sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

O raro caso do erro de arbitragem que comoveu o time prejudicado.

 

O raro caso do erro de arbitragem que comoveu o time prejudicado

Gian Oddi
Gian Oddi
Girroud e Rebic reclamam com o árbitro Marco Serra em Milan x Spezia
Girroud e Rebic reclamam com o árbitro Marco Serra em Milan x Spezia reprodução TV

Para quem não viu: o jogo era Milan x Spezia, no estádio San Siro, e o placar da partida que levaria o time milanista à liderança do Campeonato Italiano em caso de vitória apontava 1 a 1, aos 47 minutos do 2º tempo. O Milan buscava o gol quando o atacante Rebic sofreu falta na entrada da área. Menos de dois segundos depois, porém, a bola já estava nas redes após uma linda finalização do brasileiro Junior Messias, que entrara no jogo havia pouco tempo.

O gol, contudo, foi invalidado, porque, sem aplicar de lei da vantagem no lance, o árbitro Marco Serra apitara freneticamente antes mesmo do chute de Junior Messias. Não cabia VAR, não havia discussão: o nítido som do apito, ainda que em nada tenha influenciado a ação dos jogadores envolvidos no lance, invalidava o gol. O primeiro erro não justificaria um segundo com a sua validação.

Junior Messias caiu ajoelhado no gramado, tão calado quanto inconformado. Girroud, Theo Hernandez e Rebic correram em direção a Serra para reclamar. O árbitro, percebendo a bobagem cometida, imediatamente levantou os braços para pedir desculpas a todos eles. Rebic segurou a cabeça do árbitro com as duas mãos, chegou a encostar sua testa na de Marco Serra, para perguntar já com mais decepção do que revolta: “Por que você apitou? Por que você apitou?”

No lance seguinte ao da cobrança da indesejada falta, 96 minutos de jogo, contra-ataque do Spezia e gol: 2 a 1, de virada. O Milan, que em caso de vitória chegaria à liderança, perdia em casa para o modesto 15º colocado do campeonato.

Veja os gols de Milan 1 x 2 Spezia:   


Ocorre, então, o fato menos corriqueiro e mais surpreendente de todo o episódio.

Enquanto o árbitro Marco Serra saía de campo já com lágrimas nos olhos, recebíamos, na transmissão que fazíamos do jogo para o Brasil, mensagens de espectadores afirmando que Serra não conseguiria sair “vivo do gramado”.  

Os jogadores do Milan, liderados por Ibrahimovic, de fato se aproximaram do árbitro como muita gente esperava. Para surpresa dessas mesmas pessoas, porém, a aproximação foi tranquila. Aos 40 anos, um a mais que o árbitro, o centroavante sueco dirigiu suas primeiras palavras a Marco Serra: “Todos erram”. Frase completada, no instante seguinte, pelo capitão milanista Theo Hernandez: “Eu errei um pênalti hoje”.

Parte menor da surpreendente reação dos jogadores do Milan poderá talvez ser atribuída à maturidade do veterano Ibrahimovic, que em seu livro “Adrenalina” afirma o seguinte: “Sempre considerei os árbitros como um 12º adversário em campo. Hoje, quando posso, eu tento ajudá-los.”

Mas é evidente, acima de tudo, que a reação compreensiva do grupo de jogadores do Milan tem mais a ver com a reação do árbitro, com a humildade das desculpas públicas ainda em campo; com o reconhecimento de que, sim, erros fazem parte da vida de todos nós, mas pior que o erro em si é não o reconhecer e manter diante dele uma postura de arrogância e prepotência, como fazem tantos árbitros. 

Basicamente, os jogadores do Milan, num gesto humanista raro no futebol atual, estavam sendo solidários à tristeza de Marco Serra.

O episódio de Milan x Spezia diz muito sobre como a postura de árbitros e jogadores, em certas praças bem mais do que em outras, pode ajudar na evolução da arbitragem e nas relações dentro de um jogo de futebol.

Marco Serra, aos 39 anos e com apenas 9 partidas dirigidas na Série A italiana, trabalhará nesta quarta no VAR de Cagliari x Sassuolo pela Copa da Itália, fato previsto antes do fatídico jogo de Milão. Será, então, suspenso para mais tarde voltar a dirigir jogos da Série B. Os pontos do Milan não serão recuperados e podem até custar o título. O prejuízo é irreparável.

Como consolo, porém, ainda que autor de um grave erro técnico, o jovem árbitro de Turim poderá um dia olhar todo o imbróglio sob um outro prisma: o de ter sido protagonista de um episódio que deveria servir de exemplo de postura. Para árbitros e jogadores.

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