terça-feira, 19 de outubro de 2021

Lugar de fala da antes maioria silenciosa.

 

A Internet como Lugar de Fala da Antes Maioria Silenciosa, por Jorge Alberto Benitz

A Internet como Lugar de Fala da Antes Maioria Silenciosa

por Jorge Alberto Benitz

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Tem um vídeo no Twitter de Gregorio Duvivier que mostra um sujeito que vai a uma banca de revista e compra todas as edições semanais da revista Isto É que estampava na capa a foto de Bolsonaro com um bigodinho a lá Hitler. O cara, com cara e pose de tiozinho reaça do churrasco, paga e faz questão de pedir – o que, talvez, nunca faça, mas como está sendo filmado vale a penas mostrar que é um homem de bem – um recibo do atendente ou dono da banca. Depois, já demonstrando a que veio, começa a mostrar irritação e vai em direção a uma lata de lixo e antes de colocar as revistas nela, rasga uma ou duas, com raiva, terminando a filmagem com um vociferante, caral..

Era um sujeito relativamente jovem. O que me chamou a atenção neste vídeo é que ele não fala quase nada. Por que? Por que este tipo de gente é daqueles que não tem nada a dizer de relevante. De relevante ele pode fazer só este tipo de manifestação de intolerância e grossura. Tipo de manifestação que inexistia antes do advento da internet. Tempo em que para aparecer em um jornal ou em qualquer outro meio de comunicação, excetuando a TV que já os acolhia em programas policialescos e de auditórios tipos populares, tinha que saber articular no falar e/ou, principalmente, no escrever um mínimo de ideias para se expor sob pena de se expor ao ridículo.

Com a internet se criou um espaço democrático que transcendeu esta situação anterior da maioria silenciosa e se oportunizou ouvi-los. O resultado foi terrível porque o que predominou, espero que apenas nestes primeiros momentos deste novo espaço, foi o uso dele para discursos e atitudes, na maioria, grosseiras, toscas e antidemocráticas.

Como começaram a usar a internet e ver que havia muitos outros seus iguais, eles se viram livres e legitimados para se expor. Melhor, quanto mais agressivos e toscos, mais curtidos eram. Tanto foi esta a tônica que pensadores como Umberto Eco comentando sobre a internet e o seu uso, arrematou “A internet deu voz aos imbecis” e Javier Marías complementou “Ela fez mais, os organizou”.

As razões para tal situação não são muito difíceis de descobrir. Até alguém minimamente esclarecido, como eu, pode ser capaz de saber que aquele sujeito que até então só se revelava politicamente em ambientes formados por amigos, familiares e colegas de serviço, com pensamento típico do senso comum conservador, isto é, entre iguais. Cacoete que foi agravado com a ditadura que praticamente proibiu o externar pensamentos políticos. Evidente que era uma proibição voltada para quem tinha ideias progressistas e democráticas, mas virou uma forma meio que geral, afetando até os simpáticos a ditadura, devido ao constrangimento que tinham diante da força moral dos oponentes do regime. Força moral que era não apenas um atestado de virtudes pessoais, sem consequências outras. Tanto isso é verdade que ela se transformou, junto com outros fatores como os desacertos na economia, em milhões de votos contra a ditadura levando esta  a derrocada.   Enfim, o pessoal com este perfil só manifestava suas simpatias políticas no escurinho da urna eleitoral ou, como disse antes,  em “petit comitê”.  As únicas liberdades que se davam era opinar com mais veemência e liberdade sobre novela e futebol.

Foi do seu jeito maniqueísta e apaixonado de opinar sobre futebol, olhando com lente de aumento os malfeitos do time adversário, quero dizer, do inimigo político, e escondendo para debaixo do tapete os malfeitos dos seus, e que eles se muniram para agora opinar sobre política, afinal era o único modo de opinar que sabiam e conheciam.  Daí se fez real o pior dos mundos. Encantado com a internet que os acolhe mesmo sendo alguém horrivelmente mal informado, mas com opinião sobre tudo, ele se sente, como nunca antes, a vontade com esta tecnologia, neste lugar de fala.

Disso para a ascensão ao poder de iguais a si, como Trump e Bolsonaro, foi inevitável. E, consequentemente, como foi com Trump e está sendo agora  inevitável a dificuldade para desbancar o seu representante do poder aqui no Brasil. Primeiro, este tipo de gente não tem nada de valores republicanos. Arrisco a dizer que, em sua maioria, nem sabem o que isso significa. Segundo, eles sabem que nunca mais terão alguém tão igual a eles no poder. Por isso que de maneira tão truculenta contra as críticas ao seu igual no poder, pois, as levam como ofensa pessoal. Hannah Arendt quando entrevistou Adolf Eichmann sobre as razões de admiração deste ao Hitler recebeu como resposta que o que mais ele admirava neste é que ele mesmo sendo um simples cabo mandava e desmandava em generais. Encantamento e admiração igual a este de Adolf Eichmann por Hitler mora no c oração e nas mentes ressentidas dos eleitores bolsonaristas contra tudo que signifique conhecimento, ciência e cultura.

Infelizmente, não nos surpreendemos mais quando presenciamos cenas de intolerância, de comportamentos antidemocráticos, como esta do sujeito que comprou as revistas para queima-las. Acrescente- se que este tipo de atitude hostil, intolerante,  a quem pensa e é diferente, como foi revelado pela ex-gerente de produto do Facebook, Frances Haugen, no Senado Americano, é o que rende mais lucros para as redes sociais, e por isso não é vetado.  Além, no nosso caso, do agravante de ser sancionado e estimulado pelo atual ocupante da Presidência, beneficiário-mor deste modelo ideológico de extrema direita de comportamento que junta alta tecnologia e ideias arcaicas, assentadas em ódio, preconceit os, desinformação.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

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