Como embaixador na Argentina, o chanceler Francisco Azeredo da Silveira (1974-1979), o homem de Kissinger na região, supervisionou o sequestro e a tortura do coronel democrático Jefferson Cardim Osório, perpetrado em Buenos Aires em dezembro de 1970.
A reportagem é de Darío Pignotti e publicada no jornal argentino Página/12, 11-08-2013. A tradução é de André Langer.
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| Fonte: http://bit.ly/19p2Mqa |
O primeiro rastro da Operação Condor. O homem de confiança de Henry Kissinger no Brasil durante os anos da coordenação repressiva sul-americana era o chanceler Francisco Azeredo da Silveira
(1974-1979), cargo ao qual ascendeu após ser embaixador na Argentina,
onde supervisionou o sequestro e a tortura do coronel democrático Jefferson Cardim Osório,
perpetrado no dia 11 de dezembro de 1970. Um crime do qual tomaram
parte espiões, militares e diplomatas de três países, mancomunados em
sua guerra suja sem fronteiras, como ficou registrado no relatório
001061, com carimbo do Serviço Nacional de Informação brasileiro, encontrado por este jornal em 2011 e entregue à Comissão da Verdade da presidente Dilma Rousseff (ver fac simile).
“Graças ao rapto de Jefferson, Azeredo da Silveira
ganhou a confiança dos militares colocando a embaixada portenha à
disposição dos serviços que perseguiam e, às vezes eliminaram,
opositores prófugos”, garante o ex-preso político Jarbas Silva Marques.
“Azeredo autorizou pessoalmente o sequestro, sei muito bem disso. Jefferson foi meu companheiro na prisão. Quando o trouxeram da Argentina, haviam-no torturado terrivelmente”, recorda Marques.
“Azeredo estava no aeroporto quando a Polícia Federal nos fez descer algemados de um carro e nos fizeram embarcar no avião da Força Aérea Brasileira para nos mandar de volta”, confirma Jefferson “Jefinho” Lopetegui de Alencar Osório, sequestrado junto com seu pai, e junto com quem foi deportado clandestinamente para o Rio de Janeiro.
Comparando com a
bibliografia sobre a participação argentina, uruguaia ou chilena na
trama criminosa sul-americana é pouco o que se sabe sobre o capítulo
brasileiro, devido ao cuidado que seus diplomatas tiveram para não
deixar rastros. Enquanto a Operação Condor chilena assassinava estrondosamente o general Carlos Prats
na porta de seu apartamento portenho em Palermo, originando uma comoção
internacional em 1974, os brasileiros operavam com a discrição das
serpentes, e graças a isso vários crimes, como o do coronel Osório, começam a ser esclarecidos apenas 40 anos mais tarde.
A propósito, a morte do ex-presidente João Goulart em sua fazenda correntina em 1976, que sua família garante foi por envenenamento, talvez um dia, depois da exumação anunciada pelo Governo de Dilma,
será incluída no inventário de assassinatos invisíveis da ditadura
brasileira. “Durante anos a embaixada foi usada para espiar o meu pai”,
declarou João Vicente Goulart a este jornal no ano passado.
Roberto Marcelo Levingston
“No dia 12 de dezembro (de 1970, um dia depois do rapto do coronel Osório), relatei ao embaixador Azeredo da Silveira os fatos ocorridos... e solicitei a ele que os transmitisse ao Ministério das Relações Exteriores... Nesse dia já havíamos recebido a informação de que o presidente (Roberto Marcelo) Levingston
assinaria o decreto de expulsão”, o que finalmente ocorreu em um prazo
surpreendentemente breve, disse o telegrama confidencial elaborado na
embaixada da rua Cerrito 1350 por um adjunto militar.
Este papel
secreto possivelmente seja o mais revelador, dado que confirma
oficialmente que o crime de que foi vítima o militar dado de baixa pela
ditadura, um dos homens importantes da resistência brasileira, chegou ao
conhecimento das mais altas autoridades do Ministério das Relações Exteriores em Brasília e foi autorizada, de punho e letra, pelo efêmero ditador Levingston, ex-adjunto militar em Washington.
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| Fonte: http://bit.ly/19eLvfO |
Depois de uma
leitura atenta do despacho secreto de seis páginas, generoso em datas e
nomes, robustece-se a presunção de que o afrancesado Palácio Pereda,
sede da representação diplomática, era na realidade uma base de
inteligência e logística a partir de onde se supervisionava vários
sequestros e desaparecimentos ocorridos pelo menos até dezembro de 1973,
quando Azeredo da Silveira recebeu o convite do já eleito presidente militar Geisel (tomou posse em março de 1974) para assumir a chefia do Palácio Itamaraty, a partir de onde teceu um vínculo carnal com Henry Kissinger.
Ambos
compartilharam o princípio segundo o qual Washington devia delegar ao
Brasil parte das suas responsabilidades na América do Sul, entre elas a
desestabilização dos governos democráticos que ainda ficavam em pé, como
o argentino (outros papéis mostram que o sucessor de Azeredo, o embaixador Pinheiro manteve uma conspirativa agenda de encontros com Videla e Massera em 1975) e aceitar as articulações entre os aparelhos repressivos.
Desde o final
dos anos 1190, os Estados Unidos liberaram milhares de papéis com
informações sensíveis sobre a repressão no Chile e um número apreciável
sobre a Argentina, mas evitou, tanto quanto pode, tornar públicos
documentos sobre operações que contaram com o apoio do Palácio Itamaraty através de seu Centro de Informações no Exterior, o CIEX, criado em 1966, antecipando-se em quase uma década ao surgimento do Plano Condor.
Será que ao
manter na sombra os crimes brasileiros Washington se preserva a si mesmo
e confirma o preceito de que os crimes de Estado nunca serão
esclarecidos?
Apesar da
escassez (por ocultamento) de informações é sensato supor que o Brasil,
cuja sociedade com Washington tornou-se cúmplice criminosa especialmente
desde 1970, foi uma peça crucial na engrenagem terrorista e
possivelmente tenha sido pioneiro em desenvolver uma estrutura
internacional, como ilustra o rapto do coronel Cardim Osório, onde se percebe a aceitação do sistema.
Condor brasileiro
Em sua primeira página, o texto confidencial elaborado pelo adjunto militar na embaixada indica que o militar dissidente Cardim Osório, seu filho de 18 anos e um sobrinho partiram em um ferriboat
de Colonia no dia 11 de dezembro de 1970, às 11h30, e três horas mais
tarde já haviam sido presos por elementos da Coordenação Federal da Polícia Federal em um cais portenho, de onde foram transladados até a Subcomissária de Assuntos Estrangeiros para serem interrogados.
O texto indica
que dois adjuntos militares brasileiros, um vindo do Uruguai, foram até a
subcomissária, onde conversaram como bons camaradas de armas com seus
pares argentinos e ali analisaram as informações prestadas pelos
prisioneiros. (Nas sessões de tortura, claro, embora o documento não o
diga.)
Depois se menciona que após a deportação do coronel e seu filho houve um outro encontro com o coronel argentino Cáceres, do Exército, que demonstrou interesse em dar continuidade à joint venture terrorista. “O coronel Cáceres
me expressou a necessidade e a conveniência de que mantenhamos um
contato mais próximo em casos similares... e também conversamos sobre a
necessidade de manter o segredo em relação ao destino dos elementos
embarcados” para o Brasil, disse o telegrama em sua página 6.
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| Fonte: http://bit.ly/17kZ1wc |
“Quando li
esses papéis me surpreendi, mas não inteiramente, porque eu sabia que
por trás de tudo o que aconteceu conosco estava o Itamaraty. Senti um calafrio, porque pela primeira vez havia um papel oficial, escrito pelos militares com o carimbo do SNI, demonstrando que no Itamaraty
os funcionários mais altos da ditadura argentina, como o presidente
Levingston, estiveram por trás do sequestro do meu pai e do meu”, conta Jefferson “Jefinho” Osório Lopeteguy.
A Operação Condor foi instituída em novembro de 1975 no Chile, com a cobertura de Augusto Pinochet,
e os enviados brasileiros a esse conclave não assinaram as atas,
alimentando a interpretação de que a “ditabranca” brasileira nunca
esteve à vontade nessa confraria. Uma lenda que Jefinho não compartilha.
“Em 1970, a Operação Condor
ainda não tinha esse nome, não sei como se chamava a organização que
nos sequestrou e torturou em Buenos Aires, e que nos seguiu por anos em
Montevidéu. O que digo é que nós fomos sequestrados por algo que era
similar ao Plano Condor, porque no Brasil isto já
existia. Inclusive meu pai já sabia disso, em 1970 ele me disse que eles
estavam em vários países e que, às vezes, matavam os exilados, e que
jogavam os presos ao mar de aviões da Força Aérea. Ele chegou a me falar de tudo isso antes de ser preso”.



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