A (precária) mobilidade urbana de São Paulo
É
uma pena que um dos maiores jornais do país, o Estado de S. Paulo,
tenha dedicado um editorial para reduzir a questões
eleitorais partidárias um debate muito maior e mais importante, que é a
mobilidade da cidade de São Paulo.
“O
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e o secretário municipal de
Transportes, Jilmar Tatto, assumiram o papel de defensores dos sem-carro
e passaram a combater, sem pensar nas consequências, a multidão dos que
se atrevem a sair às ruas em seus automóveis, mesmo tendo de enfrentar
grandes congestionamentos todos os dias”, afirma o jornal. E acusa o
prefeito e o secretário de transportes de não se importarem com “os
donos dos 7 milhões de veículos da capital”.
Escrevo
esse texto não com o objetivo defender Haddad, Tatto ou o PT, mas para
examinar friamente alguns dados da mobilidade da cidade e apontar o
absurdo da crítica feita pelo jornal.
Em primeiro
lugar, antes de defender “os donos dos 7 milhões de veículos da
cidade”, é preciso compreender que o dado que mais importa para a
mobilidade não é o número absoluto de veículos, mas o número de viagens
diárias feitas de carro. Por exemplo: o país com mais carros per capita
do mundo é Mônaco (que está na marca de 0,8 carros por pessoa). Para
efeitos de comparação, São Paulo está na marca dos 0,4. Mas São Paulo
tem níveis de congestionamento muito maiores do que Mônaco porque
o uso dos carros aqui é irracional.
Quando
medimos as viagens diárias feitas na cidade, percebemos que os
carros são minoria: 38,42% dos deslocamentos são coletivos (transportes
públicos), 30,78% individuais (carros e motos) e 30,80% não motorizados
(a pé e de bicicleta). Esses dados da pesquisa Origem e Destino foram a
base do estudo do engenheiro de transportes Horácio Figueira que
concluiu que 20% dos paulistanos se locomovem de carro, mas ocupam 80%
das vias da cidade.
Em suma: o congestionamento se dá porque a minoria das pessoas está ocupando a maioria do espaço.
Ao
mesmo tempo, até o começo desse ano, São Paulo tinha a enorme
disparidade de 17.000 km de ruas e avenidas para carros contra apenas
150 km de corredores ônibus. Essa oferta desigual de vias está sendo
corrigida com a criação de mais corredores exclusivos para evitar que
ônibus com 60 pessoas precisem disputar espaço com carros levando apenas
uma. Não é um processo fácil nem livre de erros, mas necessário para
equilibrar uma disparidade histórica na cidade.
“Estima-se
que os recursos provenientes das multas crescerão 22% em 2014,
atingindo R$ 1,2 bilhão, um novo recorde”, diz o jornal. Não quero aqui
defender a chamada “indústria das multas”, mas há um ponto que também
precisa ser reequilibrado junto com as vias: a economia dos transportes.
O Nobel da Economia William Vickrey enunciou que “cada indivíduo deve
ser economicamente responsável por seu deslocamento”. Quem anda de carro
precisa de infraestrutura per capita mais cara, polui mais o ar e ocupa
mais espaço, mas não paga essa conta.
Encarecer
os deslocamentos feitos de carro é um dos caminhos para o equilíbrio da
economia dos transportes que foi bem sucedido em Bogotá, Londres e
Copenhague e pode ser um caminho para São Paulo – desde que esses
recursos gerados sejam bem administrados.
“Essa
má vontade com o transporte individual prejudica a cidade”, diz o
jornal. Na verdade é exatamente o oposto: a priorização do carro como
transporte de massa é que passou as últimas décadas prejudicando a
cidade. E é isso que pode ser revertido nesse processo de reequilíbrio
de suas vias.
“Antes
de reduzir o espaço destinado aos carros para forçar seus proprietários
a deixá-los nas garagens, é preciso criar mais vagas de estacionamento
para eles, com a construção – há muito prometida e nunca concretizada –
de garagens subterrâneas.” diz o jornal, mais uma vez errando feio. Como
diz ex-prefeito de Bogotá e consultor do ITDP Enrique Peñalosa, não é
função do poder público garantir espaço para o estacionamento de
veículos particulares.
O
jornal encerra o texto com uma frase pouco propositiva e conclusiva: “É
preciso, em suma, mais planejamento e menos demagogia.” Uma crítica
atrapalhada que não contempla o ponto mais importante do problema da
mobilidade paulistana: o desequilíbrio das centralidades da cidade.
Com
empregos concentrados no centro e pessoas em excesso morando nas
periferias, não é criando linhas de transporte público ou avenidas para
carro que se resolve o congestionamento, mas aproximando as pessoas de
seus empregos com políticas de mobilidade combinada à habitação, para
reduzir a necessidade de deslocamentos tão longos.
Criar
uma polaridade carros x transporte público é um desserviço prestado
pelo jornal, que ficou na superfície de uma questão muito mais profunda e
complexa.
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