Rico é 'sonegador'; pobre é 'caloteiro'
Por Leonardo Sakamoto, em
seu blog:
Uma milícia branca armada até os dentes que toma um prédio público no
Oregon e promete resistir contra a opressão do governo federal é composta de
“ativistas armados''. Grupos por direitos civis que fecham vias públicas para
protestar contra a violência policial contra negros por lá adotam práticas
“terroristas''. A discussão sobre esse caso tomou a mídia dos Estados Unidos e
Europa e há bons textos mostrando como um “dois pesos, duas medidas'' tem sido
adotado para aborda-lo. Conhecemos bem essa prática:
Ricos que cometem um crime são “jovens''. Pobres que cometem crimes são “menores infratores''.
“Manifestantes'' são aqueles que fecham avenidas para lutar por algo com o qual concordamos. “Baderneiros'' são aqueles que fazem o mesmo por algo sobre o que discordamos.
Empresas que grilam terras públicas são “ocupantes irregulares''. Grupos de sem-terra que permanecem em fazendas griladas e pedem sua destinação à reforma agrária são “invasores''.
Da mesma forma, proprietários de imóveis mantidos vazios para a especulação imobiliária que devem o seu preço em IPTU atrasado são “devedores do poder público'', enquanto os sem-teto que ocupam esses imóveis pedindo sua destinação à moradia popular são “invasores''.
Árabe que se mata com bombas pelo corpo é um “fanático'' que prova a irracionalidade das culturas não-ocidentais. Um ocidental que sai matando todo mundo em protesto contra política de diversidade social é um “louco''.
Rico que deixa de pagar milhões em impostos não é “ladrão''. Ele está apenas exercendo seu protesto contra a pesada carga tributária. “Ladrão'' é pobre que rouba xampu. De um lado, “sonegador'', do outro, o “caloteiro'', o “vagabundo'', o “aproveitador'' que não pagou a mensalidade do carnê da geladeira.
A discussão de qualquer política para regulação de rádio e TV, que são concessões públicas, é “censura e ataque à democracia''. Mas quando o novo presidente da Argentina desmonta a agência pública que trata do assunto por decreto, sem passar a discussão pelo Congresso, escutamos um estrondoso silêncio.
A escolha de uma palavra para nomear um fato ou qualificar um fenômeno, parece aleatória, é consequência de uma série de processos na nossa cabeça que evocam experiências vividas, traumas, aprendizados, doutrinações, medos, bloqueios.
Da mesma forma, aquilo que não dizemos, o interditado, fala tanto sobre nós quanto os termos que escolhemos para explicar o mundo. Porque algo não dito tem tanto significado quanto aquilo que é dito pela razões acima.
É possível e desejável ficar atento e frear uma palavra que vem não sei de onde antes que seja dita ou escrita e refletir sobre ela, tentando entender o porquê de você a estar usando e se não haveria um termo melhor, que não fizesse outra pessoa sofrer ou que fosse mais justo com a realidade. Dessa forma, evitamos perpetuar discursos de opressão – que não foram produzidos por nós, mas que nos aprendemos muito bem, transmitidos pela escola, a família, a igreja, a mídia, o trabalho, e para os quais somos instrumentos muito competentes de difusão.
Isso resolve o caso de quem usa essas palavras sem pensar. O problema é que muita gente faz essas opções conscientemente.
Ricos que cometem um crime são “jovens''. Pobres que cometem crimes são “menores infratores''.
“Manifestantes'' são aqueles que fecham avenidas para lutar por algo com o qual concordamos. “Baderneiros'' são aqueles que fazem o mesmo por algo sobre o que discordamos.
Empresas que grilam terras públicas são “ocupantes irregulares''. Grupos de sem-terra que permanecem em fazendas griladas e pedem sua destinação à reforma agrária são “invasores''.
Da mesma forma, proprietários de imóveis mantidos vazios para a especulação imobiliária que devem o seu preço em IPTU atrasado são “devedores do poder público'', enquanto os sem-teto que ocupam esses imóveis pedindo sua destinação à moradia popular são “invasores''.
Árabe que se mata com bombas pelo corpo é um “fanático'' que prova a irracionalidade das culturas não-ocidentais. Um ocidental que sai matando todo mundo em protesto contra política de diversidade social é um “louco''.
Rico que deixa de pagar milhões em impostos não é “ladrão''. Ele está apenas exercendo seu protesto contra a pesada carga tributária. “Ladrão'' é pobre que rouba xampu. De um lado, “sonegador'', do outro, o “caloteiro'', o “vagabundo'', o “aproveitador'' que não pagou a mensalidade do carnê da geladeira.
A discussão de qualquer política para regulação de rádio e TV, que são concessões públicas, é “censura e ataque à democracia''. Mas quando o novo presidente da Argentina desmonta a agência pública que trata do assunto por decreto, sem passar a discussão pelo Congresso, escutamos um estrondoso silêncio.
A escolha de uma palavra para nomear um fato ou qualificar um fenômeno, parece aleatória, é consequência de uma série de processos na nossa cabeça que evocam experiências vividas, traumas, aprendizados, doutrinações, medos, bloqueios.
Da mesma forma, aquilo que não dizemos, o interditado, fala tanto sobre nós quanto os termos que escolhemos para explicar o mundo. Porque algo não dito tem tanto significado quanto aquilo que é dito pela razões acima.
É possível e desejável ficar atento e frear uma palavra que vem não sei de onde antes que seja dita ou escrita e refletir sobre ela, tentando entender o porquê de você a estar usando e se não haveria um termo melhor, que não fizesse outra pessoa sofrer ou que fosse mais justo com a realidade. Dessa forma, evitamos perpetuar discursos de opressão – que não foram produzidos por nós, mas que nos aprendemos muito bem, transmitidos pela escola, a família, a igreja, a mídia, o trabalho, e para os quais somos instrumentos muito competentes de difusão.
Isso resolve o caso de quem usa essas palavras sem pensar. O problema é que muita gente faz essas opções conscientemente.
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