Duas colheres de chá para o governo
Autor: José Augusto Ribeiro
No pior momento de seus quase cinco
anos – quatro do primeiro mandato, perto de um do segundo – a Presidente
Dilma recebeu duas colheres de chá muito confortadoras e a torcida
universal é para que saiba aproveitá-las. A primeira, inesperada, foi a
decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o andamento do processo de
impeachment. A segunda, não de todo inesperada, resultou do pedido de
demissão do ex-Ministro da Fazenda Joaquim Levy.
A decisão do Supremo abre uma fresta
para que o impechment seja liquidado e arquivado em votação preliminar
do Senado, mesmo que dois terços da Câmara tenham considerado
procedentes as acusações e autorizado a abertura do processo. Essa
votação preliminar pode ser decidida por maioria simples, enquanto a
eventual condenação dependeria, como a decisão da Câmara, de dois terços
do total de senadores. Formalmente, portanto, a Presidente pode ter
quase certeza de que não será nem destituída, nem afastada
preventivamente do cargo.
A demissão voluntária do Ministro
Joaquim Levy permite à Presidente aceitar o conselho que recebeu outro
dia do ex-Ministro Ciro Gomes, e que, insisto, já deveria ter recebido
há muito tempo, ou de algum auxiliar ou aliado, ou dela própria: dar
algum alento, alguma esperança “ao povo”, no momento em que lhe impõe
todos os sacrifícios e privações da recessão, em nome de um ajuste
fiscal que o próprio avanço da recessão torna cada vez mais inviável.
Já nas primeiras horas depois de sua
escolha para o lugar de Levy, o novo Ministro da Fazenda, Nelson
Barbosa, procurou dar um mínimo de alento ao imenso país que existe fora
do mercado financeiro, dizendo que o ajuste fiscal deve correr paralelo
a um esforço sério para a retomada do desenvolvimento, ou seja, para
sairmos da recessão. Imediatamente a mídia afinada com o mercado
financeiro caiu de pau, impiedosamente, no novo Ministro, como se pensar
em alternativas ao pensamento mãos de tesoura do ex-Ministro sofra,
como de outras coisas dizia o humor carioca, da fatalidade de ser
ilegal, imoral ou engordar.
Esse pensamento único, segundo o qual
só o que é bom para o mercado é bom para o Brasil, é tão reducionista
que não concebe outras alternativas senão as já tentadas e fracassadas.
Não dá para saber o que está nas cogitações do Ministro Nelson Barbosa,
mas deve haver outras alternativas.
Dias antes da demissão de Joaquim Levy,
o ex-Ministro Delfim Netto, que comandou a economia do país em três dos
cinco governos do regime militar (Costa e Silva, Médici e Figueiredo) e
teve o papel de estrela do milagre brasileiro da época, foi
entrevistado no programa do jornalista Luís Nassif, na Tv-Brasil, e
disse coisas que hoje parecerão supreendentes, mas indicam um leque
muito sugestivo de alternativas.
Primeira: o domínio do setor financeiro
sobre o conjunto da economia torna insustentável o modelo democrático,
que exige equilíbrio entre o que Delfim definiu como a urna e o mercado,
ou seja, entre as demandas da sociedade e os interesses do poder
econômico. O setor financeiro, acrescentou Delfim, está “comprando”
todos os Congressos, até o dos Estados Unidos. E foi por isso que o
governo Reagan desmontou os controles sobre o poder econômico que tinham
sido criados pelo Presidente Franklin Roosevelt.
Segunda: não há razão que possa
justificar o fato de o Brasil não tributar os dividendos pagos por
sociedades anônimas. Delfim disse apenas isso, mas deixou no ar uma
questão muito maior: nosso sistema tributário é recessivo, cobra mais de
quem tem menos e em certos casos não cobra nada de quem tem mais.
No ajuste fiscal do ex-Ministro Levy,
os sacrifícios recaíam sempre sobre quem tem menos ou não tem nada.Quem
sabe uma das alternativas do Ministro Nelson Barbosa seja distribuir um
pouco melhor esses sacrifícios.
Fonte: AEPET.
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