Campanha eleitoral: A impiedade como estratégia midiática, por João Feres Júnior
Artigo do Brasil Debate
Por João Feres Júnior*
A análise de extensas bases de dados textuais é o procedimento preferencial utilizado no Laboratório de Estudos de Mídia e Opinião Pública (LEMEP), o qual coordeno, para a análise da cobertura midiática, seja acerca de eleições ou de outros objetos de pesquisa, como as cotas raciais, o crack ou as manifestações de junho de 2013.
Contudo, outras possibilidades interpretativas são possíveis. No texto que segue, parto da análise da capa do dia 15 de agosto de 2014 do jornal O Globo e tento mostrar como ela resume de maneira muito sintética os principais temas e estratégias editoriais da cobertura política desse jornal e da grande mídia impressa brasileira nos últimos tempos.
O jornal O Globo de 15 de agosto estampou na manchete principal de capa: PT PRESSIONA PARA RACHAR O PSB DE EDUARDO CAMPOS.
Abaixo vemos dois subtítulos. O primeiro, em negrito: Lula e Dilma telefonaram para o presidente do partido, ligado a petistas. E o segundo, em fonte grande, mas normal: Marina Silva, porém, é a preferida de parte dos socialistas e de aliados que compõem a coligação…”.
A matéria toda ainda recebe um quarto subtítulo, que vem em cima da manchete em caixa alta: Tragédia na Campanha.
Até as pedras do calçamento percebem a intenção editorial de lançar sobre o PT, Lula e Dilma a pecha do desrespeito e da falta de consideração para com a morte muito recente de Eduardo Campos.
O curto texto que abaixo das manchetes reforça essa interpretação, pois começa assim: “Após a trágica morte do candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, o PT começou a atuar ontem para que o PSB rache em alguns estados e passe a apoiar a candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff”.
A notícia principal da capa segue informando que o PSB declarou que só vai escolher novo candidato após o enterro de Campos e que alas do partido e aliados apoiam o nome de Marina Silva para a vaga.
A manchete principal conduz para matéria na página 3, que tem um título ainda maior do que o da manchete. Novamente, o partido é alvo: “PT tenta dividir PSB”. No subtítulo lê-se: “mesmo sem consenso, socialistas, com apoio de siglas da coligação, devem escolher Marina”.
Vamos deixar de lado questões de estilo, como o uso excessivo de vírgulas em títulos, e centramos no conteúdo do que é dito, pois ele é prenhe de dicas sobre o sentido pretendido da mensagem.
O primeiro parágrafo começa assim: “O PT já começou a operar na tentativa de fazer com que o PSB abra palanques nos estados para a presidente Dilma Rousseff, segundo lideranças socialistas”.
O parágrafo seguinte afirma: “Interlocutores do PT já começaram a assediar líderes do PSB em estados onde há uma boa relação entre as duas siglas, Bahia e Sergipe”.
O texto não adiciona qualquer informação nova ao que já foi dito na capa, que já era bem pouco. Na verdade o que faz é repetir insistentemente a acusação de impiedade dirigida ao PT cinco vezes: duas na capa e três na página 3.
A presença do advérbio “já” no começo dos dois parágrafos é mais um elemento a denotar que o PT fez isso fora de hora; que o partido desrespeita o luto pela morte de Eduardo. Em seguida, a autora Julianna Granjeia informa que “na pauta [do partido], oficialmente, constam somente condolências pela morte de Campos”.
Agora o texto sugere que os petistas são dissimulados, agem às escuras, fazem jogo sujo e imoral, novamente insinuando a tese do desrespeito ao morto. Por fim, a seção da notícia sobre o PT fecha em Lula, com a seguinte formulação: “Ao mesmo tempo que evita dar um tom eleitoreiro, Lula disse que não há como negar que a morte de Campos provoca uma mudança no cenário”.
A estratégia clara é de mostrar Lula como um mestre da dissimulação, pois, como informou a manchete, telefonou pessoalmente para fazer pressão política, mas, assim como seu partido, evita expor em público suas maquinações “eleitoreiras”.
Esse viés anti-PT se revela claro na intenção dos editores do jornal de alvejar o partido, Lula e Dilma em um momento em que eles não são o foco das notícias. Contudo, ele não é pontual, mas sim representativo da cobertura que toda a grande mídia impressa dá aos partidos, como mostra o gráfico acima, retirado da pesquisa do Manchetômetro.
No agregado dos três jornais até o dia de hoje, o PT tem quatro vezes mais notícias negativas do que seu principal concorrente, o PSDB: são 198 notícias contra 50.
A cobertura do Jornal Nacional no ano de 2014 não é diferente:
Como no gráfico contamos também com o dado do total de tempo das notícias neutras, a comparação fica melhor se fizermos entre as razões de contrárias e neutras de cada partido.
O PT obtém um razão de 12.305 segundos de cobertura negativa contra 3.671 de neutra, e 55 segundos de positiva. Sua razão contrárias/neutras é de 3,5:1. Já o PSDB tem 4,758 segundos de negativa contra 4,570 de neutra, ou seja, uma razão de praticamente 1:1.
A comparação é fácil, no Jornal Nacional a cobertura do PT é 3,5 vezes mais negativa do que a do PSDB, número bem próximo ao viés anti-PT dos jornais.
A morte de Eduardo Campos de fato chacoalha sobre a sucessão presidencial. As pesquisas de intenção de voto estiveram extremamente estáticas por todo o ano de 2014, com Dilma, Aécio e Campos guardando uma razão de 4:2:1 (38%:20%:8%).
Com Marina ou sem Marina na cabeça da chapa do PSB, esse quadro deve se alterar. Isso é natural do jogo político-eleitoral. Mas e a grande mídia, jornais impressos e Jornal Nacional, qual será sua atitude perante a mudança de rumos do pleito?
Os novos acontecimentos causaram uma divisão interna entre aqueles que temem que Marina aniquile as pretensões do PSDB e aqueles que festejam Marina como a garantia que faltava para a existência de um segundo turno.
Há uma grande tensão entre essas posições na cobertura atual da mídia. Se Marina for escolhida candidata pelo PSB e começar a crescer nas pesquisas, a briga entre os candidatos da oposição pelo voto antipetista deve recrudescer e essa briga vai certamente rebater na cobertura midiática.
O Globo foi o único jornal a dar o “furo” da impiedade petista. Folha e Estadão sequer publicaram nota sobre o assunto em suas capas e cobriram os contatos entre PT e PSB como parte do noticiário das movimentações política pós-tragédia.
A despeito da ousadia do jornal carioca, o viés antipetista é pronunciado nos outros dois jornais e no Jornal Nacional, como vimos acima. Vai ser interessante ver como as novas tensões causadas pela morte repentina de Campos conviverão daqui para frente no noticiário da grande mídia impressa e televisiva, ainda que esse seja de fato um espetáculo deprimente.
*João Feres Júnior é cientista político, vice-diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA)
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