A estratégia de Espanha para a Bolívia
Marcos Roitman Rosenmann* - 04.10.08
Em relação à Bolívia os meios de comunicação espanhóis (sem excepção) e do governo do PSOE, não podendo fazer regressar o império colonial, inserem-se, submissos e na expectativa das sobras, na estratégia do imperialismo norte-americano: reverter o processo de mudanças na Bolívia, aberto com a eleição de Evo Morales. E num processo articulado, “os media comprometem-se com a oligarquia e as transnacionais feridas pela política de nacionalizações. No mesmo sentido, o ministro das Relações Exteriores, Miguel Ángel Moratinos, com a mesma celeridade com que Rodriges Zapatero apoiou a eleição fraudulenta de Felipe Calderón no México, expressou o desejo de mediar” o que abusivamente chamam o conflito entre as partes.
Na Europa, particularmente na Espanha subdesenvolvida social e culturalmente, isto é a actual, relata-se uma realidade onde aparecem grupos em confronto que, perante a falta de um consenso, lutam por impor as suas alternativas. Sobre este relato avalia-se a actuação de actores pacificadores e oferecem-se préstimos. A Espanha joga neste caminho. O seu papel insere-se na estratégia dos Estados Unidos para a região, isto, procura socavar o processo político aberto com o triunfo do MAS e do seu presidente Evo Morales, enquanto participantes de um projecto anti-imperialista e anticapitalista. Junta-se também ao coro de condenação da Bolívia pela expulsão do embaixador dos Estados Unidos, Philip Goldberg, considerada uma medida severa e «chutar para canto», o culpar os ianques por todos os males que apoquentam a Bolívia. É uma saída em falso porque não dá resposta às questões de autonomia das províncias da meia-lua e uma maneira e a esconder os seus próprios erros, manifestados num empate técnico entre partidários de uns e outros quanto ao referendo. Neste relato, não a menor alusão ao papel que Goldberg, enquanto embaixador, teve na divisão do Kosovo. Encobrem-se e silenciam-se as suas reuniões com os governadores sediciosos aos quais prestou ajuda logística, económica e política para urdirema trama. Muitas armas são compradas com o dinheiro que sai da embaixada estadunidense e financiam-se os paramilitares, que acabaram por fazer a matança de Pando de 11 de Setembro.
Em Espanha não há maneira de as pessoas se inteirarem disto . Todos os meios de comunicação, sem excepção, distorcem a realidade e assumem a linguagem da desestabilização, apoiando o discurso do prefeito de Pando, Leopoldo Fernández, ao solicitar observadores internacionais e ligando as turbas armadas a simpatizantes do MAS. Mente-se nos meios de informação. Os media comprometem-se com a oligarquia e as transnacionais feridas pela política de nacionalizações. No mesmo sentido, o ministro das Relações Exteriores, Miguel Ángel Moratinos, com a mesma celeridade com que Rodriges Zapatero apoiou a eleição fraudulenta de Felipe Calderón no México, expressou o desejo de mediar o conflito e a crise entre as partes.
No que se refere à Bolívia não há partes. Há um governo constitucional e golpistas. Um levantamento contra o Estado de Direito por aqueles que se apropriam das instituições para assassinar camponeses armando grupos paramilitares e com isso gerar uma rede de apoio internacional para as suas reivindicações secessionistas. A partir dos seus lugares privilegiados, prefeitos, alcaides e deputados atacam a Constituição e declaram-se insubmissos perante a Lei: Não se trata de uma crise de institucionalidade nem de uma perda de legitimidade. Falamos de um complôt para derrubar um governo e de uma conspiração armada de que já resultaram mortes e assassínios de população civil.
Obrigar a cumprir a lei e declarar o Estado de sítio não é um problema de abuso de poder: é a defesa democrática em momentos de perturbação da ordem pública e de amotinanamento. É uma questão de ordem pública. No entanto, o governo do PSOE considera que a Bolívia está mergulhada num clima de pré guerra civil, sendo necessário uma mediação internacional, de carácter neutral. De forma implícita atribui legitimidade aos conspiradores. O seu discurso oficial é conhecido. Justifica as reivindicações autonomistas da oposição ao governo de Evo Morales ao classificá-las de lutas democráticas com raízes democráticas, provenientes de eleições. Este maniqueísmo expande-se graças aos meios de comunicação, cujos jornalistas se empapam numa fraseologia e com tópicos sobre a Bolívia, onde o mais parecido coma realidade é a caricatura. Mas cumprem o seu objectivo de desvirtuar o processo político até reverter uma imagem favorável e isolar Evo Morales.
O terrorismo informativo assenta na ideia de ingovernabilidade, na perseguição da intelectualidade e das classes médias, acossadas e com medo de uma vingança dos «índios». As políticas «indigenistas», «populistas» e «nacionalistas» são as responsáveis por esta degeneração. Nelas encontra-se a origem do problema. Não há que ir mais além. A saída é simples: Evo Morales deve renunciar e deixar em paz os bolivianos. A sua presidência provoca ódio, crispação, desentendimento. Há que retomar o diálogo, voltar aos bons velhos tempos em se mandava com classe e com responsabilidade. As nacionalizações, a reforma agrária, as mudanças na administração pública, o controlo sobre as riquezas básicas, as políticas sanitárias, a autonomia dos povos indígenas perturbam a razão. Falam de um poder caudilhista alheio à modernização. Evo Morales é a cara do ressentimento dos «índios». Por isso, jornalistas e habituais frequentadores de tertúlias falam dum racismo indígena. Querem o regresso ao passado., não desejam educação, mas aprender inglês, castelhano e seguir os bons costumes. Por isso desqualificam o governo. É a altura de fazer circular velhos rumores: Evo que fazer regressar a Bolívia ao passado, destruir o mundo moderno. Opõe-se a um entendimento. Além disso pertence a uma raça doente, como a descreveu Alcides Arguedas. Desconfiados, vagos, dados à bebida, violentos e zaragateiros. Carecem do espírito do capitalismo, por isso a Bolívia não avança. Agora, acrescentam, a origem de sindical «cocalero» do presidente, um poder obscuro. Assim completam o círculo contra o governo democrático do MAS.
Por sorte, a reunião dos presidentes da América do Sul em Santiago, no Chile, deu o seu poio ao presidente Evo Morales e ao seu governo, chamando golpistas aos prefeitos e mostrando a sua rejeição à divisão da Bolívia. Pela primeira vez na história do continente, deu-se em pantanas com esta política imperialista, desenhada pelo Pentágono e a Casa Branca. Já não era sem tempo.
Este artigo foi publicado no diário mexicano La Jornada de 25 de Setembro de 2008
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