Enquanto o panorama da crise econômica mundial tornava-se menos sombrio, graças ao socorro dos governos dos EUA e da Europa, defendido com sensatez por Paul Krugman, esse professor de Universidade (Yale, M.I.T, Stanford, Princeton) e colunista do New York Times ganhou na manhã de segunda-feira o prêmio Nobel de Economia. As razões da decisão estão nos jornais (leia AQUI a notícia num blog do Wall Street Journal e alguns emails indignados de leitores, um dos quais o chama de “Michael Moore da economia”). Mas o personagem é particularmente fascinante.
Tenho o prazer de acompanhá-lo com especial interesse desde que passou a escrever, como colaborador, para a revista eletrônica Slate - então da Microsoft, que a criou, hoje do grupo Washington Post-Newsweek, que a comprou recentemente. A atividade dele tornou-se mais atraente, para mim, depois que ampliou para além da economia as suas preocupações.
Se Krugman não foi o mais contundente crítico dos EUA nessa era Bush II, seguramente está entre os principais, mais convincentes - e que melhor escrevem. Começou no Times no início do ano 2000, assinando uma coluna publicada duas vezes por semana. O presidente ainda era Bill Clinton, por quem tinha alguma simpatia. Os americanos começavam então a viver a campanha eleitoral.
Dizendo verdades inconvenientes
“Eu não esperava gastar tanto tempo com política interna, já que todo mundo presumia que o rumo do país continuaria sensato e responsável”, contou Krugman mais tarde. “Tentei, o melhor que pude, cobrir economia e negócios. (…) Mas na medida em que os fatos se desdobravam, a política inevitavelmente se intrometia. Mais e mais eu me via a dizer verdades incômodas aos donos do poder”.
Além de nunca ter rezado no altar construído pela mídia para a adoração de Alan Greenspan; de ter combatido o capitalismo dos apaniguados (crony capitalism, dizia ele, referindo-se a gente como Ken Lay, da Enron); e de ter documentado no dia a dia os tropeços da economia, ele passou também a expor seu talento de observador extremamente arguto da cena política americana, fosse o assunto econômico ou não.
O especialista em política James Carville, estrategista que ajudou a ganhar a eleição de 1992 para o presidente Clinton (inclusive celebrizando aquela advertência dirigida ao pessoal da campanha: “É a economia, bobalhão”), assim o descreveu: “Se eu tivesse um décimo do cérebro de Krugman e um vigésimo de sua coragem, seria a pessoa mais feliz sobre a face da Terra”.
Contra a difamação da direita
O Nobel foi para o economista, mas pessoalmente fui conquistado pelo escritor e analista político. Nas redações de jornal, sempre fizemos piadas sobre o “economês” - que nunca foi língua exclusiva dos economistas, acabou adotada também por jornalistas. Mas Krugman, além de economista, é um mestre da escrita. O texto dele é simples e extremamente agradável - uma rara capacidade de comunicação (veja ao lado a capa de seu livro que estuda os últimos 80 anos da história americana; e saiba mais AQUI sobre a obra).
Em 2005 ele evocou uma edição de janeiro de 2001 do jornal satírico The Onion atribuindo ao presidente Bush, na véspera da posse, esta declaração: “O nosso longo pesadelo nacional de paz e prosperidade terminou”. As primeiras palavras, claro, foram ditas por Gerald Ford ao suceder Richard Nixon no desfecho de Watergate. Para Krugman, no entanto, The Onion antecipou o que estava por acontecer.
O papel de Krugman cresceu muito em razão disso. Suas colunas e artigos (também escreve para outras publicações não científicas, entre elas o histórico semanário The Nation, de 133 anos de existência) ajudam a entender o que houve nos EUA nos dois mandatos de Bush - da incerteza sobre o resultado da eleição de 2000, decidida pela Suprema Corte ao proibir a recontagem de votos na Flórida, à atual campanha presidencial de 2008.
Krugman habituou-se a trazer ao leitor muito mais do que esperava encontrar. Em 2002, por exemplo, aproveitou o lançamento do livro Blinded by the Right: the conscience of an ex-conservative, de David Brock, para contar como as campanhas de difamação republicanas são financiadas por extremistas de direita, como o milionário Richard Mellon Scaife. Que incluiu até o próprio Krugman entre seus alvos (veja abaixo a capa de livro no qual reuniu em 2005 colunas e artigos).
A investigação de US$ 73 milhões
Ao financiar a revista American Spectator e outros empreendimentos, Scaife investiu uma fortuna na investigação dos Clinton. Mudou a história do país, mas o contribuinte pagou US$73 milhões, durante oito anos, por investigação que nada encontrou contra os Clinton. “Imaginem o que essa máquina de escândalos poderia fazer com a matéria prima bem mais promissora do passado de George W. Bush”, escreveu Krugman.
Por alguma razão, disse, há um nível de raiva e ódio na direita que inexiste entre os liberais à esquerda. Os bilionários tendem mais a serem fanáticos da direita do que da esquerda. Se apoiam causas mais ou menos liberais, em geral tentam ajudar o mundo e não assaltar o sistema político dos EUA: “enquanto George Soros gastava prodigamente para promover democracia no exterior, Scaife gastava prodigamente para subvertê-la em casa”.
“Figuras destacadas do império Scaife são hoje altas autoridades do governo Bush. Claramente, a usina de escândalos funciona: o público e a mídia legítima, sempre prontos a concluir que onde há fumaça há fogo, não percebem que são apenas alguns ricaços raivosos que compraram um brinquedo novo, a máquina de fumaça”. Krugman concluiu: “Achei Blinded by the Right de mau gosto, mas revelador”.
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.
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