por Michelle Amaral da Silva
Debate sobre perspectivas de mudança na política americana, mostra um olhar crítico sobre Obama, a cobertura da mídia e o desenvolvimento da democracia
André Ricardo N. Martins
de Brasília (DF)
Foi coincidência, mas exatamente na noite da principal data histórica dos Estados Unidos, o 4 de julho, a TV Cidade Livre – emissora comunitária que funciona nas dependências do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Brasília (SJPDF) – veiculou, ao vivo, um debate sobre as perspectivas de mudança na política americana e mundial, dada a possibilidade real de a principal potência militar e econômica do mundo ter à frente do governo a partir de 2009 um representante de uma minoria social e política, os afro americanos.
A iniciativa da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial – Cojira-DF, com apoio do SJPDF, reuniu para debater o tema o jornalista e professor voluntário da Universidade de Brasília, UnB, Andrei Suarez, o jornalista Beto Almeida, chefe da Sucursal da TV TeleSur e o professor de Ciência Política da UnB, David Fleischer.
Virtual candidato democrata à Presidência dos EUA, o senador negro Barack Hussein Obama, representante do Estado do Illinois, ainda causa admiração e alimenta expectativas- não só lá como na maioria dos países do mundo, o Brasil entre eles- de que venha de forma especial a promover mudanças efetivas no cenário político e social da nação americana após oito anos de governo Bush, marcado por uma conveniente e onipresente luta contra o terrorismo, eufemismo para a política de fazer valer seus interesses em nações que até então recusavam ceder às exigências americanas como o Afeganistão e o Iraque.
O professor da UnB, Andrei Suarez, apontou para a força do movimento que levou à vitória de Obama nas prévias democratas como o contraponto à maré conservadora dos anos 80/90 e do começo do terceiro milênio com os governos de Reagan, Bush pai e Bush filho. Uma vertente de pensamento político que tem na direita militar e em setores evangélicos conservadores uma articulação conhecida como maioria moral. Beto Almeida acompanha com bastante interesse a iminência da vitória do candidato democrata haja vista a possibilidade de instauração do contraditório.
Um presidente negro, avalia Almeida, não poderá justificar certas investidas que os governos republicanos dos últimos anos têm feito contra alguns países do mundo e sobretudo contra parcelas expressivas da população americana que não têm direitos como os garantidos por uma previdência social. Essa questão também foi comentada por David Fleischer para quem a ausência de um seguro social deixa milhões de americanos pobres desprotegidos. Em linhas gerais, os debatedores concordam que Barack Obama tem mais sensibilidade e compromisso para, senão resolver, pelo menos alterar aspectos pontuais em questões relacionadas à saúde e à previdência.
A ascensão de Obama dá-se exatamente no ano em que celebra-se nos EUA o quadragésimo aniversário da morte do pastor batista Martin Luther King, um dos mais significativos líderes negros americanos cuja atuação – valendo-se da política de não-violência, de resistência fincada na desobediência civil – contribuiu decisivamente para a remoção de leis de segregação racial nos Estados sulistas e à adoção de políticas de ação afirmativa. Fleischer lembra que o perfil do senador por Illinois difere da típica liderança afro-americana, visto que ele não é um descendente direto de escravos, já que o pai era um queniano e a mãe, uma mulher branca americana. Considera que sua ascensão e o modo como vem conduzindo a política representa um grande avanço na luta contra o racismo nos Estados Unidos.
O poderio da indústria bélica e do Pentágono é visto por Almeida como uma camisa-de-força que vai impor restrições às aspirações e compromissos prévios de diálogo de qualquer político que ocupar a Casa Branca, e o senador não seria exceção. Diante do questionamento sobre o impacto do comando de Obama na política mundial e sua conhecida capacidade de dialogar, provocou: “gostaria de vê-lo conversar com o Hugo Chavez. Até agora nada.”
Na avaliação de Suarez, a habilidade do diálogo, o carisma político e a retórica apaixonada de Obama o aproximam do ex-presidente John Kennedy, cujos discursos mobilizaram multidões. Já Fleischer considera que o perfil do candidato democrata está mais para o ex-presidente Bill Clinton, sobretudo pela capacidade de encantar até mesmo os adversários políticos. Avalia ainda que, assim como JFK quebrou um paradigma ao se eleger o primeiro presidente católico num país de maioria protestante, o senador por Illinois tem grandes possibilidades de quebrar outro, ao ser eleito o primeiro presidente negro da história do país. Faltariam ainda um presidente do sexo feminino e um presidente judeu. E também um presidente assumidamente gay, completou Suarez.
Outro aspecto analisado pelos debatedores foi a cobertura midiática do pré-candidato negro. Os debatedores concordaram que até os primeiros resultados mais consistentes das prévias em fevereiro e março, a grande aposta feita pela mídia americana e pelos analistas era de que a senadora Hillary Clinton ganharia a disputa interna. Essa perspectiva teria feito com que a imprensa fosse mais branda e mesmo generosa com o candidato negro, tido como o fato novo da campanha eleitoral. Para Fleischer, é preciso, no entanto, aguardar os meses de setembro e outubro, após as convenções partidárias, para ver como a mídia vai se comportar diante do fenômeno Obama. Sobre a cobertura do assunto pela mídia latino-americana, Almeida notou que há um alinhamento direto frente aos interesses mais fortes da sociedade e do governo americanos de tal sorte que faltou independência, autonomia na análise das possibilidades suscitadas pela candidatura do senador negro.
Um olhar crítico sobre o candidato Obama, a cobertura da mídia e o desenvolvimento da democracia são alguns dos focos desse debate sobre a emergência do candidato democrata. A iniciativa da Cojira, apoiada pelo Sindicato dos Jornalistas e pela TV Comunitária, pretende fornecer um referencial na discussão sobre o momento eleitoral americano e subsídios para os jornalistas interpretarem a conjuntura americana, algo relevante haja vista o peso que esta tem no futuro político do Brasil, da América Latina e do mundo.
André Ricardo N. Martins é jornalista, repórter da TV Senado e membro da Cojira - DF.
Fonte: Blog Brasil de Fato.
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