Um website circunspecto muito apreciado em Washington, o Politico.com, registrou o desapontamento profundo dos próprios especialistas em política externa do Partido Republicano com a escolha da companheira de chapa do senador John McCain - e, mais ainda, com o baixo nível a que desce a campanha na obsessão de promovê-la como símbolo de mudança e novo estilo de governar.
Tem sido significativo o silêncio embaraçoso de expressivas personalidades republicanas dedicadas ao debate da política externa ante a decisão de McCain, até porque o candidato presidencial, que depende do amigo Joe Lieberman (preferência inicial dele para vice) até para distinguir sunita de xiita, está bem longe de ser grande autoridade na matéria.
A própria secretária de Estado Condoleezza Rice, respeitada por sua formação acadêmica mas só citada vagamente nas listas de possíveis opções republicanas para a vice-presidência, evitou ostensivamente fazer qualquer defesa das supostas credenciais de Sarah Palin em questões internacionais. "Como secretária de Estado, não vou me envolver nessa campanha política", declarou.
Trivial variado e sem seriedade
Outra manifestação sintomática veio do mais respeitado senador republicano na discussão de política externa - Richard Lugar, que já presidiu a poderosa Comissão de Relações Exteriores, da qual ainda é o membro republicano de mais alto nível. Embora tenha revelado entusiasmo quando Barack Obama optou pelo senador Joe Biden, ele reagiu à escolha de Palin com um silêncio desapontador.
McCain e seus marqueteiros não se preocupam nem um pouco. Ao contrário. Estão apaixonados pelas manchetes e reações celebratórias da mídia e pela chamada "reação da base" - paradoxalmente, referindo-se à "base" do sul e meio-oeste, contaminada pelo evangelismo fundamentalista e que votou em massa em George W. Bush, de quem o candidato tenta agora distanciar-se publicamente.
Num de seus editoriais de ontem, o jornal "Washington Post", tradicionalmente à direita do "New York Times" em questões de política externa, estranhou a falta de seriedade da campanha republicana e do próprio McCain ao manipular o chamado efeito Palin: "É difícil pensar em outra campanha com um fosso mais profundo (...) entre a seriedade dos temas (...) e a trivilidade (...) do discurso político."
Com batom, o porco ainda é porco
A ênfase do "Post" foi no caráter fraudulento, leviano e enganoso da atitude e dos comerciais da campanha de McCain, "atolada na tolice", num dia em que se alertava "para os déficits sombrios e a triste perspectiva econômica, quando o mercado despencava apesar do socorro oficial à Fannie Mae e Freddie Mac, e quando o presidente Bush falava dos rumos futuros no Iraque e no Afeganistão".
E a que a campanha de McCain dedicava nesse dia suas energias? - perguntou o editorial. "A uma entrevista coletiva com o objetivo de denunciar o senador Barack Obama por ter usado a frase `batom num porco' (lipstick on a pig) e um novo comercial de televisão acusando o democrata de querer aulas de sexo para crianças de jardim de infância antes mesmo delas aprenderem a ler".
Claro que a irritação do editorialista do "Post" faz sentido. Eram acusações fraudulentas. A campanha republicana fingiu que ao falar do batom Obama chamava Palin de "porca". Mas o democrata referia-se ao esforço de McCain para assumir a bandeira da "mudança" apesar de atrelado ao governo Bush. Usou a expressão popular: "Se a gente põe batom num porco, ele não deixa de ser porco".
Deformando e desinformando
Os marqueteiros de McCain não fazem isso por acaso. Eles tentam de propósito declarar Palin o alvo da crítica - assim a tornariam vítima de um ataque (que não houve), aquela pobre mulher, jovem, frágil e vulnerável. "Obama deve um pedido de desculpas a Palin", exigiu a campanha rival. Mas há um par de meses o próprio McCain usara a frase do batom no porco em crítica ao plano de seguro-saúde de Hillary Clinton.
O outro comercial, atribuindo a Obama o tal projeto de "aulas de sexo no jardim de infância", apenas repete outro do rival republicano dele na campanha de 2004 para o Senado, Alan Keyes. Nem Obama é autor e nem é o que dizem. Ele votou a de projeto que fixava padrões para o ensino não obrigatório de aulas sobre saúde e sexo, conforme a idade e o desenvolvimento, desde que aprovadas pelos pais.
O mais grave, disse o "Post", é tal proposta, bem intencionada e irrelevante, ser citada com extrema má fé nos ataques como "única realização legislativa" de Obama - que não a fez, apenas deu seu voto. O editorial concluiu, com mau humor, que "McCain é um homem sério e prometeu campanha séria. Ganhe ou perca, poderá olhar para trás e ver essas coisas com orgulho? Hoje parece difícil".
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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