09/06/2014 - Copyleft
Luis Matías López, do publico.es
Egito, Síria e Líbia: Para que eleições?
Egito, Síria e Líbia são hoje países mais livres, prósperos e justos do que há quatro anos? De forma alguma. A Primavera Árabe foi um fracasso histórico.
O
roteiro da chamada Primavera Árabe exigia que, ao fim do percurso, uma
vez eliminados os ditadores, novos regimes democráticos fossem
consolidados através de eleições livres e multipartidárias. No entanto, a
primavera que se tornou inverno - com talvez uma única exceção, a
Tunísia - não foi mais do que um fracasso histórico.
A
pergunta que devemos fazer é a seguinte: Egito, Síria e Líbia são hoje
países mais livres, prósperos e justos do que há quatro anos, antes da
tormenta? E, nos três casos, a resposta é: não.
No
Egito, as recentes eleições que colocaram no poder um general golpista,
mandaram o processo de volta a seu ponto de partida, ao controle quase
absoluto - similar ao da era de Mubarak - por parte de uma corrupta
oligarquia militar e econômica. Pior ainda, porque neste caminho de ida e
volta, foram abertas feridas que custarão décadas para se fecharem:
burlaram os resultados de uma eleição livre, tornaram ilegal e
reprimiram o partido que as ganhou limpamente, e marginalizaram às
milhões de pessoas que lutaram nas ruas para forçar uma mudança de
regime que seria o caminho para uma sociedade mais justa e moderna.
Uma
oportunidade única foi desperdiçada, implantaram o desalento e o
conformismo, debilitaram a oposição laica e reprimiram a islâmica com
brutalidade. O país do Nilo, guia tradicional do mundo árabe, volta à
pobreza, à desigualdade, à corrupção, à uma ditadura disfarçada e à
dependência dos interesses estratégicos dos Estados Unidos e Israel.
Gostassem ou não do modelo que a Irmandade Muçulmana pretendia
implantar, a derrubada do presidente Mursi - que também foi vítima de
sua própria torpeza - suprimiu toda esperança de que a democracia
tivesse ainda uma oportunidade a médio prazo. Não obstante, a baixa
participação nas eleições indica que não podemos confundir submissão com
aprovação
Tampouco
na Síria, outro país árabe chave, é possível qualificar as recentes
eleições como um exercício de democracia. Al-Assad, como antes seu pai,
só recorre às urnas quando está seguro de que vai ganhar e sem dar
nenhuma opção a eventuais adversários. E no cume do cinismo, permitiu
que nesta ocasião se apresentassem - como no Egito - outros candidatos,
para dar um toque de pluralismo à farsa: sua previsível e indubitável
vitória. Com o país em pedaços, com cerca de 10 milhões de refugiados
internos e externos, em plena guerra civil, que já custou mais de
160.000 vidas, votar em liberdade é uma quimera.
Assad
é um ditador que não vacila em reprimir seu próprio povo, que não se
detém ao pensar nas vítimas civis quando converte cidades inteiras em
escombros. No princípio, quando parecia possível derrubá-lo sem um banho
de sangue, essa perspectiva se contemplou com a mesma esperança que
suscitou a revolução de Tahrir contra Mubarak. Mas foi tudo uma miragem.
Logo quando ficou evidente que o regime não cairia sem luta, a revolta
civil degenerou em insurreição armada e em guerra, tão mortífera quanto
as do Iraque e do Afeganistão
Os
EUA e seus aliados contemplaram a possibilidade de aplicar na Síria o
mesmo roteiro que derrubou Gadafi. Estiveram a ponto de tomar essa
decisão quando foi denunciado o uso de armas químicas por Assad. Mas
Obama, com uma prudência louvável, se conteve para evitar um choque com a
Rússia e evitar cair na mesma armadilha que Bush, ou então porque seu
modelo bélico, cada vez mais pautado nos drones, abomina as custosas
operações militares convencionais, mesmo com a liderança exercida na
operação da Líbia.
Não
se caminhou na direção de uma intervenção na Síria porque se chegou a
um ponto no qual parecia claro que o remédio havia sido pior que a
doença. Permitir que o presidente sírio seguisse no poder era preferível
à tomada por uma oposição fragmentada sustentada por grupos radicais
islâmicos simpatizantes da Al-Qaeda, o grande satã para os EUA, o
inimigo no qual se encarna a guerra contra o terrorismo lançada no 11 de
setembro de 2001.
Entres
os dois males, Obama aposta no menor: que se mantenha o status quo que
hoje beneficia Assad, que recuperou boa parte dos territórios perdidos e
está mais forte do que nos últimos três anos. É preferível - se
pensamos em Washington e Jerusalem - que os jihadistas estejam ocupados
na Síria a que fiquem com as mãos livres e com meios renovados para
continuar sua guerra santa contra o império dos ímpios e contra seu
aliado estratégico na região, Israel.
Este
é o contexto das recentes eleições no Egito e Síria. Eleições inúteis
nas quais não houve possibilidade real de optar entre opções diferentes,
que só servem para dar um certo lustro de legitimidade a regimes
ditatoriais. Ainda que com algumas diferenças, o panorama não é nada
esperançoso quanto às eleições do próximo dia 25 na Líbia, onde a
derrubada de outro ditador com a ajuda militar decisiva do ocidente
tampouco trouxe paz ou democracia. Se trata de um cenário da guerra e
colapso econômico que agrava a dificuldade de normalizar a exportação de
petróleo.
Se
olhamos para trás, até o discurso de Obama no Cairo em 2009, que
alentou a Primavera Árabe, só cabe deduzir que o ambicioso projeto ali
esboçado se degenerou em um fracasso histórico, que se completa com o
beco sem saída que é o conflito entre Palestina e Israel, mais
encrustado do que nunca
Já
passou o tempo que o presidente norte-americano distribuía esperança
entre os mais crédulos de uma maneira menos indecente do que conservar a
hegemonia mundical dos EUA, inclusive exercendo uma certa liderança
moral. Obama terminou sendo um presidente como qualquer outro, não muito
diferente de Bush, incapaz inclusive de gerir com transparência as
heranças sumamente custosas que este lhe deixou: o Iraque e o
Afeganistão.
Que
ele esqueça de fazer história por algo a mais que sua cor. Seu único
consolo é que, lá onde Bush matava moscas com balas de canhão a preços
astronômicos e de milhares de baixas, ele, como se fosse mais um
administrador do que um líder, reduziu drasticamente os custos
econômicos e o número de baixas. Ainda que isso se deva menos a mérito
próprio do que aos engenheiros que aperfeiçoaram os aviões
não-tripulados até generalizarem seu uso e convertê-los em instrumentos
assassinos capazes de servir ao mesmo desígnio imperialista que antes se
defendia com tropas de combate e uma gigantesca maquinaria bélica
convencional
Créditos da foto: Fadi Benni / Wikimedia Commons
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