quarta-feira, 16 de julho de 2014

POLÍTICA - O massacre dos palestinos.

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Os dilemas da insossa reportagem de estilo agência

“Por que nós, como leitores – para não falar de nós os jornalistas –, permitimo-nos participar daquilo que eu só posso chamar de uma memória coletiva apagada? Por que não nos importa? Ou, por que tememos que as explicações do recorrente derramamento de sangue em Israel poderiam levar os leitores a buscar razões mais profundas e que os “amigos” de Israel no estrangeiro poderiam nos acusar de pobres inofensivos jornalistas, de sugerir que Israel – para não falar dos corruptos do Hamas – se dedica a uma cada vez maior impiedosa guerra, infinitamente mais perversa e obscena do que sugere nossa insossa reportagem de estilo agência?”, questiona o jornalista Robert Fisk, em artigo publicado por Página/12, 15-07-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Em certa época, utilizávamos recortes, montões de recortes de jornais sobre o que estávamos escrevendo: Israel, Líbano, Irã, Gaza. Inclusive, de vez em quando, líamos livros. Talvez seja por conta da Internet, mas na maioria de nossos informes parece que a história começou ontem ou na semana passada. Para os esnobes, chama-se a perda da memória institucional. Nós, os jornalistas, parece que sofremos dela mais do que a maioria. Nossos leitores, suspeito, não são assim. Desse modo, sigamos. “Israel fez caso omisso das crescentes chamadas internacionais para um cessar-fogo e disse que não irá parar seu ataque devastador em Gaza até que se consiga ‘paz e tranquilidade’ nas cidades do sul de Israel na linha de fogo de foguetes palestinos. Representantes árabes se reuniram com o Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nova York, instando aos membros a adotar uma resolução que chame a um cessar imediato dos ataques israelenses e de um cessar-fogo permanente”. Esta informação é de um informe da Associação de Imprensa.
Agora, este é um editorial do Canadian National Post de direita: “Nós (sic) temos uma grande simpatia pela gente comum de Gaza. Os ataques de Israel esta semana contra a infraestrutura do terrorismo, na pequena zona e densamente povoada, sem dúvida, são muito duros para eles, já que os servidores e agentes do Hamas os utilizam como escudos humanos. Porém, recordem: tudo o que se requeria para prevenir estes ataques era que os palestinos detivessem sua violência contra os israelenses”.
E, aqui, uma citação do jornal The Guardian: “Ontem, enquanto três de seus filhos estavam mortos no piso do hospital, Samouni estava em uma cama no andar de cima do hospital Shifa, recuperando-se dos ferimentos nas pernas e ombros, reconfortando seu filho, Mohamed, de cinco anos, que havia sofrido uma fratura no braço”. “É um massacre”, disse Samouni. “Só queremos viver em paz”.
E, apenas por acaso, isto é da agência Reuters: “Israel ampliou, ontem, sua feroz ofensiva aérea na Faixa de Gaza, governada pelo Hamas durante as últimas décadas e se prepara para um possível ataque por terra, depois de um bombardeio de três dias que matou 300 palestinos. Os aviões (israelenses) também atacaram as casas de dois altos comandantes do braço armado do Hamas. Eles não estavam ali, mas vários membros da família estavam entre os sete mortos”. E, por último, mas não menos importante, isto é do escritor Robert Fulford, do Canadian Post: “Israel já demonstrou ser a nação mais moderada na história. Estabeleceu um recorde histórico de moderação”.
Agora, é claro, você está familiarizado com tudo o que acaba de ler. Desde a semana passada, Israel está bombardeando Gaza para evitar que os foguetes do Hamas cheguem a Israel. Os palestinos sofrem de maneira desproporcional, mas é tudo culpa do Hamas. Entretanto, há um problema.
O informe da Associação de Imprensa foi publicado no dia 6 de janeiro de 2009, há cinco anos e meio! O editorial foi impresso no dia 2 de janeiro do mesmo ano. O informe do jornal The Guardian é do dia 6 de janeiro de 2009, o da agência Reuters do dia 30 de dezembro do ano anterior. As 2008 bobagens de Fulford foram publicadas no dia 5 de janeiro de 2009.
Curiosamente, no entanto, ninguém recorda que a matança de hoje é uma repetição obscena – por ambos os lados – do que aconteceu antes, e de fato antes ainda. O historiador israelense esquerdista Illan Pappe informou sobre como, no dia 28 de dezembro de 2006, a organização israelense de direitos humanos B’Tselem disse que 660 palestinos haviam morrido naquele ano, a maioria em Gaza, incluindo 141 crianças, e que desde o ano 2000 as forças israelenses haviam matado quase 4000 palestinos, com 20.000 feridos. Porém, houve uma só menção a tudo isto, em um só informe sobre o último massacre na guerra de Gaza.
Por quê? Por que nós, como leitores – para não falar de nós os jornalistas –, permitimo-nos participar daquilo que eu só posso chamar uma memória coletiva apagada? Por que não nos importa? Ou, por que tememos que as explicações do recorrente derramamento de sangue em Israel poderiam levar os leitores a buscar razões mais profundas e que os “amigos” de Israel no estrangeiro poderiam nos acusar de pobres inofensivos jornalistas, de sugerir que Israel – para não falar dos corruptos do Hamas – se dedica a uma cada vez maior desapiedada guerra, infinitamente mais perversa e obscena do que sugere nossa insossa reportagem de estilo agência?
Porém, para terminar, aqui há um informe da agência Reuters sobre Mossul, que soará muito familiar para os leitores das últimas semanas: “Os insurgentes incendiaram estações de polícia, roubaram as armas e descaradamente vagaram pelas ruas de Mossul, enquanto a terceira maior cidade do Iraque parecia ficar fora de controle”. Um pequeno problema, claro. Esta notícia da Reuters foi apresentada em 2004 – há 10 anos!
Temo que a memória apagada se trate do contexto. Trate-se da forma como os exércitos e os governos querem nos fazer acreditar ou esquecer o que estão fazendo, trate-se da cobertura histórica, e sobre – cito a maravilhosa jornalista israelense Amira Haas – “o monitoramento dos centros de poder”.

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