Inédito: os bastidores da renúncia de Jânio

Algum tempo antes da renúncia de Jânio, o embaixador Walther Moreira Salles teve um encontro estranho com ele. Foi convidado, assim como a esposa Elisinha, para almoçar com o casal Jânio no Horto Florestal em São Paulo.
A conversa foi agradável, mas Walther foi surpreendido com o convite de Janio, para que o acompanhasse em um cruzeiro marítimo ao redor do mundo. Como assim, se Jânio mal começara seu mandato?
O almoço custaria caro a Walther. Estendeu-se mais do que devia e deixou esperando, na antessala, um general irritado, Arthur da Costa e Silva. Walther desconfiou que um dos motivos para Costa e Silva tentar cassa-lo teria sido o amuo com a espera a que ficou relegado.

O objetivo de Jânio Quadros, quando articulou a renúncia, era a reforma constitucional. Com o choque da renúncia não pretendiam implantar a ditadura, mas dispor de poderes iguais aos da Constituição francesa.
Este objetivo ficou claro em um jantar na casa de WaltherMoreira Salles, na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, o Ministro da Justiça de Jânio, Oscar Pedroso D’Horta, conforme relato que colhi de Raphael de Almeida Magalhães, presente ao jantar.
No meio do jantar, o governador carioca Carlos Lacerdainvadiu a casa transtornado,sem se fazer anunciar, pegou Pedroso D’Horta pelo braço e o levou à varanda. A chegada de Lacerdaprovocou reações variadas. Vários dos convidados não se davam com ele e retiraram-se em seguida. Para sorte dos anfitriões, o jantar estava terminando.
O nervosismo de Lacerda prendia-se aos problemas criados por seu filho Sérgio. Através da Fundação Otávio Mangabeira, Sérgio havia recebido dinheiro dos banqueiros de bicho. O fato havia sido noticiado pela imprensa e Lacerda, através de Pedroso D’Horta,queria que Jânioo ajudasse a superar o problema.
Na conversa, Horta abordou pela primeira vez a falta de condições políticas de Jâniopara conduzir as reformas econômicas. Lacerdaainda estava em lua-de-mel com Jânio. Todos seus pleitos haviam sido atendidos, o aval federal a empréstimos do BIRD, o acesso ao Fundo do Trigo, a transferência de patrimônio não utilizados dos Institutos de Previdência para o estado.
Mas era um caso raro. Em geral, Jânio não recebia parlamentares, não concedia.
- Como Jânionão transige com o Congresso, haverá a necessidade da gente articular as eleições de 62 -- ponderou Horta. Ou então poderíamos retomar temas que você, Lacerda, falou em 1956 sobre Mendéz France.
Na época, a França estava sob um terrível impasse político, decorrente do processo de tentativa de emancipação das colônias. Mendéz France pediu ao Parlamento delegação ampla de poderes. “Governar é escolher” dizia Mendéz France. Seus 6 meses de delegação constituíam-se em um clássico, um marco da política francesa da época.
Primeiro, solicitou 30 dias para fazer as pazes com a Tunísia. Mal sucedido, renunciaria. A paz foi assinada na véspera do vencimento do prazo. Depois pediu delegação para efetuar as reformas financeira, administrativa e política, sempre com prazo e objetivos explícitos.
O sucesso de Mendéz France deixou na moda a questão da delegação de poderes. Por aqueles dias, o Congresso tinha votado lei de favores a funcionários públicos. Jâniovetou-a. O Congresso derrubou o veto. Sob este impacto, Horta levantava a questão francesa e solicitava a Lacerdacópia dos artigos por ele escritos em 1956, quando defendeu a delegação de poderes na sucessão de Café Filho.
Dias depois Jâniorecebia Lacerdaem Brasília. Lacerdadeixou a mala do lado de fora da sala e, ao retornar da conversa com Jânio, viu a mala na guarita do guarda. Interpretou o gesto como falta de vontade de Jâniopara resolver seus problemas. Quando Jânioapresentou a renúncia, pouco tempo depois, Lacerdainvocou o jantar em casa de Waltherpara defender a tese de que o ato constituíra-se em uma tentativa de golpe de estado de Jânio.
Em que falhou a operação?
Tudo havia sido planejado. O vice-presidente Jango Goulart estava na China. Havia enormes resistências dos militares à sua posse. A ideia de Jânio era a de preparar a carta-renúncia, mas não formalizar. Esperava que, espalhando a informação de que pretendia renunciar, haveria um movimento espontâneo por sua volta, que lhe permitiria voltar nos braços do povo e conseguir do Congresso a lei delegada. Até o dia da renúncia – dia 25 de agosto, dia do Soldade – foi escolhido a dedo.
 O chefe da casa militar era o general Pedro Geraldo de Almeida, mineiro genro do general Setembrino Carvalho, Ministro da Guerra do governo Arthur Bernardes. Pedroso comunicou a renúncia a ele, pediu que não divulgasse, contando que a versão se espalhasse. Não contava com a lealdade do general que, de fato, não contou.
O desmoronamento da estratégia janista deveu-se a Gustavo Capanema, do PSD mineiro. A carta foi entregue a Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, e que não tinha fama de ser político muito habilidoso. Auro sugeriu:
- Vamos convocar o Congresso.
Capanema reagiu:
-      Não, a renúncia é um ato unilateral. Vamos tomar conhecimento.
A posição de Capanema foi corroborada pelo líder do PTB Almino Affonso.