domingo, 24 de abril de 2022

O descendente de Tiradentes.

 


O descendente de Tiradentes e a República da Fazenda da Pedra

Zeca da Pedra juntou todo o dinheiro que tinha e fugiu para São Paulo. Com medo de ficar com muito dinheiro na mão, comprou alguns terrenos onde, anos depois, foi instalado o Aeroporto de Congonhas.

Fenômeno pouco estudado é o êxodo de republicanos mineiros para o Sul de Minas. De Teófilo Ottoni, foram os Ottoni no início do século 20, fornecendo dois prefeitos para a cidade. Por lá passaram também os bisneto de José Bonifácio de Andrada e Silva, o chamado Patriarca da Independência. O professor Antônio Cândido mencionou-me algumas vezes que eles eram muito amigos de meu pai, mas não consegui identificá-los.

Mas o caso mais célebre são os descendentes de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Alguns foram para Machado, outros para Botelhos. E lá em Machado, houve a extraordinária – e pouco conhecida – instituição da República da Pedra.

O coronel José Custódio Dias de Araújo, Zeca da Pedra, dono da Fazenda da Pedra, era o maior chefe político de Campestre, no sul de Minas. A Pedra em questão era uma portentosa pedra, no meio de suas propriedades, de onde se avistava muitas cidades vizinhas. Quando Tiradentes foi feito em picadinho, sua família saiu da região de Ouro Preto e foi se abrigar justamente na Fazenda da Pedra.

Nasceu lá em 1858 e morreu no Rio em 1943. Foi vereador em Campestre e concessionário da linha telefônica Poços-Campestre e da Empresa de Luz Elétrica de Campestre. Pertencia à mesma linhagem do capitão-mor de Machado, Custódio José Dias, participante da Segunda Junta Governativa de Minas, em 1822, e do padre José Custódio Dias, senador do Império, que participou da abdicação de Pedro I.

Era o chefe absoluto de Campestre até se meter com Arthur Bernardes, o todo-poderoso presidente do Partido Republicano Mineiro. Quando Bernardes assumiu, dentro do processo de renovação do PRM, sugeriu ao coronel Zeca que abrisse mão da candidatura à Câmara estadual em favor do próprio filho. O coronel não aceitou:

– Proponho que meu filho fique na bitola estreita, candidatando-se à Câmara estadual, enquanto eu vou para a bitola larga, a Câmara federal.

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Bernardes não topou e romperam politicamente. A partir de então o coronel sofreu perseguição política implacável, que culminou com a mudança das divisas municipais. O coronel acordou uma manhã e, em lugar de Campestre, sua fazenda havia sido transferida para Machado. Mudaram a pedra de município.

Anos depois, faleceu o presidente mineiro Raul Soares, sendo substituído por Mello Vianna. Em Belo Horizonte chegou a notícia que Zeca da Pedra havia comemorado a morte servindo “cerveja para os miúdos, champanhe para os graúdos”, e declarado a independência da República da Fazenda da Pedra. Conseguiu a adesão do padre local, proibiu a entrada na cidade do coletor de impostos, que nem seu antepassado, e ficou esperando, com batedores encarapitados na pedra para observar a movimentação das tropas adversárias.

Você veja que não foi Itamar quem inaugurou essa mania em Minas de colocar PM para cercar represa. Foi o coronel Zeca da Pedra, e para cercar a pedra. Imediatamente o PRM mandou tropa de 50 soldados incumbidos de prender o Zeca e recuperar a pedra.

A tropa chegou em Poços de Caldas e foi solicitar condução ao delegado local. Este, de férias, havia sido substituído pelo interino, José Luiz de Araújo Dias, dono da companhia elétrica local, e mais conhecido por Luiz da Pedra, filho do Zeca da mesma.

Nos anos de 1927 e 1928, o engenheiro Dias construiu uma estrada para automóveis de Poços a Machado, passando por Campestre, financiada por seu pai, o coronel José Custódio Dias de Araújo, proprietário da Fazenda da Pedra.

Enquanto providenciava a condução, Luiz da Pedra enviou mensageiros para alertar o pai. Zeca da Pedra juntou todo o dinheiro que tinha e fugiu para São Paulo. Dali, para a Ilha da Madeira. Em São Paulo, com medo de ficar com muito dinheiro na mão, acabou adquirindo alguns terrenos onde, anos depois, o governo paulista instalou o Aeroporto de Congonhas.

Os soldados da Força Pública rumaram para Campestre, mas não encontraram o Zeca. Ficaram alguns dias na cidade em perfeita ordem, até o justo momento em que um italiano local, dono de uma vinícola, teve a infeliz idéia de convidá-los a provar o vinho. Produziu-se um terremoto inédito na cidade. Os soldados pararam o relógio da Matriz a tiro, invadiram uma fazenda das imediações e praticaram tiro ao alvo em uma vaca do fazendeiro Bié Junqueira, mais conhecido por Bié Calado, por gostar muito de ouvir, e poucos terem ouvido algum dia sua voz.

Bié Calado estava na fazenda Recreio, de Poços de Caldas, quando comunicaram o fuzilamento de sua vaca.

Ele disse:

– Canalhas!

E voltou a se calar.

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