quarta-feira, 24 de abril de 2024

A Guerra na Ucrânia e a extrema-direita.

 

A Guerra na Ucrânia e a extrema-direita

PORLUÍS FAZENDA

23 de abril 2024 - 10:18
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A luta pela paz na Ucrânia, bem como na Palestina ou noutras regiões do Médio Oriente, é um auxiliar de grande alcance para combater e travar a extrema-direita. É a procura de neutralizar um dos geradores da corrente neofascista.

Saudações democráticas aos presentes! 

Nas últimas décadas assistimos ao crescimento das forças de extrema-direita. Começaram por se mobilizar com a bandeira da anti-imigração, primeiro, e depois levantaram um projeto nacionalista reaccionário. Este projeto é já apontado à tomada do poder e não mais simples agitação política. Isto sucede, sobretudo, a partir da crise do capitalismo global de 2007/8 e das grandes contestações aos programas económicos austeritários. Essa anti-globalização, invocada pela extrema direita, não é apenas antissocialista, ela é antiliberal, e pretende absorver os governos liberais. 

Este movimento neofascista segue as pisadas já entrevistas por Gramsci em 1921. Segundo ele aferia, o assalto ao poder provinha mais da fileira parlamentar de Mussolini e menos das milícias violentas. Todos conhecemos bem esta evolução. Desde os anos 70. Os pequenos partidos neonazis que praticavam a violência de rua deram lugar a partidos fascistas de massa e apetrecho eleitoral. A estratégia é de ocupação do estado e esvaziamento da democracia por dentro. E como hoje há uma superestrutura europeia, replica-se nesta, que o diga Meloni, a mesma estratégia. Apesar de nacionalistas, os ultras são internacionalistas para fazer avançar estados autoritários que protejam oligarquias económicas e reduzam algumas políticas sociais a assistencialismo. E todos são militaristas, entendendo isso como uma expressão exaltante do nacionalismo reacionário. 

A abordagem atual da militarização está refém da guerra na Ucrânia. Perguntaram-me se podia ler as implicações desta guerra no crescimento da extrema-direita. E é disso que se trata. 

A invasão criminosa e injustificável da Rússia até às portas de Kiev, entrincheirando-se depois no sueste do país, estabelecendo uma coroa de dominação do Donbass à Crimeia, criou toda uma série de consequências políticas. Ou não fosse "a guerra a continuação da política por outros meios". 

Primeiro: a generalidade dos partidos de extrema-direita europeus são aliados de Putin, aliados objetivos na tentativa de destruição de uma "civilização decadente", como diz Putin no seu combate universal à "ideologia de género". Em Portugal, o partido da extrema-direita, por oportunismo, diz apoiar a Ucrânia e na semana passada até o primeiro-ministro conservador lhe lembrou as amizades com todos os partidos pró-Putin. Todos estes partidos têm contado com a generosidade da Rússia. Como se sabe, todas as sanções económicas dirigidas à Rússia pela União Europeia pioram as condições de vida de alemães e franceses, e outros europeus. Este absurdo tem tradução automática no aumento dos votos dos neofascistas. Todos estes partidos de extrema-direita serão os "vencedores morais" do conflito se a Ucrânia for abandonada à sua sorte. O suplício da Ucrânia seria a coroa de louros de Orban e as orelhas de burro de Macron. 

Segundo, o militarismo à solta na Ucrânia alimenta Putin e o seu regime de extrema-direita. Impulsiona o nacionalismo e a capacidade da elite do poder. Não surpreende que Putin tenha o apoio de larga parte do povo russo. Eu lembro que no fascismo português, em plena guerra nas colónias, nós percebíamos como Salazar tinha ainda largo apoio no povo. Essa é a dificuldade e o ingrediente do nacionalismo reacionário. 

Terceiro, o militarismo contamina os governos liberais e social-liberais a ocidente. Sob o pretexto de responder à guerra e a uma hipotética ameaça russa, os governos correm ao armamento. A burguesia dos países centrais ainda não cedeu à extrema-direita, ou pelo menos grande parte dela, e aposta na NATO para o conflito interimperialista com a Rússia. Essa espiral entre o pretexto da defesa e a corrida aos armamentos leva a um bazar de despesas militares. A militarização crescente só pode conduzir ao crescente reacionarismo político sob a alegação da defesa da pátria. 

Quarto, os liberais e a extrema-direita invocavam o terrorismo para limitar liberdades públicas e agora arranjaram um alvo muito melhor para os seus propósitos. Aí têm na invasão da Ucrânia uma ameaça física e existencial que fornece todas as justificações para qualquer bonapartismo. 

Quinto, o estado de invasão coloca a Ucrânia num parênteses de qualquer processo democrático, já antes era um arremedo e longe de critérios de qualquer estado de direito. 

Donald Tusk anuncia a pré guerra. É o desespero dos liberais, macronistas na sua última encarnação europeia. Não o podemos aceitar. Os líderes europeus não podem traçar uma espiral trágica. Precisamos de opor ao círculo do terror, o círculo da negociação. A NATO imperialista tem de ceder o estatuto de neutralidade à Ucrânia, a Ucrânia tem de recuar na reivindicação da Crimeia para o qual não tem razão histórica que o confirme, a Rússia tem de aceitar uma jurisdição internacional sobre os territórios do Donbass para determinar o seu sentido de autodeterminação. Estas parecem ser, entre outras, bases para tentar um cessar fogo e para conversações de paz. Se a União Europeia ganhar alguma autonomia face ao imperialismo americano esta podia ser a tarefa de Macron, Scholz e Tusk: a pré-paz. Claro que Orban não apoia e as extremas-direitas tendem a encarar uma negociação como um freio à militarização europeia. Ao contrário do que costuma ser o embuste propalado de que a Europa é uma anã militar, ela gasta atualmente em armamento tanto como a China e muito mais do que a Rússia. Não precisamos de uma escalada da militarização da NATO ao invés de redução dos arsenais de armas das potências. 

A luta pela paz na Ucrânia, bem como na Palestina ou noutras regiões do Médio Oriente, é um auxiliar de grande alcance para combater e travar a extrema-direita. É a procura de neutralizar um dos geradores da corrente neofascista. Nestes tempos difíceis, não buscamos a unanimidade mas a unidade na ação.A unidade só fortalece uma causa progressista e internacional. 


Intervenção na Conferência No Pasaran.

Sobre o/a autor(a)

LUÍS FAZENDA

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