terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O CASO BATTISTI: uma decisão adequada.

Na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual “in dubio” ou “in certeza”, pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Cesare Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro da Justiça.

Flávio Aguiar

Nunca o que o sentimento conservador, visivelmente irado desde seis anos completos, publicou na sua imprensa sobre o Brasil e o mundo, e o Brasil no mundo, foi tão irrelevante como agora.

O Brasil no mundo de hoje lhe apresenta uma faceta insuportável. Nunca a recepção do Brasil em quase todos os círculos foi tão boa quanto agora. Nunca a política externa brasileira e a sua diplomacia que, diga-se de passagem, sempre foram tidas como competentes e pertinentes pelo mundo afora desde mais ou menos 1850, gozaram de tanto prestígio como agora.

O Brasil vive um “momento virtuoso” de estabilidade democrática, desenvolvimento sustentável e diminuição da pobreza que fez o país mudar de lugar na ordem mundial. Isso é inegável. Para desespero daqueles comentaristas do pensamento conservador, o mundo não lê os jornais em que eles publicam nem vê a televisão e muito menos ouve as rádios em que fermentam e destilam o anacronismo de seu pensamento.

Para esse pensamento é sempre necessário “provar” que a desqualificação das atitudes do governo liderado por Lula, devido ao “esquerdismo” deficiente do comportamento petista diante do mundo. Sempre há várias bolas da vez. Recentemente foi o assessor para política internacional, Marco Aurélio Garcia, definido em artigos sempre carregados de odioso ressentimento, como aquele que força o governo Lula a alianças com a “indiada” da América Latina.

Agora é a vez do ministro Tarso Genro, graças à sua decisão de estender o direito de asilo a Cesare Battisti, ex-membro da organização “Proletários Armados pelo Comunismo”, na Itália. Battisti é sistematicamente apresentado como um reles terrorista, que caiu nas boas graças do "trapalhão no Ministério da Justiça", que assim gerou um problema diplomático com a Itália.

O caso é bem mais complicado. Os “Proletários Armados...” foram formalmente acusados por quatro crimes de morte, cometido ao final dos anos setenta. Além disso, foram-lhe imputadas diversas outras acusações por crimes “menores”, como expropriações, assaltos, coisas assim. Battisti foi preso em 1979, e condenado por estas acusações “menores” a 12 anos de prisão. Em 1981 ele fugiu da prisão, vivendo os anos seguintes no México, na Nicarágua e na França. Na América Central Battisti tornou-se uma figura intelectual de relevância, tendo fundado revistas literárias e organizado atividades para o mundo do livro. Além disso, deu seguidas declarações de que abandonara as atividades de luta armada depois do assassinato de Aldo Moro na Itália.

Mas em 1987 ele voltou a julgamento, “in absentia”, devido a declarações de seu ex-correligionário Pietro Mutti, que, no sistema de “delação premiada”, denunciou-o por aqueles quatro assassinatos, sendo então condenado à prisão perpétua. Na França, enfrentou um pedido de extradição, feito pelo governo italiano, que foi rejeitado, com base na “doutrina Mitterand”, segundo a qual nenhum acusado que rejeitasse a violência seria extraditado se se considerasse que no seu julgamento não houvesse adequadas condições de defesa. Portanto, diga-se de passagem, a decisão do Ministro Tarso Genro tem precedentes, não só na doutrina Mitterand, mas em decisões judiciais nela baseadas.

Ocorre que depois a Itália, a França e a Europa inteira “endireitaram-se”. As cortes italianas negaram novo julgamento a Battisti, cujos advogados, inclusive os franceses, sempre alegaram que o segundo, pelo menos, o de 1987, fora viciado, com manipulação da ‘delação premiada’, além de outras irregularidades, como falhas na produção de provas técnicas. Quanto a Battisti, ele sempre negou ter participado daqueles quatro assassinatos, e sempre concordou a se submeter a novo julgamento.

Com o endurecimento da situação na França e também na Itália, durante o primeiro mandato de Berlusconi, apoiado pela Liga do Norte, sobre que pesam acusações de intolerância beirando o neo-fascismo, e o segundo mandato agora em curso, Battisti buscou o Brasil, onde foi preso em 2007.

O que se pode dizer depois de todo esse percurso é que pairam consistentes dúvidas sobre a lisura de tudo. E que num caso desses, o que se pode pregar, do ponto de vista da justiça, é o princípio do “in dubio pro reo”. Mas na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual “in dubio” ou “in certeza”, pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro.

Corrijam-me se eu estiver errado: não me lembro de ter lido nessa imprensa manifestações iradas e veementes quando o Brasil concedeu asilo a Stroessner, sabidamente alguém que devia ser considerado um criminoso de guerra. Tudo bem. Pode ser que a decisão brasileira de então, em nome de um princípio político de abrir caminho para o futuro no continente, e em nome de não permitir um julgamento em clima emocional, fosse pertinente.

Por que não seria também agora no caso de Battisti?

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

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