quinta-feira, 9 de outubro de 2008

ARTIGO - De onde sairá o dinheiro para salvar os ricos e os bancos?

De onde sairá o dinheiro para salvar os ricos e os bancos?

Juan Torres López

Uma das questões que mais chama a atenção dos cidadãos comuns é de onde vai sair ou de onde estão a sair as centenas e centenas de milhares de milhões de dólares que os bancos centrais e o tesouro norte-americano estão a pôr à disposição dos bancos.

A pergunta é pertinente porque surpreende realmente a magnitude do apoio destinado aos já por si mais ricos do mundo. E surpreende, sobretudo, se comparada com outras necessidades para as quais nunca há dinheiro.

Segundo as Nações Unidas, em cada dia que passa morrem de sede cerca de 5.000 crianças. Para dar água potável a todo o planeta seriam necessários 32 mil milhões de dólares (e impedir a avareza criminosa de algumas das grandes multinacionais, claro está).

No mundo existem 925 milhões de pessoas que passam fome e provavelmente outras tantas severamente desnutridas.

Para acabar com esse drama, a FAO afirma que seriam necessários 30 mil milhões de dólares. Isto é, para que ninguém no mundo morresse de fome ou de sede, apenas seria necessário mais ou menos 40% do que o Banco Central Europeu injectou nos mercados só no passado dia 29 de Setembro. É natural que os cidadãos se questionem sobre este asqueroso e imoral contraste. Que se interroguem como é possível que a fome e a sede de 1.000 milhões de pessoas não seja considerada uma crise suficientemente séria para que os bancos centrais garantam o financiamento que poderia resolvê-la. E, como disse no princípio, que se interroguem de onde sai tanto dinheiro à disposição dos ricos.

A resposta a esta última questão é clara e para exemplificá-la referir-me-ei ao caso particular dos Estados Unidos. O dinheiro com que Bush pretende fazer frente à crise financeira terá que sair de três fontes. Conhecendo-as, poderemos aventar também o que vai ocorrer no mundo nos próximos tempos. Vejamos.

Em primeiro lugar, os recursos sairão de um maior endividamento externo da economia estadunidense. Para isso, terá que conseguir colocar no exterior bónus e outros títulos da dívida, o que entre outras coisas vai mudar irremediavelmente o mapa político e a distribuição de poder no mundo. A China, a Índia e outros países irão tornar-se mais fortes, enquanto que a economia dos Estados Unidos continuará a debilitar-se e a tornar-se mais dependente.

Em segundo lugar, os recursos virão da impressão de mais dólares. Isto é algo que já está a suceder, de forma premeditada, ainda que não se fale muito disso. Em Dezembro de 2005, a Reserva Federal decidiu que a partir de Março de 2006 deixaria de publicar o agregado monetário que os economistas chamam M3 (a quantidade de dólares que circula em forma de notas, moedas e depósitos à ordem). Não é preciso ser um lince para prever o que havia por detrás desta decisão: um crescimento vertiginoso da quantidade dólares em circulação. Estimativas não oficiais apontam que o M3 passou de representar um pouco mais de 7% do PIB dos Estados Unidos em Junho de 2006 para 18% em Fevereiro de 2008 (desde então começou a desmoronar-se vertiginosamente até ao nível mais baixo alcançado desde 1959, mas como consequência da retirada de liquidez bancária que produziu a crise). Para que esta fonte de obtenção de recursos seja viável, os Estados Unidos terão de recorrer ao seu poder imperial para colocar no mundo uma moeda cada vez mais depreciada e menos valiosa. A consequência mais que previsível não é muito agradável: aumentará a sua presença militar e tratará de provocar focos de instabilidade que justifiquem a sua presença para garantir assim o seu poder como primeira potência mundial.

Finalmente, os recursos provirão dos próprios cidadãos, directamente na forma de impostos ou indirectamente como renúncia a gastos públicos que representam entradas indirectas (como a saúde ou a educação) ou diferidas (como as pensões).

Atrevo-me assim a prever que dentro de pouco tempo começaremos a ouvir o discurso contrário ao que temos ouvido até aqui. Agora voltarão a dizer que os impostos são bons, que todos devem contribuir para conseguir a estabilidade económica e que todos temos de pôr mãos à obra. Já começaram de facto com a vergonhosa cantilena de que para sair desta crise é preciso moderar os salários.

Destas fontes sairá o dinheiro para que os ricos que provocaram a crise com a sua cobiça criminosa saiam dela sem despentear um cabelo.

A não ser que nós, os cidadãos, nos oponhamos e reclamemos soluções mais justas, que não impliquem semelhantes privilégios, que levem os responsáveis a responder pela sua culpa e que devolvam aos cidadãos os recursos que são deles.
Fonte: Blog Informação Alternativa.

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