O deputado Eduardo Paes entrou para a história contemporânea da política brasileira como o milésimo parlamentar, entre 1.021, a mudar de partido desde 1985.
TOMÁS ABSALÃO _ JORNAL DO BRASIL
"Jura? Meu Deus!" Nele ele sabia, mas ao comunicar à Câmara, em 20 de sembro passado, que havia abandonado o PTB pelo PFL, o deputado Eduardo Paes entrou para a História contemporânea da política brasileira como o milésimo parlamentar _ entre 1.021 _ a mudar de partido desde 1985, quando foi revogada a lei da fidelidade partidária. O detentor da marca não bate mais ponto do Congresso. Tomou posse em 1º de fevereiro de 1999. Licenciou- se dois anos depois para assumir a Secretaria de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro. Afinal, por que os políticos brasileiros deixam os partidos, como se trocassem de camisa?
Parece epidemia. É quase isso. Num período de 13 anos, entre 1985 e 1998, 843 parlamentares transitaram entre as mais de 40 legendas ofertadas pela pluralidade partidária, menos de dez delas efetivamente expressivas.
Entre idas e vindas viraram tese acadêmica. Com o levantamento 'Migração Partidária na Câmara dos Deputados (1985/1998)', o cientista político Carlos Ranulfo Félix de Melo alcançou o grau de doutor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Apaixonou-se pelo tema e atualizou o calhamaço até este ano. Em meio a números, porcentagens e siglas, conclui que a direita é menos fiel que a esquerda, apesar de mais coerente. Parlamentares de partidos conservadores traem com mais facilidade, mas com siglas do mesmo espectro político. Os 'socialistas' ou 'comunistas' traem menos, mas quando o fazem pousam em siglas conservadoras.
Com 31 anos de idade, o advogado Eduardo Paes não esboça sinal de constrangimento pela infidelidade. Ao contrário, considera-se um seguidor não de doutrinas partidárias, mas de um líder, o prefeito do Rio, César Maia. Passeou entre o PFL e o PTB na cadência de César - político que enfeita bem a tese do acadêmico mineiro. O prefeito transitou cinco vezes entre legendas, ao sabor de ambições eleitorais ou desavenças com caciques. Eduardo Paes, o secretário-aprendiz exclama reticências. 'Tem deputado que troca dez vezes de partido e, justo eu, sou o número mil..!'
Cesar e Eduardo Paes não são exceção no universo fluminense. Ao estudar o vaivém dos parlamentares, o cientista político Carlos Ranulfo notou que os do Rio são dos mais 'instáveis. 'Trocam de partido com uma facilidade que não tem parâmetro nos Estados.'
Mudam muito por aqui, mas ninguém chegou perto da marca dos campeões da infidelidade. Até esta legislatura, o título cabia ao deputado Reeditário Cassol, de Roraima. Eleito no rastro do sucesso eleitoral de Fernando Collor, em 1990, filiou-se e abandonou sete partidos. Seria digno de figurar no Guinness, o livro de recordes mundiais, não tivesse, na atual legislatura, trombado com um competidor à altura. Tal como Cassol, o alagoano João Caldas trocou sete vezes de legenda, do PMN ao PL.
A dança de siglas hoje não é maior ou menor do que sempre foi. Mantém a média histórica de 29,5%. De fevereiro de 1999 até 6 de outubro, quando expirou o prazo para filiações antes das eleições do ano que vem, 199 dos 513 deputados anularam uma e assinaram outra ficha partidária.
Se preserva a média, a migração deste ano foi marcada pela incoerência política, constatou o catedrático da UFMG. Um terço dos deputados não abandonou apenas uma legenda, trocou de campo político - 61 deles saiu do centro para a direita. Outros 75 transitam, com relativa coerência, entre siglas conservadoras. Carlos Ranulfo crê que a diluição das fronteiras entre centro e direita, promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso, é a responsável pelo atual crescimento da migração no campo ideológico.
Apenas 15% dos parlamentares da esquerda, observou o cientista, foram infiéis na atual legislatura. Saíram especialmente do PDT e do PSB. O partido de Leonel Brizola ofertou 40% da bancada eleita em 1998 para siglas adversárias. 'Os que abandonaram o partido foram recrutados pelo PDT entre políticos conservadores que voltaram a origem ', observa Carlos Ranulfo.
Os tucanos não têm o que comemorar com a deserção na ala de Brizola. Desertaram pouco no passado, mas, nos dois últimos anos, quase um terço desistiu de defender o governo FH nos palanques de 2002. 'Questão de sobrevivência', explica o cientista mineiro. Nos últimos três anos, aliás, Fernando Henrique viu se esfacelar parcela considerável da bancada aliada. Em 1999, no início do segundo mandato, PMDB, PFL e PSDB incharam na Câmara. Este ano, a adesão despencou. 'O governo sofre o efeito da crise da energia, da instabilidade econômica e da indefinição sobre o candidato à sucessão', avalia Carlos Ranulfo.
Se o governo perdeu, as 'siglas de passagem', PTB e PL, ganharam. O primeiro elegeu 32 deputado. Tem 35 agora. O segundo, saiu das urnas com uma bancada de 12. Hoje engrossa o discurso com 23 vozes no plenário. 'Nessas legendas, eles podem apoiar candidatos que hoje aparecem bem nas pesquisas, como Ciro Gomes e Lula.'
Qual a relação entre as bancadas eleitas em 1998 e as atuais? 'Nenhuma', diz Carlos Ranulfo. 'A representatividade do sistema foi afetada sem autorização do eleitor.' Tal inconstância será julgada nas urnas do ano que vem. Não é à toa que os deputados agora discutem uma novo código de ética. Com punição para a infidelidade partidária. Tentam reconquistar da confiança dos céticos.
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