sexta-feira, 10 de outubro de 2008

ARTIGO - A morte do consenso de Washington.

O que estamos aprendendo com a crise financeira de 2008

Uma das lições da crise é que a ansiedade por ter lucros financeiros desvinculados da produção e a crença que isso poderia permanecer de forma estável chega ao fim quando fica evidente que tudo tem um preço nesta vida e que não há lucros sem riscos. Nesse momento, pede-se o socorro ao Estado para salvar, resgatar, regular e nacionalizar, e volta-se às teorias econômicas mais vinculadas com a produção e a distribuição. As idéias de Hayek e do Consenso de Washington estão mortas.

Oscar Ugarteche - ALAI AMLATINA

A crise financeira de 2008, a maior de todas as últimas crises financeiras, tem elementos dos quais é preciso tirar lições. Quanto se tratou da crise do México, em 1995, o contágio que ela produziu foi chamado de Efeito Tequila e tinha o sabor de ressaca. Quando se tratou da crise da Tailândia, da Ásia, da Rússia, do Brasil e da Argentina, também se falou de contágio do Efeito Tango e do Efeito Samba. Já quando se tratou da chamada crise das dot.com, ou crise das empresas da chamada nova economia, não se falou de contágio. Os Estados Unidos não contagiavam. Essa era a idéia.

Os contágios vinham de bolsas infectadas, não de bolsas sólidas. A moeda era essencial para o contágio via as bruscas desvalorizações. No caso dos EUA, sua moeda não podia se desvalorizar porque o mundo se relacionava com o dólar. Então o que ocorria eram valorizações frente ao dólar.

Nesta crise estamos aprendendo que, quando se trata de uma grande crise na bolsa dos Estados Unidos, somada a problemas na economia, então não há contágio, mas sim o que se chama de “crise global”. A quebra da banca de investimentos dos EUA e o efeito disso sobre as bolsas de valores é uma crise global. Não há contágio, mas algo mal em geral. Talvez o que esteja “mal em geral” seja que todas as bolsas se abriram para permitir investidores do exterior e que, quando estes se retiram da bolsa de Nova York, se retiram de todas as bolsas ao mesmo tempo. Isso é acentuado pelos atores nacionais que seguem a tendência.

A segunda coisa que estamos aprendendo é o uso da palavra “mundial”. Fala-se de uma crise bancária mundial. Há uma crise bancária – de investimento, provocada por investimentos em derivados creditícios vinculados a hipotecas – nos Estados Unidos, Espanha, Irlanda, Alemanha, Inglaterra e Islândia. Isto é uma “crise bancária mundial que requer resgate imediato para evitar o “colapso mundial”. Durante a Segunda Guerra Mundial, os europeus entraram em guerra entre eles e logo o mundo assumiu suas posições. Esse foi um sentido de “mundial”. No beisebol, há a “série mundial” que se resume basicamente aos Estados Unidos, México, Caribe e Japão. Agora, quando se fala de crise mundial a referência é a uma crise estadunidense que contagiou aqueles países com bancos que ficaram mais expostos a derivados creditícios vinculados às hipotecas e cujos sistemas bancários ficaram ainda mais desregulados que os dos EUA.

Em terceiro lugar, aprendemos que, quando o pânico se instala no mercado financeiro, os investidores saem da Bolsa de Nova York, mãe de todas as bolsas do mundo, e se retiram de todas as outras bolsas pressionando os tipos de câmbio de todo o mundo. Se os bancos centrais não intervêm, pode se produzir uma alta brusca das taxas de câmbio e gerar pânico no mercado de divisas. Se há a intervenção dos bancos centrais, eles devem estar dispostos a perder uma porção significativa das reservas com o objetivo de que o impacto inflacionário de uma desvalorização não chegue à economia nacional.

Em quarto, quando os investidores estadunidenses se retiram dos mercados do resto do mundo, vendem moeda nacional no resto do mundo e compram dólares dos Estados Unidos para regressar para casa, enquanto pensam onde e como colocam esse dinheiro enquanto a crise não passa. Isso dá a ilusão de um dólar forte por um certo período. Como é absurdo um dólar forte em uma crise financeira que começa nos EUA, em um segundo momento esses agentes venderão dólar e comprarão moedas mais sólidas como o yen, o yuan ou eventualmente algumas latino-americanas e, certamente, ouro. O momento crucial do tsunami cambial ocorre quando o dólar aparece forte em meio à crise. Logo vem o espasmo cambial real do dólar, moeda que está no centro do problema econômico.

Em quinto, quando há uma crise bancária no mundo que não inclui os países do G7, ela é tratada como uma crise menor. Como resultado da desregulamentação bancária de 1990-92, a América Latina mergulhou em uma crise bancária descomunal quando ocorreu a crise asiática e o crédito interbancário sofreu uma alta nas taxas de juros. O efeito foi a quebra massiva de bancos entre 1998 e 2002 em toda a América Latina, menos no México, que já havia passado pela quebradeira em 1995. Fruto dessas quebras, os mecanismos de regulação se fortaleceram e os controles sobre o capital aumentaram. Então aprendemos que os bancos transnacionais deixam de sê-lo quando há uma crise e que, quando uma sucursal quebra, quem deve salvá-lo é o governo do país e não a matriz. Ou seja, um banco transnacional é o melhor investimento: ganha quando ganha e ganha também quando perde em um país, por meio de um socorro do respectivo governo. Assim, ficaram matizadas as vantagens para um país de ter bancos transnacionais operando nele.

Sexto, quando em meio à crise no México discutiu-se a necessidade de uma auto-regulação bancária e de uma auto-supervisão, e se organizou o que ficou conhecido como Basiléia 2, ficou evidente, em primeiro lugar, que o FMI não servia para nada e, em segundo, que os bancos poderiam regular-se de forma voluntária, levantar suas demandas de capital, moderar seus riscos e, sobretudo, ter carteiras de investimento diversificadas ao redor do mundo para ter estabilidade.

O que a crise de 2008 mostrou é que sob este guarda-chuva terminou-se de desregulamentar o setor financeiro nos EUA permitindo a união da banca de investimentos com a banca comercial, permitindo a esta que atuasse em todos os mercados do mundo com um produto tóxico que são os derivados creditícios. Ninguém se refere agora aos derivados creditícios por seu nome, mas sim unicamente como “lixo tóxico”. Quem mais faz isso é o homem que seguramente mais promoveu esse mercado, o ex-presidente do Goldman Sachs e atual secretário do Tesouro encarregado de resgatar os bancos, Hank Paulson.

Sétimo, o engenhoso conceito de que tudo tem um mercado e, portanto, um crédito não é um ativo bancário, mas sim um título que pode ser vendido, levou os bancos comerciais a se dedicarem ao empréstimo de dinheiro para hipotecas, entre outras coisas, que logo eram vendidas como títulos detentores de valor. Os lucros do banco vinham das comissões para emitir a hipoteca ou de uma garantia nos casos de outras operações colaterizadas. Assim, banco comercial não assume o risco do crédito. Muito engenhoso. Logo a idéia de que um banco de investimento, que administra fundos de pensões, fundos de investimentos e fundos de cobertura diversos poderia comprar tais títulos, foi considerada ainda mais sensacional. Estes bancos não faziam nenhum empréstimo, mas sim investiam em um título com valor no mercado.

Ainda mais engenhoso foi criar um mecanismo de seguro que poderia cobrir a possibilidade de inadimplência. Cobrando uma taxa ínfima pelo seguro, baseada na probabilidade de inadimplência, em operações aprovadas pelas agências classificadoras de risco, prometia-se uma operação que geraria riqueza às companhias de seguros que ingressassem neste mercado. A idéia de que esse seguro poderia ser vendido como um título que os bancos de investimento poderiam comprar ou que os bancos detentores de hipotecas poderiam comprar como parte de sua carteira de investimentos foi ainda mais engenhosa. Finalmente, o conceito de que esse título poderia ser tomado do mesmo modo que todos os demais títulos para tomar empréstimos, para poder comprar mais derivados financeiros, foi o ápice da genialidade financeira.

Por trás de toda essa genialidade probabilística formatada com modelos baseados na física – porque os mercados funcionariam como as ondas sonoras -, esteve a automação dos mercados. A mão do homem podia quebrar a perfeição de todo esse engenho moderno que servia para brindar lucros aos investidores – fundos de cobertura, fundos de pensão, fundos de investimento, etc. E, prontamente, alguém se deu conta que, por trás de todo esse esquema financeiro muito sofisticado, operado automaticamente, havia uma casa e que se o preço dessa casa cai, as garantias ficam sem respaldo e o sistema como um todo cai. E caiu com a ajuda dos sistemas automatizados.

A oitava lição é que, quando todos os mercados estão interconectados, todos os mercados caem juntos e os sistemas nacionais que ficaram mais expostos à irracionalidade do mercado maior caem mais bruscamente que os outros. Aqueles que mantiveram seus sistemas financeiros mais regulados e melhor capitalizados sentem um efeito menor. E aqueles onde não foram feitos investimentos em derivados financeiros, ficam imunes. As companhias de seguros que compraram os derivados quebraram nos EUA, no Japão e na Inglaterra.

A lição final é que a ansiedade por ter lucros financeiros desvinculados da produção e a crença que isso poderia permanecer de forma estável chega ao fim quando fica evidente que tudo tem um preço nesta vida e que não há lucros sem riscos. Nesse momento, pede-se o socorro ao Estado para salvar, resgatar, regular e nacionalizar, e volta-se às teorias econômicas mais vinculadas com a produção e a distribuição. Da teoria do livre-comércio de Marshall e Pigou passamos a Keynes, de Hayek e do Consenso de Washington passaremos a bancos comerciais que assumam seus riscos, sistemas regulados globalmente, uma legislação financeira global e, sobretudo, um banco central global e uma supervisão de bancos global. A auto-regulação está morta e com ela, Basiléia 2. O Consenso de Washington jaz num campo do lado de fora do cemitério religioso, como os suicidas.

* Oscar Ugarteche, economista peruano, trabalha no Instituto de Investigações Econômicas da Universidade Autônoma do México, e integra a Rede Latinoamericana de Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd). É presidente da ALAI e integrante do Observatório Econômico da América Latina (Obela).
Fonte: Agência Carta Maior.

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