A mentira como arma contra o povo
Autor: Flávio Lyra
Não
constitui segredo que a classe dominante recorre à mentira, através dos
meios de comunicação e de seus representantes no meio científico e
profissional, para desinformar e desorientar a população em relação a
seus próprios interesses. Na Alemanha Nazista, o Ministro da Propaganda
do governo de Hitler Joseph Goebbells notabilizou-se pela forma
sistemática e científica com que se utilizou a propaganda mentirosa para
promover o Nazismo e criar um clima de verdadeira fobia frente aos
judeus e ciganos, aos quais pretendiam aniquilar.
Nos
anos mais recentes temos vivido um clima semelhante no uso da propaganda
mentirosa para demonizar o governo eleito em 2014 e o principal partido
que lhe dá sustentação, através da grande mídia, sob o patrocínio de
grupos empresariais e com a participação de lideranças políticas de
oposição.
Dos
onze princípios que compunham a cartilha de Goebbells, selecionei três
para ilustrar a natureza da campanha que tem sido realizada no país:
escolher um inimigo e concentrar-se nele até destruí-lo; atribuir todos
os males sociais ao inimigo escolhido; e ocultar toda a informação que
seja conveniente ao inimigo.
Não
parece restar qualquer dúvida de que esses princípios têm sido aplicados
rigorosamente a nossa realidade presente, em torno de duas questões
principais: as investigações dos atos de corrupção na operação Lava
Jato; e a caracterização e atribuição de responsabilidade ao governo e
ao PT pela crise econômica que afeta o país.
Não
fosse a existência das redes sociais que possibilitam a circulação de
informações que fogem ao controle da grande mídia, estaríamos
inteiramente mergulhados num ambiente que nada ficaria a dever aos
tempos do nazismo.
As
investigações da operação “Lava-Jato”, não obstante a extensão
comprovada das fraudes realizadas por empresas privadas, partidos
políticos e políticos, apenas trouxe à tona um traço característico e
secular de funcionamento de nosso capitalismo e colocou luz sobre os
mecanismos mediante os quais as empresas privadas e públicas usam a
fraude para aumentar os lucros e para financiar as custosas campanhas
eleitorais que lhes permitem cooptar os políticos em defesa de
interesses corporativos.
O povo é
apenas uma vítima da corrupção generalizada que perpassa o
funcionamento dos mercados. Os grandes beneficiários das fraudes são os
grandes empresários e os políticos que em conluio com eles buscam o
enriquecimento ilícito em prejuízo das políticas sociais do governo e do
desenvolvimento do país.
Muito
embora a maior parte dos partidos políticos e empresários envolvidos
nada tenham a ver com o PT e o governo, a propaganda mentirosa concentra
seu poder de fogo nestes, deixando de levar em conta que muitos
escândalos de natureza semelhante foram deixados sem qualquer
investigação no passado, quando a atual oposição era governo.
Quanto à
crise econômica que nos assalta, a ênfase da propaganda mentirosa visa
transmitir à população a falsa ideia de que as causas dela residem na
“irresponsabilidade” do governo, que teria aumentado o grau de
intervenção na atividade econômica e exagerado nos gastos com políticas
sociais. Estas ações teriam, supostamente, por um lado afetado
negativamente as expectativas dos empresários para manterem os
investimentos produtivos e, por outro, gerados déficits fiscais.
Na
verdade, as raízes da crise que atualmente nos afeta vêm de longa data e
estão ligadas a dois fatores intimamente associados. Por um lado,
situa-se o processo de desindustrialização precoce que está destruindo a
indústria do país, produzido pelas reformas neoliberais do passado que,
em algum momento, teriam de produzir a estagnação econômica que
recentemente passou a nos afetar.
Por
outro lado, originam-se na armadilha fiscal criada pelas mesmas
reformas, que têm obrigado o país a dispender vultosos recursos com o
pagamento de juros da dívida pública. Para gerar superávits fiscais
destinados a cobrir os serviços dessa dívida vultosa, cuja finalidade
principal é enriquecer os bancos e os rentistas, o governo não tem
podido realizar os investimentos na infraestrutura econômica que
contribuiriam para aumentar produtividade da economia e seu poder de
competição nos mercados nacional e internacional.
Essa
crise, não apareceu há mais tempo no Brasil por conta do “boom” das
matérias primas no mercado internacional, produzido pela expansão do
mercado chinês, do qual nossas exportações muito se beneficiaram. Desde
1987, porém os países centrais estão em profunda crise e rondam a
estagnação. O aprofundamento das reformas neoliberais em todo o mundo
está colocando em séria ameaça o bem-estar de suas populações, fazendo
recuar o estado do bem-estar social nas economias centrais e reduzindo a
renda real da classe média desses países.
A
mentira que pretendem nos impingir é que a saída de nossas dificuldades
deve ser buscada no aprofundamento das reformas neoliberais, cuja
essência é a entrega dos destinos de nosso povo às decisões do
“sacrossanto” mercado, que nada mais é do que um disfarce para a ação
dos grandes monopólios internacionais e seus desdobramentos locais, em
sua busca insana de lucro.
Basta a
frustrada experiência do ano que agora termina, quando o governo se viu
forçado a entregar o comando da economia a um representante do sistema
financeiro e a realizar importantes reduções do gasto fiscal, num
momento de retração da atividade econômica, produzindo uma recessão que
vai custar ao país 3,7% do PIB e milhões de postos de trabalho.
A
recente ida do povo às ruas foi fundamental para que o governo recupere o
protagonismo na definição da política econômica. Os obstáculos pela
frente são enormes, mas a hora é de intensificar a luta para que não
voltem ao poder àqueles que em nome de seus interesses corporativos não
poupam esforços para enganar o povo e submetê-lo aos grilhões da
exploração mais insana.
As
bandeiras de luta que devem nos mover estão intimamente associadas à
reindustrialização do país e ao controle governamental dos fluxos do
capital financeiro internacional e nacional para nos livrar da
exploração a que nos submetem, mediante a cobrança de taxas de juros
extorsivas que bloqueiam o desenvolvimento. Para tanto, é fundamental
defender a soberania nacional, sob o comando do povo, o aprofundamento
das conquistas sociais e o avanço da democracia.
Uma
imprensa realmente livre, diferentemente dos monopólios midiáticos
atualmente existentes, controlados por umas poucas famílias, precisa ser
conquistada, como condição para que o povo tome consciência de sua
realidade e se mobilize na defesa da construção de uma economia que
coloque em primeiro plano o uso do grande potencial do país em favor de
sua população.
(*) Economista da Escola da UNICAMP. Ex-técnico do IPEA.
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