Chico trouxe luz à escuridão
Nos
anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da Censura, proibiu por conta
própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a TV Globo
pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas imagens mais
bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas músicas. Vai
precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o censor.
Aplausos
de pé para Chico Buarque. Num artigo publicado pelo Globo Chico trouxe
luz, e a dose necessária de complexidade, para um assunto que está sendo
debatido de forma simplista, maniqueísta e tola. O trecho em itálico
com o qual se inicia este artigo é o fecho do texto de Chico.
Uma
pequena atração a mais nas palavras de Chico é a pancada dada na Globo e
publicada pelo Globo. Não é que a Globo tenha virado boazinha: são os
novos tempos na mídia, apenas.
Provavelmente
o roteiro completo é o seguinte. O Globo pediu a Chico um texto. Ele
mandou. Em outras épocas – por exemplo, na citada por ele, os anos 1970 –
o editor teria amassado o artigo e jogado no lixo. Ninguém ficaria
sabendo de nada.
Agora
é diferente. Se o Globo não publica, o texto vai parar em outro lugar,
provavelmente na internet. Acaba saindo, e o Globo passa por censor de
Chico mais uma vez. “Ah, não mudou nada essa empresa”, concluiriam –
acertadamente, aliás – muitos.
Chico
foi inteligente e o jornal nada pôde fazer além de publicar uma
explicação que não explicava nada no final de um artigo que não
contribui em nada para o prestígio da Globo ao relembrar um passado de
cumplicidade lucrativa e descarada com a ditadura.
Em
seu artigo, Chico traz uma revelação. Ele diz que o biógrafo de Roberto
Carlos não o entrevistou, embora o tenha colocado na lista das pessoas
que ouviu ao longo de quinze anos de trabalho. Tudo é nebuloso, como se
vê.
A
questão das biografias – voltemos ao tema – é menos fácil de tratar do
que muitos gostariam. Dizer que Chico, Caetano e Gil estão fazendo
censura é ignorar a desproteção absurda que você tem no Brasil em casos
de assassinato de caráter, uma possibilidade frequente em biografias não
autorizadas.
Buscar
a justiça é virtualmente inútil. Tudo é moroso, angustiosamente moroso,
e se você é indenizado a cifra costuma ser ridícula.
É
o mesmo caso da mídia, aliás. Tente se ressarcir de uma calúnia. Num
caso que mostra o quanto a justiça brasileira é ruim para proteger a
privacidade e a reputação das pessoas, diretores da Petrobras caluniados
só conseguiram incomodar Paulo Francis por processá-lo nos Estados
Unidos.
Francis
disse várias vezes que eles eram corruptos. Como falou no Manhattan
Connection, em solo americano portanto, os acusados puderam processá-lo
na justiça dos Estados Unidos. Francis teve que apresentar provas. O fim
da história é conhecido: Francis não tinha prova de nada e, colocado
diante de uma indenização milionária, entrou em desespero. Seu coração
não aguentou.
No
universo das biografias o cenário não é diferente. Chico lembra um caso
exemplar: a Companhia das Letras foi obrigada a pagar um dinheiro para
filhas de Garrincha. Injusto? A editora ganhou, o autor ganhou – e as
filhas?
No
caso de estrelas como Chico, Caetano, Gil e Roberto Carlos, o dinheiro é
secundário. Mas o problema – a desproteção na justiça – é o mesmo.
Tanto
para a mídia como para as biografias, indenizações severas acabam
forçando os autores a ter mais cuidado com o que publicam. É o que
acontece nos países mais avançados socialmente. Mas não é o que temos no
Brasil.
Todos
os países que administram bem os limites da mídia têm nas indenizações
rápidas e elevadas um dos pontos cruciais. No Brasil, quando o assunto
aparece, a tropa de choque da mídia sai gritando que se trata de
“censura”. Nas biografias, a lógica é a mesma.
O
que os artistas podem fazer para que a legislação brasileira favoreça
menos o assassinato de caráter? Pouco. Mas, em vez de esperar uma
justiça decente, eles podem se mexer para se proteger contra a
desproteção.
É o que estão fazendo. É o que eu faria. É o que muita gente que os acusa de censores faria.
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