quinta-feira, 1 de abril de 2021

Lenio Streck sempre brilhante.

 

OAB precisa fazer, urgente, um desagravo aos “advogados agressivos”! Por Lenio Streck

 

Publicado na ConJur

Procuradores da Lava Jato de Curitiba

Por Lenio Luiz Streck

1. A dura acusação que vem de dentro
Começo com uma acusação dura: “procuradores da força tarefa da ‘lava jato’ desprezaram garantias fundamentais dos acusados”.

Calma. Antes de os protagonistas fazerem uma interpelação, informo que a acusação foi feita por três insuspeitos (veja-se: ainda existem pessoas insuspeitas no país do suspeito Moro-‘Je-ne-me-regrette-rien’ ) procuradores da república, ex-presidentes da Associação de classe da Instituição, Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Wagner Gonçalves, Ela Wiecko de Castilho e Antônio Carlos Bigonha (ver aqui).

Dizem os ex-presidentes: Houve um relacionamento informal incompatível com a missão constitucional do MP, realizado fora dos balizamentos da lei processual penal, com desprezo às garantias fundamentais dos acusados e em desrespeito às normas que regem a cooperação internacional.

E ainda complementaram: Não comungamos com o pragmatismo punitivista de que os fins justificam os meios.

Pronto. Mais nem precisaria ser dito. O fogo vem de dentro. Porque se deram conta de que ou o MPF olha para dentro de si ou corre o risco de sucumbir. É o alerta dos ex-presidentes.

Otimista metodológico que sou, incorrigível, bem sei que tarde é muito melhor do que nunca. Perceber os predadores internos é sempre um primeiro passo importante para a preservação institucional.

De minha parte, como ex-integrante e amicus da Instituição, posso também dizer que sou insuspeito para apontar coisa que sei e que faço os alertas por ter estado quase três décadas no Ministério Público.

2. Carlos e Jerusa: a dura confissão de que a força-tarefa assumiu um lado na politica
Some-se a isso a confissão do procurador Carlos Lima, em rede nacional, de que a força-tarefa e a própria “lava jato” escolheram um lado, o do Bolsonaro e que agora vem corroborada pela procuradora Jerusa Viecili, ex-integrante da “força-tarefa” da “lava jato”, quem disse que ela e seus colegas ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro e que deveriam se desvincular dele. O diálogo é de março de 2019. Claro, o interlocutor é, como sempre, ele, Deltinha. Se Bolsonaro (que ela chama de Bozo) “atropelar a democracia, a LJ será lembrada como apoiadora. Eu, pessoalmente, me preocupo muito com isso (vc sabe)”. Fala das rachadinhas de Flávio. E reclama que não houve nenhuma manifestação da “lava jato” quando Bolsonaro elogiou a ditadura militar. Ela indaga: “Não prezamos a democracia?” E outras coisas que apenas mostram o nível do comprometimento político-ideológico da força-tarefa. Afundados até o pescoço nesse magma. Gostei da ironia da Dra. Jerusa, falando que os eleitores do Bozo (sic) desapareceram e viraram amoedistas. Viram? Perceber os predadores internos é sempre um primeiro passo importante para a preservação institucional. O exemplo pela via negativa é tão eficaz quanto qualquer outro. Por isso o atual Procurador-Geral da República adiantou-se e percebeu que no reino de Curitiba havia algo…

3. Os duros diálogos de Robalinho e a dicotomia “advogados agressivos e advogados colaboradores”
Sim, a lava jato não só teve réus colaboradores, como também, segundo se extrai dos diálogos de Robalinho, advogados “não agressivos” (portanto, aceitos pela força-tarefa e pelo juiz Moro) e os “agressivos”, que eram expulsos do jogo. Quem quiser saber mais, acesse aqui.

Fixo-me na “delicadeza” do procurador: “Se tiver um jeito de prender o velho Emilio ou algum familiar próximo de Marcelo Odebrecht ele demite a advogada de combate na hora. Prioridade zero. A cada estocada dela um novo passo na investigação”.

Comparando a situação da Grécia (em crise, na época), Robalinho critica esquerdistas e o possível resultado do plebiscito de lá e diz: “Mais ou menos o que temos de fazer com cliente que contrata advogado agressivo e que não quer acordo. Mostrar o custo. Rs”. Vejamos. O Rs não é símbolo do Rio Grande do Sul e nem de Reais. É risos. Tipo kkk. Deve ser muito engraçado isso, não?

Sabe-se o que fizeram em relação aos advogados “agressivos” (eu mesmo fui consultado por um dos “agressivos” para saber se havia algo a fazer nesse caso de echamiento da causa feita por pressão dos procuradores; lamentavelmente, nada havia a ser feito). O experiente Kakay fez um forte desabafo sobre esse assunto recentemente: “Eu mesmo tive um cliente que me chamou e disse: ‘Kakay, eu te paguei, confio em você, mas recebi a notícia que devo procurar o advogado tal, ligado ao procurador tal e, aí, vou conseguir sair'”. Está no UOL (veja).

De tantas dúvidas que tenho — às vezes penso que sou um velho empirista que apenas descreve o mundo — sobre tudo isso, agora tenho mais uma, até mesmo fruto de minha terrível e inigualável ingenuidade: por que a classificação “advogados agressivos” e “não agressivos”? O que aconteceu? Eis aí um Globo Repórter para ser feito.

Uma pauta ou tema: como nos Estados Unidos (ver o artigo de Red S. Rakoff “Why Innocent People Plead Guilty”, na New York Review of Books), por aqui a delação funciona — e vem funcionando ainda — como pressão para “acordos”. O ponto é que advogados “agressivos” (sic) dificultam a vida dos attorney offices de lá e dos procuradores daqui.

4. Lembro, de novo, minhas previsões sobre Direito AM-DM (mensalão) e Direito ALV-DLV (lava jato)
Sabem o que é isso, não é? Jabuti não é atleta e nem tem nas suas aptidões o “subir em árvore”. São muitos os protagonistas da ascensão do jabuti. Anos de um processo penal ensinado torto nas faculdades, fábricas de reacionários e/ou carreiristas e/ou dogmatas e/ou tudo junto; anos e anos de processo penal tratado como se fosse um “jogo”: um “jogo” no qual, repentinamente, o pênalti pode ser marcado do meio-campo se o juiz assim quiser e, aos litigantes (ups, jogadores), resta tentar prever quais serão os comportamentos e as atitudes e as “jogadas”. Resultado: puro criterialismo. Decisão de juiz suspeito é nula ou inexistente? Enfim, essa dogmática jurídica nos apronta cada coisa…

Previsões? Eis aí o problema do nosso realismo retrô. O Direito acabou sendo ensinado como um jogo (de poder). Mera instrumentalidade. Algo como “para entender o processo penal, precisamos recorrer às ciências comportamentais, à economia, às neurociências, à psicologia, ao pragmatismo e a outros tantos ‘ismos’…”. OK. Recorreram a tanto, recorreram a tudo. O risco? O risco é que se ensine pouco Direito (teoria do Direito, Direito processual e Direito constitucional). Direito, essa coisa velha e em desuso.

Numa palavra final: a história vai contar o que aconteceu nos bastidores da operação “lava jato”. De diárias a ameaças, assim a vida ia. E foi. E vai.

Não me importo, aqui, com essa dicotomia “advogados agressivos” e advogados bem quistos pelas autoridades da operação. Importa-me, somente, falar dos “advogados tido como agressivos”. É destes que falo nesta coluna.

Por isso a OAB deveria lhes fazer um desagravo.

Nenhum comentário: