Vale a pena ler este texto escrito pelo Eduardo, do Blog Cidadania.com. Em função de sua atividade profissional,o Eduardo é uma das pessoas mais capacitadas para escrever sobre o que está ocorrendo na Bolívia.Estou curioso para ver o que a imprensa golpista brasileira vai escrever amanhã, ainda mais agora que o Morales expulsou o embaixador americano, principal incentivador do golpe da direita boliviana.
Carlos Dória
Venho insistindo há muito tempo no assunto das convulsões políticas e sociais que se espalham pela América Latina porque, como observador compulsório dessas realidades vizinhas à nossa (por dever de ofício), sei que, cedo ou tarde, essas convulsões crescentes acabarão produzindo efeitos aqui no Brasil.
O recrudescimento da crise política na Bolívia aos poucos vai se impondo no noticiário da grande imprensa, sobretudo na televisiva, e assim, de repente, as pessoas se lembrarão daqueles que, como eu, há tanto tempo vimos chamando a atenção para a interferência das relações exteriores em nosso cotidiano, sobretudo quando tais relações são com nossos vizinhos.
As notícias de atentado a bomba em complexo petrolífero boliviano, em lugar de prenunciar o auge do conflito digo que prenuncia o começo da cobrança de um preço exorbitante pela intolerância e pelo desrespeito à democracia de políticos criminosos daquele país: sangue humano. É esse o preço desse conflito, um preço que ainda não foi cobrado porque o estadista Evo Morales não quer pagar reagindo intempestivamente.
É difícil, para quem não teve oportunidade de se embrenhar por um país como a Bolívia – como eu já fiz incontáveis vezes –, entender por que os que são minoria, não têm o poder, não têm armas ou tropas comparáveis às das forças armadas bolivianas, desafiam dessa maneira o estado mesmo sabendo que não teriam como vencer um conflito real se ele se instalasse.
A direita boliviana vem falando em guerra civil há anos, e há anos que venho relatando isso neste blog. Durante muito tempo foi bravata de empresários descontentes com medidas redistributivas do governo central, mas a intolerância e a ruptura progressiva de um modelo econômico que propiciou à Bolívia o “troféu pobreza” sul-americano desencadearam, outra vez na América Latina, reação violenta e autoritária dos estratos sociais superiores contra os inferiores.
Esses movimentos libertários e reformistas por meio da eleição pela maioria de governantes mais afinados com os interesses majoritários dos países latino-americanos sempre foram sufocados com facilidade e com prestimosa ajuda norte-americana, o que jogou a região em ditaduras militares ferozes, engendradas por Washington.
No atual estágio civilizatório da humanidade, porém, aquele tipo de “solução” de décadas passadas que extirpava governos reformistas e distributivistas com facilidade e sob a anuência da comunidade das nações, foi deixando de sê-lo. Solução não é mais. Poder ser método, porém questionável.
Mas a interligação eletrônica da humanidade e a própria dinâmica da sedimentação da democracia em grande parte do mundo permitem que hoje a história dos golpes de Estado não seja contada só pelos golpistas, que, em seguida aos golpes bem sucedidos, tratam de censurar tudo que não lhes interessa que seja divulgado.
É por conta dessa interligação humana contemporânea que Evo Morales, um estrategista que se revela, estende a corda para os golpistas se enforcarem.
Antes de escrever este texto falei por telefone com várias fontes de informação que tenho na Bolívia. Posso lhes adiantar mais algumas coisas.
Falei com oposicionistas ferrenhos que não suportam mais o que a oposição está fazendo. Cidadãos comuns estão sendo agredidos pelas milícias dos “prefeitos” de oposição ao governo central. Esses prefeitos já assumiram a autoria e a organização dos ataques e dos infernais bloqueios que interferem com o direito de ir e vir. Em qualquer país, estariam cometendo crimes. E na Bolívia também estão.
A redução do fornecimento de gás ao Brasil e os prejuízos milionários causados aos cofres públicos pelos atos de sabotagem, pela intimidação e pela agressão até a cidadãos simpáticos à oposição a Morales já começam a gerar um sentimento de revolta na parte da população que rejeita o governo central, e as notícias sobre os atos ensandecidos daquela oposição já se espalham pelo mundo de forma que já justificam reação coercitiva do estado boliviano.
A atitude do presidente Morales de expulsar o embaixador norte-americano é uma demonstração de força, um aviso de que o país tem leis e que as usará para punir os que estão cometendo crimes que são gravíssimos em qualquer país. É como se Morales dissesse aos governadores oposicionistas sediciosos: comecei por um superior de vocês.
O próximo passo será responsabilização criminal dos terroristas e inclusive dos seus chefes, os governadores da “Meia Lua”. As provas de que estão organizando os ataques começam a se avolumar. Agressões físicas, sabotagens, roubos, destruição de patrimônio público e já há boatos (sem confirmação) sobre camponeses mortos pelas milícias da direita boliviana.
O governo brasileiro e todos os outros governos da região, com a provável exceção do governo da Colômbia, tratarão de condenar a oposição de direita ao governo Morales, e no momento em que as forças armadas tiverem que ser empregadas para fazer cumprir a lei a opinião da maioria das fontes com quem falei hoje é a de que essas leis serão cumpridas de qualquer maneira, no fim.
A aposta de Evo Morales é alta, mas se ele vencer essa “mão” do pôquer político terá causado graves danos aos setores minoritários da sociedade boliviana que parecem esperar uma intervenção americana em caso de reação do governo central. Essa intervenção poderá ser extremamente dificultada pela comunidade das nações.
Os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Rafael Correa, do Equador, já se prontificaram anteriormente a enviar ajuda militar à Bolívia em caso de invasão ou de tentativa de golpe de estado. Chávez diz que “não aceitará” a derrubada de Morales, sobretudo se houver provas de envolvimento americano.
No entanto, a maioria das fontes com quem tenho falado vem dizendo que o separatismo seria mais provável do que a tentativa de derrubar o governo, pois a oposição sabe que não tem como assumir o governo da Bolívia numa La Paz que chega a ter mais de oitenta por cento de apoio popular a Morales.
O Brasil certamente não aceitará a ruptura institucional que a oposição boliviana parece pretender. No mínimo, um governo ilegítimo, produto de um golpe, ou a tentativa da região da “Meia Lua” de se separar do resto da Bolívia, as duas hipóteses provocariam o não reconhecimento da região como estado autônomo pelo Brasil.
Os indignados com o golpismo terrorista da direita racista boliviana podem ter a certeza de que serão redimidos. A reação de Evo Morales virá, cedo ou tarde. Mas virá de forma racional e planejada. A menos que a oposição direitista e os EUA recuem.
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