sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

GOLPES FINANCEIROS.

Luis Nassif

A montagem do modelo financista mundial – que agora se esboroa – começou a ser preparada logo no pós-guerra, concomitantemente com a definição do Acordo de Bretton Woods, que restringiu o jogo especulativo, o livre fluxo de capitais e as jogadas com o câmbio. É importante entender esse mecanismo cambial. Desde o início da financeirização mundial, ainda no século XIX, o melhor terreno para a acumulação rápida de capital residia nas grandes operações de arbitragem de moeda e de operações com títulos públicos.

É a maneira mais rápida e indolor de conseguir as grandes tacadas, sem chamar atenção. Em razão de sua complexidade, essas operações passam ao largo da opinião pública. Estão fora da compreensão não apenas dos não economistas como dos economistas que não dispõem de conhecimento sobre os mecanismos do mercado financeiro.

Em geral, a montagem depende de poucas pessoas: as autoridades econômicas, os banqueiros aliados e os especuladores previamente informados. Os que detêm conhecimento sobre esse universo compõem uma comunidade fechada, misteriosa, que lucra com os desequilíbrios orçamentários (trazendo dúvidas sobre a solvência do Estado) e externos (dúvidas sobre a capacidade de honrar pagamento em moedas estrangeiras). Diria, quase sem medo de errar, que provavelmente a maior parte das grandes fortunas geradas no Brasil nos últimos 150 anos proveio dessas operações.

O economista Ignácio Rangel, estudioso dos ciclos econômicos brasileiros, constatou que, em cada período inflacionário, havia uma separação entre novos grupos, dinâmicos, e velhos grupos, em decadência. Os desequilíbrios inflacionários possibilitavam aos novos grupos acumular mais rapidamente o capital que lhes permitiria, na etapa seguinte, comandar a retomada da economia.

Não era a inflação em si que permitia, mas as operações com títulos externos e com manobras cambiais. Por exemplo, o Estado emitia títulos cujo valor decorrido seria de, digamos, 80% do valor de face. Quando entravam em moratória, os valores dos títulos caíam para uma ninharia. Especuladores adquiriam por, digamos, 5 e depois revendiam para o Estado (União, estados ou estatais) por 30.

Esses ciclos especulativos foram frequentes dos anos 30 aos 70. Um dos episódios pouco conhecidos da historiografia brasileira, que pode ser consultado nos arquivos de Vargas, foi uma manobra com títulos da dívida de São Paulo. O interventor Adhemar de Barros, no governo Dutra, inundou o mercado de títulos para pagar toda sorte de compromissos. Colocou na jogada o Banco Cruzeiro do Sul. Tempos depois, com os títulos virando pó, o presidente do Banco do Brasil, Guilherme da Silveira, deu declarações de que o banco estaria disposto a recomprar os títulos. Foi o que bastou para que seu valor desse uma pipocada, permitindo ganhos a quem havia adquirido anteriormente.

Nos anos 50, as sucessivas crises da dívida brasileira permitiram toda sorte de operações. As dívidas eram pulverizadas entre bancos, fornecedores e público. Houve uma caça aos títulos nos Estados Unidos, o que possibilitou a constituição de grandes fortunas brasileiras. Um parceiro frequente dos investidores brasileiros foi o ex-secretário do Tesouro americano Douglas Dillon, cujo banco sempre teve negócios com o Brasil.

Outra operação relevante foi a montagem do mercado de câmbio paralelo, logo após Bretton Woods. Por alguma coincidência, esse mercado acabou dominado por judeo-húngaros, expulsos pela Alemanha. Eles tinham como característica não ser, em geral, adeptos da religião judaica. Parte era agnóstica, parte católica. Mas tinham excelente formação matemática e o domínio de várias línguas, especialmente o francês e o inglês. O acesso a esse grupo permitiu grandes operações cambiais, que ajudaram a consolidar a riqueza, por exemplo, do Grupo Safra.

Com a estabilização das contas externas, a partir da segunda metade dos anos 60, esse jogo se reduziu um pouco. Retornou após a crise do petróleo, com o famoso episódio das polonetas, operações cujo pagamento das exportações para a Polônia era garantido pelo Banco Central, caso o País não dispusesse de dólares para quitá-las.

A volta da crise cambial, nos anos 80, acirrou novamente esse jogo. Com a moratória, logo após o Cruzado, abriu-se uma avenida de possibilidades. As três operações mais lucrativas foram as seguintes:

A primeira foi de recompra de dívida de empresas estatais e privadas. Economistas com ligações com o governo tornaram-se intermediários de recompra de dívidas de estatais. Adquiriam as dívidas por 5, revendiam por 30 e ficavam com a diferença.

A segunda maneira foi a possibilidade indecorosa, aberta pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, de conversão da dívida externa em cruzados. Houve intenso movimento de recompra de dívida e, com autorização do Banco Central, sua conversão em cruzados. Formaram-se grandes fortunas e alguns futuros bancos de investimento.

A terceira: a possibilidade de participar dos programas de privatização com as chamadas moedas podres – títulos de dívidas da União e de estatais – no governo Collor.

Com o Plano Real, o jogo mudou, mas os métodos e jogadores permaneceram os mesmos. A remonetização da economia (injeção de reais, depois da URV) permitiu grandes ganhos. Poderia ter sido uma remonetização por meio da liquidação da dívida interna. No dia do vencimento, em lugar de emitir um novo título e rolar a dívida, o Tesouro entregaria reais ao investidor. Esse dinheiro iria para os bancos ou para o mercado de capitais, ajudando a financiar a nova etapa da economia. Haveria a reciclagem da dívida pública para investimentos privados.

Em vez disso, optou-se por remonetizar por meio da captação de dólares. Ou seja, só receberia reais quem trouxesse dólares e vendesse para o BC. Com essa jogada, que contrariava todos os estudos prévios ao lançamento do real, a Fazenda repassou aos gestores de recursos externos o controle sobre a liquidez da economia. As imensas somas de capital interno expatriadas retornaram ao Brasil na forma de capital externo, por meio desses gestores de recursos. Outra manobra foi a apreciação nominal do real, que também contrariava todos os estudos que precederam o Real, proporcionando enormes ganhos aos gestores que estavam na ponta vendida.

No decorrer dos anos 90, o BC permitiu toda sorte de promiscuidades dos grandes capitais. Criou espaço para remessas ilegais de dólares, para o ingresso de dólares, sobre os quais não se sabia a procedência. Abriu uma avenida em Foz do Iguaçu. E gerou a maior dívida pública inútil da história: saltou de 20% para 50% do PIB sem ter um ativo sequer em contrapartida.

O jogo começou a se tornar perigoso na crise russa. Havia rumores de que o BC começaria a recomprar títulos da dívida externa brasileira. Os rumores provocaram uma elevação das cotações do papel. O Banco Garantia empanturrou-se de títulos. Mas a crise russa não estava sob o controle do BC. As cotações desabaram quebrando muitos fundos agressivos brasileiros.

*Luis Nassif é jornalista.
Fonte: Carta Capital.

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