quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Afeganistão: As implicações morais da sede de sangue......

 Pelo Mundo

As implicações morais da sede de sangue, da supremacia branca e do nacionalismo cristão

 

 
25/08/2021 14:25

George W. Bush, então presidente dos EUA, declara o fim do grande combate no Iraque, discursando a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln, na costa da Califórnia, em 1º de maio de 2003 (J. Sott Applewhite/AP)

Créditos da foto: George W. Bush, então presidente dos EUA, declara o fim do grande combate no Iraque, discursando a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln, na costa da Califórnia, em 1º de maio de 2003 (J. Sott Applewhite/AP)

 

:: Mais sobre a tomada do Afeganistão pelo Talibã: leia nosso especial 'O momento Saigon do Afeganistão' ::

É difícil não ser emocional depois que pessoas morreram lutando por uma causa. A objetividade parece mais difícil ainda quando se analisa o resultado de 20 anos de uma guerra liderada pelos Estados Unidos no Afeganistão.

Os EUA invadiram o Afeganistão depois que terroristas da Al Qaeda, seguidores de Osama bin Laden, assumiram o comando e transformaram em bombas quatro aviões comerciais em 11 de setembro de 2001, matando 2.977 pessoas e ferindo outras 6.000 em Nova York, Washington e Pensilvânia. Quando a inteligência rastreou os terroristas até o Afeganistão, o Congresso estadunidense autorizou o presidente George W. Bush a usar a força militar.

A “guerra ao terror” começou no Afeganistão porque era lá que Bin Laden vivia. Ele foi finalmente encontrado no Paquistão e morto em 2011, 10 anos depois que o regime do Talibã foi derrotado pelas forças dos EUA no fim de 2001.

Pelos próximos 20 anos, os combatentes do Talibã combinaram inteligência e tática numa guerra de guerrilha contra uma força militar multinacional liderada pelos EUA muito mais bem equipada e financiada e que tinha um número maior de soldados. Ao todo, 2.448 militares estadunidenses morreram; outras dezenas de milhares ficaram feridos. Os EUA gastaram no esforço militar no Afeganistão e no vizinho Paquistão desde 2001 mais de US$ 2.26 trilhões — incluindo mais de US$ 500 bilhões de juros por dinheiro pego emprestado para financiar a guerra.

O resultado desses sacrifícios é desapontador para as famílias estadunidenses que perderam entes queridos, para veteranos que perderam companheiros, para veteranos que ficaram permanentemente incapacitados e traumatizados de forma que apenas a guerra pode provocar e para as pessoas que cuidam deles. A tristeza e a angústia de homens, mulheres e crianças no Afeganistão que esperavam que a guerra liderada pelos EUA derrotasse o Talibã vão além da decepção. Para essas pessoas, o resultado da guerra é tão doloroso que nunca teremos dinheiro e palavras suficientes para falar sobre isso.

A guerra no Afeganistão nos faz lembrar que aqueles que não aprendem com os erros do passado provavelmente vão repeti-los. Anos atrás, o acadêmico Akhilesh Pillalamarri escreveu que o Afeganistão há muito era conhecido como o túmulo de impérios. Ainda assim, os EUA repetiram os erros, respectivamente, dos impérios britânico e soviético nos séculos 19 e 20 ao invadirem e tentarem ocupar o país.

Ao fazer o mesmo, líderes políticos e militares dos EUA desprezaram outras verdades. Apesar da indignação nos EUA com os ataques terroristas de 11 de setembro e da determinação de buscar vingança contra Bin Laden e a Al Qaeda, o Afeganistão nunca foi nossa sociedade para governá-lo, muito menos para transformá-lo em uma democracia liberal inclusiva.

Tropas e armamento estrangeiros nunca superariam a moral, costumes, história, orgulho ancestral do guerreiro e séculos de recusa em ser governado por invasores, especialmente quando estes apoiaram corruptos e incompetentes governantes locais e militares afegãos que não lutariam pelo futuro de sua sociedade mesmo com esmagadoras vantagens militares, logísticas e diplomáticas.

A combinação de sede de sangue, arrogância ocidental, supremacia branca e racismo, imperialismo nacionalista cristão conservador e a ganância capitalista também devem ser considerada. O custo financeiro das guerras sempre gera riqueza para aqueles que lucram com o fornecimento de armas e material militar.

Por essas razões, não foi suficiente invadir o Afeganistão em 2001.

Não foi suficiente caçar Bin Laden.

Não foi suficiente expulsar o Talibã do poder político 20 anos atrás.

Não foi suficiente no fim encontrar e matar Bin Laden em 2011.

Não foi suficiente capturar, matar, torturar e manter indefinidamente seus lugares-tenentes em Guantánamo e outros locais pelo mundo, mas nunca nos Estados Unidos.

Não importa quantas tropas foram mobilizadas, quantas missões de drones foram feitas nem quantos militares foram mortos e feridos, a sede de sangue, incompetência cultural, desrespeito pela história militar e política, arrogância, supremacia branca e racismo, imperialismo nacional cristão, ganância capitalista e orgulho nacional transformaram a invasão do Afeganistão em 2001 em um fiasco de 20 anos que atormentou as presidências de George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden.

A história não será gentil com os líderes políticos e militares que aconselharam a nação a se comprometer com essa desventura. E a história não será gentil com os líderes religiosos dos Estados Unidos que aplaudiram e aconselharam a nação a concordar com eles.

Os líderes religiosos não alertaram a nação sobre os perigos morais e mortais da sede de sangue. Alguns líderes religiosos até abençoaram-na, ao mesmo tempo em que ofereciam apoio pastoral a famílias enlutadas e a pessoas mutiladas e marcadas pelas feridas físicas, emocionais, sociais e espirituais da guerra.

Os líderes religiosos não podem culpar a CIA, o Departamento de Estado, o Pentágono e os partidos políticos por não terem discernido e denunciado o patriarcado, a misoginia e o militarismo que levou os chamados conservadores evangélicos cristãos a defenderem a guerra no Afeganistão mesmo uma década depois da morte de Bin Laden. Enquanto isso, os mesmos conservadores evangélicos cristãos continuaram protestando contra o Talibã e contra outros extremistas muçulmanos. O discernimento profético deveria ter levado mais clérigos nos Estados Unidos a saber e declarar que essas forças são apenas dois lados da mesma odiosa moeda da fé.

O fracasso do discernimento profético e da atividade em relação à guerra no Afeganistão não honrou a tradição dos profetas hebreus. Não honrou a tradição de proféticos homens e mulheres que condenaram a sede de sangue nos séculos posteriores. Não honrou a tradição de pessoas proféticas que desafiaram os objetivos imperialistas das Cruzadas.

Esse fracasso também desconsiderou o exemplo do clero que desafiou a guerra no Vietnã três décadas antes de 2001. Ao longo de 20 anos, os líderes religiosos nos Estados Unidos não desafiaram o pensamento público sobre a guerra no Afeganistão da maneira como o clero e os leigos preocupados com o Vietnã o desafiaram há 50 anos. Os líderes religiosos se recusaram a seguir os exemplos proféticos de William Sloan Coffin, Martin Luther King Jr., do padre Theodore Hesburgh e do rabino Abraham Joshua Heschel e não convocaram líderes políticos, militares e de opinião para fazerem uma reflexão sobre os erros trágicos que estavam sendo cometidos no Afeganistão.

Ao invés disso, Billy Graham, Jerry Falwell, Pat Robertson, Tony Perkins, Phyllis Schlafly, Richard Land, Robert Jeffress, Paige Patterson, James Dobson e Franklin Graham eram considerados por jornalistas, incluindo escritores religiosos, como exemplos de forte liderança religiosa. Ao mesmo tempo, os mesmos jornalistas — incluindo escritores religiosos – desconsideravam Jeremiah Wright Jr., Jim Wallis e a congressista Barbara Lee, de Oakland, Califórnia (e da Allen Temple Baptist Church), que deu o único voto contrário na Câmara dos Representantes dos EUA à autorização do uso da força militar no Afeganistão, o que montou o palco para o que se tornou conhecida como a Guerra Eterna. Para piorar as coisas, líderes religiosos e congregações cortejaram Hillary Clinton, Barack Obama e outros políticos e se distanciaram de Wright, Wallis e Lee.

De alguma forma, os líderes religiosos perderam a capacidade moral, espiritual e ética de compreender que em tempos de turbulência social - como durante uma guerra – temos a obrigação não apenas de atuarmos como pastores e sacerdotes, mas também de cumprir os deveres de profetas.

Outras realidades são mais sérias, se não mais assustadoras.

Muitos líderes religiosos se encolhem - como covardes – diante da ideia de serem proféticos.

Mais do que ousamos admitir, líderes religiosos preferem popularidade pietista e abominam a perseverança profética.

Líderes religiosos demais — clérigos e leigos — estão mais comprometidos com o conforto do que conscienciosos sobre amor, justiça e paz.

Líderes religiosos demais equiparam o amor ao império ao amor a Deus.

Líderes religiosos demais amam o império mais do que amam a Deus.

O fracasso do discernimento profético e da ação em relação à guerra no Afeganistão foi mais do que decepcionante, foi desonroso.

É de se perguntar se os fiéis nos EUA vão aprender com esses fracassos. Caso contrário, o trágico resultado da guerra no Afeganistão não apenas decepcionará e assombrará a nação, irá condená-la.

Wendell Griffen é juiz em Arkansas e pastor da New Millennium Church em Little Rock.

*Publicado originalmente em Baptist News
. | Tradução de Carlos Alberto Pavam

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