segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O MOMENTO DE OBAMA, À SOMBRA DE LINCOLN.

Argemiro Ferreira.

O título The Tall Target de um filme de 1951 (veja o cartaz acima e outro abaixo, à direita) referia-se à estatura elevada e à altivez do possível alvo de um atentado em 1861 - o presidente eleito Abraham Lincoln. Aquela produção diferente de Hollywood, dirigida por Anthony Mann (um mestre do film noir), baseou-se em história de Daniel Mainwaring (Geoffrey Homes) adaptada por George Worthing Yates e Art Cohn.

Mainwaring foi uma das vítimas da lista negra de Hollywood, como também Will Geer, excelente ator que fez o papel do condutor do trem. O ator Adolphe Menjou, um dos conspiradores na trama do atentado, foi um dedo duro notório, além de instigador da caça às bruxas de Hollywood na organização de extrema direita Motion Picture Alliance for the Preservation of American Ideals (MPAPAI).

Mas a história do filme, ainda que atribuída à imaginação de Mainwaring, teve como base a especulação de que houve de fato a trama assassina. Lincoln seria alvejado durante sua viagem pela ferrovia The Baltimore & Ohio Railroad, atravessando Indiana, Ohio, Nova York, Pensilvânia, Delaware e Maryland até à capital - para a posse do 16º presidente. Viagem repetida agora pelo 44º, Barack Obama.

Otimismo hoje, tensão ontem
Em The Tall Target o detetive que desarticula a trama chama-se, por coincidência, John Kennedy - o presidente assassinado em 1963. Foi interpretado por Dick Powell. O diretor Anthony Mann, muito bem sucedido em filmes anteriores (como Raw Deal, T-Men e Railroaded), recriou o mesmo clima noir, conseguindo manter a atenção até o desenlace, em Baltimore, de onde Lincoln seguiu para a capital (mais sobre o filme AQUI).

Na reconstituição de agora, Obama viajou em meio à euforia, festejado em escalas sucessivas, inclusive Baltimore (leia AQUI o relato da viagem no web site da CBS). Pesquisa do New York Times com a rede CBS de televisão refletiu a onda de otimismo em relação à mudança de governo (saiba mais AQUI) - um clima que contrasta com a atmosfera tensa na viagem de Lincoln. Sete estados já estavam em rebelião aberta contra a União, para criar a Confederação sulista.

E terá havido mesmo a trama para assassiná-lo? Ela é dada como fato numa Enciclopédia de Abraham Lincoln (The Abraham Lincoln Encyclopedia), que tem entre seus autores Mark Neely Jr, historiador que ganhou o prêmio Pulitzer. Mas o relato que parece ser a fonte mais citada para dar credibilidade ao episódio é o da revista Harper’s em junho de 1868 (leia o texto AQUI).

O alerta do “Baltimore Sun”
Aparentemente, o texto foi feito para tirar partido da comoção no país depois do assassinato em 1865, com o ator John Wilkes Booth no papel central - e de ter sido a trama de 1861 citada no julgamento do assassino e seus cúmplices. Todos os dados da Harper’s são atribuídos às anotações do próprio Allan Pinkerton (reprodução abaixo), dono da célebre agência de detetives que fora contratada para desarticular a trama de Baltimore.

O personagem-chave do complô relatado em 1868 era um cabelereiro corso que emigrara para os EUA e se instalara em Baltimore: Cipriano Ferrandini (citado ainda como Siprono Fernandini e outras variantes) chegou a ser acusado mas nunca indiciado por conspirar contra Lincoln em 1861. Mas será Pinkerton confiável? Ou será suspeito, por seu interesse em superestimar feitos de sua agência?

O fato concreto era a hostilidade dos escravocratas de Maryland às vésperas da posse. O próprio Baltimore Sun, principal jornal do estado, referiu-se a isso a 27 de dezembro de 2008, a propósito da viagem de Obama (leia a íntegra AQUI). Citou então seu editorial de 23 de fevereiro de 1861, no qual tinha advertido os leitores contra o clima hostil, conclamando-os a “não permitir desrespeito pessoal”.

A fuga e a morte em 1865
Apesar do papel conspícuo de Pinkerton, à frente da agência encarregada da proteção do presidente contra possível atentado, a suposta trama nunca chegou a ser suficientemente investigada por ele. O Sun, no editorial de agora, observou que ao ser advertido para a ameaça ainda em Harrisburg, Pensilvânia, Lincoln resolveu mudar para um trem mais cedo e, assim, passar por Baltimore sem ser notado.

Em todo o estado de Marylnd era forte a simpatia pelo Sul escravocrata. Devido a isso, explicou o Sun, aquela passagem silenciosa por Baltimore foi ridicularizada mais tarde pela imprensa hostil como “covardia”. Um exemplo desse tipo de exploração, claramente alimentada pelos adversários, foi a charge de Harper’s a 9 de março de 1861 (veja acima), sob o título “Flight of Abraham” (A fuga de Abraão).

Seria essa, então, a razão principal de nunca ter sido suficientmente investigada toda a trama do atentado - e os supostos conspiradores nunca terem sido acusados? Devido a isso, disse ainda o jornal, Lincoln nunca mais tentou esconder-se do público. “E quatro anos depois, sem qualquer proteção no balcão do Ford’s Theatre, ele foi assassinado devido a conspiração bem sucedida”.
Blog do Argemiro Ferreira.

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