo para terminar a luta”, informou a agência France Press.

Bakhtar Aminzai, presidente interino da Jirga Nacional da Paz, “disse na reunião de abertura que o conflito atual não pode ser resolvido por meios militares e que somente as conversações trariam uma solução”.

Um líder do Despertar da Juventude, um proeminente grupo afegão que se opõe à guerra, disse que “nós devemos terminar o 'afeganicídio', o assassinato do Afeganistão”.

Uma sondagem num Afeganistão destroçado pela guerra é difícil de fazer, mas os resultados merecem ser levados em conta. Uma pesquisa feita por canadenses apurou que os afegãos são favoráveis à presença de soldados canadenses e de outros países (resultado que ocupou o título de primeira página, no Canadá). Outros achados devem se examinados com minúcia.

Só 20% dos afegãos entrevistados “pensam que o Talibã prevalecerá uma vez as tropas estrangeiras se retirem”. Três quartos apoiam as negociações entre o governo de Karzai e o Talibã. E mais da metade são a favor de um governo de coalizão. Por conseguinte, a imensa maioria tem uma posição discrepante do enfoque dos EUA e da OTAN, para militarizar ainda mais o conflito, e parece crer que a paz é possível se houver negociações.

Um estudo sobre os milicianos talibãs realizado pelo periódico canadense The Globe and Mail, ainda que não seja uma pesquisa científica, como assinala o periódico, oferece contudo dados consideráveis. Todos eles são afegãos pashtuns, da área de Kandahar. Consideram-se “mujahedins”, guerreiros santos, e seguem a antiga tradição de expulsar os invasores. Quase um terço informou que ao menos um membro de sua família tinha morrido em bombardeios aéreos em anos recentes. Muitos disseram que combatiam para defender aldeias afegãs dos ataques aéreos das tropas invasoras. Poucos afirmaram estar lutando numa guerra santa global, ou serem leais ao líder talibã Mullah Omar. A maioria disse que combatia por defenderem o estabelecimento de um governo islãmico, não por um líder.

Novamente esses resultados sugerem possibilidades de um acordo negociado de paz, sem interferência externa.

Na revista Foreign Affairs, Barnett Rubin e Ahmed Rashid recomendam que a estratégia dos Estados Unidos na região se desloque de mais tropas e ataques no Paquistão para uma “grande convenção diplomática forjando um compromisso com os insurgentes e encarando um arranjo das rivalidades e inseguraças regionais”.

O foco atual na ação militar “e o terrorismo subsequente”, advertem, poderia conduzir ao colapso do Paquistão, um país com armas nucleares – com sequelas de graves consequências. Esses autores recomendam ao futuro governo dos Estados Unidos “pôr fim à dinâmica cada vez mais destrutiva do Grande Jogo na região”. Isso se pode conseguir através de negociações que reconheçam os interesses das partes envolvidas dentro do Afeganistão, bem como do Paquistão e Irã, mas também da Índia, China e Rússia que “tem reservas a respeito de uma base da OTAN dentro de suas esferas de influência” e estão preocupados com as ameaças “levantadas pelos Estados Unidos e OTAN” como também pela Al Qaeda e o Talibã.

O próximo presidente dos Estados Unidos, escrevem Rubin e Rashid, deve terminar com a "busca da vitória" de Washington como solução para todos os problemas, e com a renúncia dos Estados Unidos a envolver a diplomacia com competidores, opositores e inimigos”.

Em data próxima, a administração Obama poderia atuar para romper esse calamitoso ciclo de violência, em qualquer dessas regiões.

Noam Chomsky é linguista, professor emérito do Massachussets Institute of Technology e ativista.

Publicado em SinPermiso em 18 de janeiro de 2009/Agência Carta Maior.

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