O pré-sal é a arma
contra o ultimato da Direita
Em 2014 a simbologia da Petrobras ficou maior do que a de 1950.
A simbologia da Petrobrás ficou até
maior do que nos anos 50, quando foi criada por Getúlio. Hoje, ela
deixou de significar apenas petróleo nacional.
por: Saul Leblon
Imagine-se que o México, por
exemplo, do novo herói de Wall Street, Enrique Peña Nieto; ou a Espanha,
do imperturbável ‘austericida’, Mariano Rajoy; ou mesmo os EUA, do
flácido Barack Obama, reunisse, em uma única semana, essa que passou, as
seguintes conquistas no portfólio do seu governo:
1. O país fosse declarado pela FAO um território livre da fome, praticamente erradicada nos últimos 11 anos;
2. Tivesse a notícia de que a miséria extrema fora igualmente reduzida em 75%, no mesmo período;
3. Constatasse que após seis anos
de uma interminável crise mundial, a renda média mensal das famílias
continuasse a crescer, tendo se elevado em 3,4% acima da inflação em
2013 (dado da PNAD já corrigida);
4. E que o rendimento médio dos
trabalhadores assalariados, no mesmo período, registrou um aumento de
3,8% acima da inflação e acima do PIB, de 2,5%;
5. Ainda: que enquanto a renda dos
10% mais ricos cresceu 2,1%, a dos lares mais pobres, incluindo-se os
benefícios das políticas sociais, avançou 2,9%, o que contribuiu para um
pequeno, mas persistente recuo da desigualdade, em declínio desde 2004;
6. Mais: que o trabalho infantil em
2013 caíra 12,3%; a matrícula na pré-escola atingira 81% das crianças e
o trabalho com carteira assinada já englobaria 76% dos assalariados;
7. Não só; a consolidação dos
indicadores sociais dos últimos 11 anos, embora não tenha quebrado os
alicerces de uma das construções capitalistas mais desiguais do mundo,
mexeu em placas tectônicas. A renda média da sociedade aumentou 35%
acima da inflação entre 2004 a 2013. Mas a dos 10% mais pobres cresceu o
dobro disso (cerca de 73%); e entre os 50% mais pobres, avançou mais de
60%, com repercussões óbvias no padrão da produção e da demanda, no
conforto doméstico e nas expectativas em relação ao futuro;
8. A mesma semana generosa
incluiria ainda a informação de que as novas reservas de petróleo desse
país, responsável por 40% das descobertas mundiais nos últimos cinco
anos, já representam 24% da produção nacional; 9. E, por fim, que o
investimento em infraestrutura, depois de três décadas de declínio
sistemático –repita-se, três décadas de recuos sucessivos– registrou uma
inflexão e passou a crescer o equivalente a 2,4% do PIB, em média, de
2011 a 2013.
Qual seria a reação do glorioso
jornalismo de economia diante desse leque de vento bom, se a mão que o
abanasse fosse a dos titãs dos mercados?
Não seríamos poupados de manchetes faiscantes, a alardear a eficácia das boas práticas do ramo.
Mas as boas notícias tem como moldura o Brasil.
Presidido pela ‘intervencionista’
Dilma Rousseff, candidata petista à reeleição e detentora de teimosa
liderança nas pesquisas do 1º turno.
Isso muda tudo.
Muda a ponto de um acervo desse calibre ser martelado como evidência de retrocesso social no imaginário brasileiro.
Muda a ponto de Marina valer-se
dessa ocultação da realidade para decretar que Dilma entregará um país
‘pior do que o que recebeu’.
O padrão ‘Willian Bonner’, como se vê, faz escola.
A indigência do debate impede não
apenas que o Brasil se enxergue como o país menos desigual de toda a sua
história, mas, sobretudo, interdita a autoconfiança da sociedade nos
seus trunfos para avançar um novo passo nessa direção.
Não se subestime aqui a
persistência de gargalos significativos nessa trajetória. Juros
descabidos, por exemplo. E uma paridade cambial fora de lugar há duas
décadas. Com toda a guarnição de perdas e danos que esse desajuste de
dois preços essenciais pode acarretar.
Embora sejam apresentados como
prova do genuíno fracasso petista, a verdade é que desarranjos
macroeconômicos não constituem exceção na história econômica do país.
Será necessário recordar, à nova
cristã do tripé, que sob o comando de Armínio Fraga, virtual ministro
dela ou de Aécio , o BC elevou a taxa de juro a 45%, em março de 1999?
Que a dívida pública explodiu sob a gestão do festejado herói dos mercados?
E que a defasagem cambial sob FHC
exigiu uma maxidesvalorização de 30% em janeiro de 1999, escalpelando o
poder de compra das famílias assalariadas?
Ou que as perspectivas da inflação então oscilavam entre 20% e 50% ao ano; maiores que as da enxovalhada Argentina hoje?
O banco de dados do glorioso jornalismo de economia dispõe desses dados.
Que ali hibernam a salvo da memória nacional.
O fato é que se alguns
desequilíbrios se repetem –em escala muito menor, caso do juro de 11% e
da paridade cambial de R$ 2,25– os trunfos, ao contrário, caracterizam
uma auspiciosa singularidade.
E não avançam apenas da esfera social para o mercado, mas vice versa.
A economia brasileira dispõe agora
de reservas em moeda estrangeira da ordem de US$ 400 bi, com um fiador
estratégico de peso muito superior a esse.
Uma poupança de petróleo e gás, que
pode chegar a 100 bilhões de barris, avaliada em cerca de R$ 5
trilhões, revestida de domínio de tecnológico e escala para traduzir-se
em soberania, autossuficiência e receitas, pavimenta o futuro do
crescimento nacional.
Não só.
Em plena crise mundial, o país
alicerçou um dos mercados de massa mais cobiçados do planeta e um
mercado de trabalho que flerta com o pleno emprego.
A sociedade brasileira é uma das
poucas em todo o planeta a desfrutar de uma combinação vital ao futuro
humanidade: autossuficiência alimentar e fontes abundantes de energia
limpa.
Sua dívida pública é estável, proporcionalmente baixa em relação ao PIB (37%) e aos padrões mundiais.
A planta industrial embora
esgarçada, carente de competitividade, preserva escala e encadeamentos
que ainda distinguem o país em relação às demais nações em
desenvolvimento. Ainda que setores respirem por aparelhos, não está
morta.
As empresas estão líquidas, são
lucrativas, têm caixa suficiente –hoje alocado no rentismo– para
deflagrar um novo ciclo de expansão.
O país conta, ademais, com uma
invejável rede de bancos públicos e possui um dos maiores bancos de
desenvolvimento do mundo (o BNDES é maior que o Banco Mundial); o nível
de endividamento das famílias é proporcionalmente baixo em relação à
média internacional e o sistema de crédito é sólido.
Não é pouco, mesmo considerando-se
as novas condições de mobilidade de capitais que restringem o poder dos
governantes para ordenar o desenvolvimento.
Com muito menos que isso, Getúlio Vargas afrontou o cerco conservador nos anos 50.
Se dependesse das restrições da época, e do imediatismo das elites, ele não teria criado a Petrobrás, por exemplo.
Tampouco insistido na industrialização.
Assim como Juscelino não teria feito Brasília.
Ou Celso Furtado –desdenhado pela
assessoria ‘moderna’ de Marina– teimado em erradicar o apartheid
nacional, que tinha no Nordeste um quê de bantustão avant la lettre.
A determinação de viabilizar cada
uma dessas agendas extraiu do engajamento popular e dos fundos públicos a
viabilidade sonegada pelas elites, seus sócios estrangeiros e seu
aparato emissor.
A seta do tempo não se quebrou:
hoje a Petrobrás é a empresa que tem a maior carteira de investimento do
mundo; o Nordeste é a região que lidera o crescimento do poder de
compra popular; o Centro-Oeste é um dos polos agrícolas mais dinâmicos
do país.
Operadores de Marina e Aécio fazem gestos nervosos na lateral de campo da disputa eleitoral.
Apontam o relógio para dizer que o tempo do jogo da soberania com justiça social esgotou.
Exigem que o eleitor encerre a disputa e aceite a derrota definitiva desse capítulo na história nacional.
O jogral tem experiência no ramo dos vereditos incontrastáveis.
O desdém pelo Brasil mais justo que progressivamente emerge das PNADs é uma prova.
O diabo é a Petrobrás. E as arrancadas do pré-sal.
A dupla adiciona uma dissonância
não negligenciável ao discurso da insignificância brasileira na
coordenação do futuro do seu desenvolvimento.
Tem peso e medida para representar
um indutor de crescimento mais consistente e duradouro que o ciclo
recente de valorização das commodities, ao qual o discurso conservador
atribui toda a extensão dos avanços sociais registrados nos últimos
anos.
Nesse sentido, a simbologia da Petrobrás ficou até maior do que foi nos anos 50.
Hoje ela deixou de significar
apenas petróleo nacional. Para se tornar o espelho de uma dissidência
poderosa aos interditos dos mercados no século XXI.
Fortemente imbricada nas encomendas
cativas de toda a cadeia da extração, refino e usos sofisticados da
petroquímica, a regulação soberana do pré-sal facultou ao país um novo
berçário industrializante.
Não é o canto do cisne da luta pelo desenvolvimento, como querem alguns.
Pode ser o aggiornamento de um modelo.
A integração entre compras
direcionadas à indústria brasileira e o investimento em cadeias
produtivas relevantes, já funciona, de forma similar, e com sucesso, nas
aquisições de medicamentos para o SUS, com fomento da rede de
laboratórios nacionais pelo BNDES.
Se esse modelo entrar em voo de
cruzeiro, o discurso da insignificância brasileira na definição do passo
seguinte do seu crescimento entrará em coma.
O pré-sal é o ponteiro decisivo da corrida contra o ultimato conservador dos operadores de Marina e Aécio.
É coerente que tenha merecido
apenas uma única e mísera linha no pr0grama de 242 páginas de Marina
Silva ; assim: “Destinar ao orçamento da educação os royalties do
petróleo em áreas do pré-sal já concedidas”. Ponto.
É mais que isso o que está em jogo.
No ciclo do próximo governo –e por
isso é crucial ele seja progressista– o pré-sal, mantida a regulação
soberana do regime de partilha, avançará exponencialmente para responder
por 50% da produção brasileira em 2018.
O país estará, então, no limiar de
dispor de 4,2 milhões de barris/dia, o dobro da oferta atual, com
excedentes exportáveis robustos e crescentes.
Não são apenas negócios.
Cerca de 75% dos royalties do pré-sal vão para a educação; 25% para a saúde.
Mais de 300 mil jovens brasileiros
serão treinados diretamente nos próximos anos pelo Promimp, o Programa
de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural.
Um parque tecnológico de ponta em
pesquisa de energia, com adesão de inúmeras multinacionais, está
nascendo no Fundão, junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro,
colado à agenda do pré-sal.
A indústria naval brasileira que havia desaparecido nos anos 90 agora é a quarta maior do mundo e emprega 100 mil pessoas.
As receitas do refino –filé da
indústria do petróleo—ficarão em boa parte no país, graças a um esforço
hercúleo da Petrobrás de investir em uma rede de refinarias, heresia
sepultada pelo PSDB e a turma da Petrobrax nos anos 90.
Desqualificar a estatal criada por
Getúlio –‘o PT colocou um diretor lá por 12 anos par assaltar os cofres
da empresa’, diz a doce Marina– significa para o conservadorismo uma
vacina de vida ou morte contra um perigo maior.
Aquele que pode levar o
discernimento nacional a enxergar no épico contrapelo do pré-sal, sob o
guarda-chuva de uma estatal poderosa, a inspiração para um modelo capaz
de destravar o arranque de um novo ciclo de expansão em outras áreas.
Não se trata de uma gincana acadêmica.
Trata-se de ter ou não a soberania sobre o crescimento e a produtividade indispensáveis aos bons indicadores de futuras PNADs.
Que reúnam avanços iguais, ou
maiores, que esses que o glorioso jornalismo de economia se esmerou em
desqualificar na semana passada. Mas para os quais não oferece nenhuma
alternativa, exceto o coro mórbido da insignificância nacional na
construção do futuro.
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