Recusando obediência As tácticas da resistência num exército só de voluntários No dia 1º de Maio em Fort Hood, no Texas, o especialista Victor Agosto escreveu uma declaração, a qual é realmente um memorando de punição do U.S. Army:
"De forma alguma irei para o Afeganistão. A ocupação é imoral e injusta. Ela não torna o povo americano mais seguro. Ela tem o efeito oposto". Dez dias antes ele recusara-se a obedecer a uma ordem directa do comandante da sua companhia para preparar-se para a transferência e foi emitida uma segunda declaração. Nesta, ele escreveu: "Não obedecerei a quaisquer ordens que eu considere serem imorais ou ilegais". Logo após, ele disse a um repórter: "Não estou desejoso de participar nesta ocupação, sabendo que está completamente errada. É um assunto que estou disposto a aguentar".
Agosto já servira no Iraque durante 13 meses, com o 57th Expeditionary Signal Battalion. Actualmente em serviço activo em Fort Hood, ele admite: "Foi no Iraque que me virei contra as ocupações. Comecei a sentir muita culpa. Eu observava empreiteiros a ganharem quantias obscenas de dinheiro. Não descobri provas de que a ocupação estivesse de qualquer forma a ajudar o povo do Iraque. Sei que contribuí para a morte o sofrimento humano. É difícil quantificar quanta provoquei, mas sei que contribuí para isso".
Apesar de estar a aproximar-se do término do seu serviço militar, ordenaram a Agosto que se deslocasse para o Afeganistão sob o programa sem-paragens (stop-loss) que o Departamento da Defesa utiliza para reter soldados para além do termo dos seus contratos. Pelo menos 185 mil soldados foram abrangidos por este programa desde 11 de Setembro de 2001.
Agosto não mostra qualquer ambivalência acerca da sua disposição de enfrentar as consequências das suas acções: "Sim, estou plenamente preparado para isto. Concluí que as guerra [no Iraque e no Afeganistão] não estão em vias de serem terminadas pelos políticos ou as pessoas no topo. Eles não são receptivos ao povo, eles são receptivos à América corporativa. Para os soldados, o único meio de torná-los receptivos às necessidades do povo é não combater as suas guerras. Se os soldados não combaterem as suas guerras, as guerras não acontecerão. Espero estar a dar um exemplo aos outros solados". Hoje, a atitude de Agosto permanece um acto relativamente isolado num exército inteiramente de voluntários, assim construído para evitar a dissenção que, na era do Vietname, veio a ser associada com um exército de conscritos. Contudo, é um exemplo que pode, bastante em breve, ter muito maior significado para forças armadas cada vez mais estendidas a mergulharem numa Guerra Afegã em expansão e aparentemente sem fim, ainda que a sua guerra no Iraque continue.
Evitar batalha
Escrevendo no seu blog a partir de Baquba, Iraque, em Setembro de 2004, o especialista Jeff Englehart comentava: "Três soldados na nossa unidade foram feridos nos últimos quatro dias e a verdadeira quantidade de baixas totais do exército no Iraque é desconhecida. Os números são muito mais elevados do que o relatado. Obtemos prémios e medalhas que se supõe fazer-nos orgulhosos acerca da nossa perversa missão..."
Ao longo dos anos, em resposta a tais sentimentos, alguns soldados americanos saíram-se com meios engenhosos para exprimir desafio ou dissidência nos nossos distantes campos de batalha. Eles têm sido pouco notados nos media de referência e, quando vêm à superfície, oficiais no Pentágono ou em Washington simplesmente varrem-nos para o lado como incidentes de "maçãs podres" (a mesma explicação que tendem a utilizar quando é revelado um crime de guerra).
Mas nas histórias de homens e mulheres que serviram na ocupação do Iraque, eles mostram um papel diferente. Em Outubro de 2007, por exemplo, entrevistei o cabo Phil Aliff, um veterano da Guerra do Iraque, então com base em Fort Drum ao Norte de Nova York. Ele recordou: "Durante o meu serviço no Iraque entre Agosto de 2005 e Julho de 2006 nós provavelmente efectuámos 300 patrulhas. A maior parte dos homens no meu pelotão estava farta de excursões de combate no Afeganistão e a moral era incrivelmente baixa. Golpes recorrentes com bombas na estrada desmoralizaram-nos e percebemos que o único meio pelo qual podíamos evitar sermos explodidos era cessar de conduzir o carro o tempo todo. Assim, em cada dia alternado descobríamos um campo aberto e parqueávamos, e chamávamos a nossa base a cada hora para dizer-lhes que estávamos a investigar esconderijos de armas nos campos e que estava tudo bem. Em todo o nosso pessoal alistado aumentou o desencanto com a cadeia de comando". Aliff referiu-se a esta táctica como missões de "procura e evita" ("search and avoid"), uma expressão sardónica reciclada da Guerra do Vietname quando soldados eram mandados em missões oficialmente de "procura e destrói" ("search and destroy").
O sargento Eli Wright, que serviu como paramédico na 1ª Divisão de Infantaria em Ramadi de Setembro de 2003 até Setembro de 2004, tinha uma história semelhante para contar-me: "Oh sim, nós procurávamos e evitávamos missões o tempo todo. Era comum para nós ficarmos no alto de uma ponte e utilizá-la como uma posição de observação. Utilizávamos binóculos para observar ao invés de varrer o terreno, mas chamávamos pela rádio a toda hora para relatar nossas varreduras".
Segundo o primeiro soldado raso Clifton Hicks, que serviu no Iraque com o Primeiro de Cavalaria desde Outubro de 2003, apenas seis meses depois de Bagdad ser ocupada pelas tropas americanas, até Julho de 2004, as missões procura e evita começaram cedo e tinham sempre o apoio de um comandante senior não oficial ou de um sargento. "Nosso sargento do pelotão estava connosco e sabia que as nossas patrulhas eram treta, apenas passear em torno para não ser explodido", explicou. "Estávamos em Camp Victory, no Aeroporto Internacional de Bagdad. Um bocado de vezes saíamos pelo portão principal e voltávamos a entrar na base por outro portão onde há uma grande cantina militar com um lindo salão de refeições e um Burger King. Deixávamos um soldado no Humvee para chamar a cada hora, enquanto os outros ficavam na cantina. Estávamos simplesmente cansado de sair naquelas estúpidas patrulhas".
Estes actos não declaradas de recusa muitas vezes era estratégias de sobrevivência bem como gestos de dissenção, pois as tropas eram invariavelmente mal treinadas e mal equipadas para a tarefa de suprimir uma insurgência. O especialista Nathan Lewis, que foi deslocado para o Iraque com a 214ª Brigada de Artilharia de Março de 2002 a Junho de 2003, experimentou isto em primeira mão. "Nunca recebemos qualquer treino para grande parte do que se esperava que fizéssemos", disse ele quando contou-me de certas munições a incendiarem-se enquanto ele e outros soldados estavam a carregá-las em camiões. "Nunca nos treinaram sobre como manuseá-las do modo certo".
O sargento Geoff Millard do New York Army National Guard serviu num Centro de Operações na Retaguarda com a 42ª Divisão de Infantaria de Outubro de 2004 até Outubro de 2005. Parte do seu dever implicava relatar "acções significativas", ou SIGACTS – isto é, ataques a forças dos EUA. Numa entrevista em 2007 contou-me: "Enquanto estive ali pelo menos cinco companhias nunca relataram SIGACTS. Penso que o "procura e evita" desenrolou-se por um longo tempo. Um dos meus amigos em Bagdad contou-me que quase todos os dias eles levavam refrigerantes e atiravam nas latas". Millard contou-me de soldados ainda no Iraque que Dezembro de 2008 ainda faziam missões de "procura e evita". Vários outros amigos a irem ou a voltarem para o Iraque asseguraram logo que também pretendiam operar no modo procura e evita.
O cabo Bryan Caslter foi transferido para Iraque pela primeira vez com os Marines em 2003, no tempo da invasão. Transferido para o Afeganistão em 2004, ele retornou ao Iraque para outro período de serviço em 2005. Ele conta de outras versões baixo nível da táctica de evitação: "Por vezes íamos consertar um rádio que estivera desligado durante horas. Isto era propositado, de modo a não termos de cuidar das tretas dos superiores. Na realidade, fazíamos isso de modo a que pudéssemos descansar, deixávamos o resto do esquadrão com algum repouso quando estávamos de guarda. Isso é mútuo e a pessoas começavam a cobrir-se umas às outras. Todos sabiam, por que diabo não continuar".
O primeiro-sargento Ronn Cantu, um homem da infantaria que foi deslocado para o Iraque de Março de 2004 a Fevereiro de 2005, e mais uma vez de Dezembro de 2006 a Janeiro de 2008, disse de algumas das patrulhas que observou ali: "Eles não iam para cima e para baixo nas ruas como se supunha que fizessem. Eles simplesmente iram para uma área amistosa da polícia iraquiana ou da milícia curda Peshmerga e permaneciam ali a beber chá até a hora de voltar à base".
Como comandante de um veículo de combate blindado Stryker no Iraque, de Setembro de 2004 a Setembro de 2005, o sargento Seth Manzel imaginou um meio de fabricar no écran o movimento da sua patrulha e assim podia efectuar versões computorizadas de uma missão de procura e evita. Tal como ele explicou: "Às vezes se eles nos convocavam para ir e fazer algo, nós rapidamente enviávamos relatórios do computador de que estávamos a ir naquela direcção. Sobre o mapa colocávamos manualmente o nosso ícone para o local alvo e então movíamos para trás e para a frente para fazer parecer como se estivéssemos realmente sobre o terreno a patrulhar. Isto não era um caso isolado. Todos faziam isso. Toda a gente iria e esconder-se-ia em algum lugar de tempos em tempos". O ex-sargento Josh Simpson, que serviu como agente de contra-inteligência no Iraque de Outubro de 2004 a Outubro de 2005, disse que testemunhou exemplos de movimentos falsificados. "Eu sabia de soldados que aprenderam a simular movimento de veículo no écran do computador, para criar a impressão de estar em patrulha", disse Simpson. "Não há dúvida de que pessoas fizeram isso".
Dizer "Não" um de cada vez
"Não havia nada a fazer", afirma o cabo Casler do seu tempo no Iraque, "nenhum progresso a ser feito ali. A dissidência começa simplesmente quando se diz isto é treta. Por que estou a arriscar a minha vida?"
Por vezes tais sentimentos permearam unidades inteiras e os soldados das mesmas recusaram-se em massa a cumprir ordens. Um dos mais dramáticos destes incidentes ocorreu em Julho de 2008. O 2º Pelotão da Companhia Charlie, 1º Batalhão, 26º Regimento de Infantaria, em Bagdad, perdeu muitos homens nos seus 11 meses de deslocação. Depois de uma mina na estrada matar mais cinco, os seus membros fizeram uma reunião e concordaram em que não era mais possível para eles funcionarem profissionalmente. Preocupados em que a sua raiva pudesse realmente desencadear um massacre de civis iraquianos, eles encenaram ao invés disso uma revolta silenciosa contra os seus comandantes.
Kelly Kennedy, repórter do Military Times "embebido" na Companhia Charlie antes da revolta, descreveu o estado em que estavam os membros do pelotão naquele momento: "Eles foram directos para a saúde mental e obtiveram medicamentos para o sono, não podiam dormir e reagiam fracamente. E então foram mandados sair mais uma vez em patrulha naquele dia. E eles, como pelotão, todo o pelotão – eram cerca de 40 pessoas – disseram: "Não vamos fazer isso. Não podemos. Agora não estamos bem mentalmente".
Em resposta, os militares dissolveram o pelotão. Cada indivíduo envolvido foi também "assinalado" de modo a que nunca pudesse obter uma promoção ou receber qualquer prémio.
Nestes dias, as tropas no Iraque continuam a ser atormentadas por deficiências de equipamento e mão-de-obra, além de trabalharem longas horas num clima extremo. Além disso, os seus níveis de stress são regularmente elevados pelas notícias de casa de veteranos a retornarem para separações e divórcios, além de uma Administração de Veteranos muitas vezes mal equipada e pouco disposta a proporcionar cuidados físicos e psicológicos aos veteranos.
Se bem que nenhum inquérito amplo às tropas tenha sido efectuado recentemente, um inquérito Zogby em Fevereiro de 2006 descobriu que 72% dos soldados no Iraque sentem que a ocupação deveria ser concluída dentro de um ano. As minhas entrevistas com aqueles que voltaram recentemente do Iraque indicam que níveis de desespero e decepção estão novamente em ascensão entre as tropas, as quais começam a perceber, meses após a administração Obama ter tomado posse, que as esperanças de uma retirada próxima evaporaram-se.
Com a Guerra Afegã a aquecer e a Guerra do Iraque ainda longe de ultrapassada, mesmo que o combate ali esteja em níveis mais baixos do que nas suas alturas sectárias em 2006 e 2008, com stress e tensão sobre o militares ainda em ascensão, é improvável que a dissenção e a resistência diminuam. Além disso, para pequenos número de recusas públicas absolutas de deslocação ou re-deslocação, os soldados estão a ausentar-se sem uma deserção oficial (absent without leave, AWOL) entre deslocações e as deserções reais podem mais uma vez estarem em crescendo. Há certamente uma indicação forte de que o desespero está realmente a crescer: o número sem precedentes de soldados que estão a cometer suicídio. A contagem oficial de suicídios do Exército subiu de 133 em 2008, dos 115 em 2007, em si próprio um recorde desde que o Pentágono começou a efectuar estatísticas de suicídio em 1980. Pelo menos 82 suicídios confirmados ou suspeitos foram relatados até então em 2009, um ritmo a indicar que outro recorde sombrio será estabelecido. E o suicídio, embora raramente considerado naquele contexto, é também uma forma de recusa, um meio extremo, individual, de dizer não, ou simplesmente já chega.
Segundo o sargento Simpson, eis como um sentimento de descontentamento e oposição avança sorrateiramente enquanto se está em serviço: A parte da guerra em que se está envolvido, interrogar iraquianos no seu caso, "não faz qualquer sentido. Você percebe que todo o sistema está falho e que se é falho, então obviamente toda a guerra é falha. Se a premissa básica da guerra é falha, definitivamente o sistema de inteligência que se supõe nos levar à vitória é falho. O que isso implica é que a vitória não é nem mesmo uma possibilidade".
Depois de acabar o seu período no Iraque, Simpson aderiu às Reservas por acreditar que isso lhe garantiria um adiamento de dois anos da convocação, mas foi chamado de qualquer forma. No seu próprio caso, diz "eu pensava comigo mesmo, não posso fazer isto mais. Em primeiro lugar, é mau para mim mentalmente porque estou a fazer algo que odeio. Em segundo lugar, estou a participar de uma organização a qual desejo resistir de todas as formas que possa.
"Assim", diz ele, "simplesmente cessei de aparecer para exercícios, não telefonei à minha unidade, não lhes dei qualquer razão para isso. Mudei o meu número de telefone e eles não têm o meu endereço". Finalmente, ele atingiu a data final do seu contrato e conseguiu matricular-se na Evergreen State University, em Washington. "Não sei se tecnicamente ainda estou nas reservas", disse-me. "Não sei qual é a minha situação, mas realmente não me importo. Se for para a prisão, vou para a prisão. Prefiro ir para a prisão do que ir para o Iraque".
Reservas despreparadas e relutantes
O sargento Travis Bishop, que serviu 14 meses em Bagdad com o 57º Batalhão Expedicionário de Sinais – o mesmo batalhão em que Agosto, no qual serviu ao norte da capital iraquiana – recentemente ficou AWOL do seu quartel em Fort Hood, Texas, quando a sua unidade transferiu-se para o Afeganistão. Ele insiste em que se ria não ético para ele transferir-se para apoiar uma ocupação a que se opõe no plano moral.
No seu blog, ele apresenta a sua posição deste modo: "Amo o meu país, mas acredito que esta guerra particular é injusta, inconstitucional e um abuso total do poder e influência da nossa nação. E assim, nos próximos dias, falarei com o meu advogado e efectuarei acções que mais do que provavelmente resultarão no meu afastamento dos militares e possivelmente um tempo de prisão... e estou preparado para viver com isso. O meu pais disse: "Faça apenas aquilo com que possa viver, porque toda a manhã você tem de olhar a sua carta no espelho quando se barbeia. Daqui a dez anos você ainda estará a barbear a mesma cara". Se eu tivesse ido para o Afeganistão, não penso que teria sido capaz de olhar o espelho outra vez". Conversei com ele brevemente depois de ter retornado à sua base no princípio de Junho. Disse-me que havia optado por seguir o exemplo de recusa do especialista Agosto, o qual o havia inspirado e queria estar presente no seu posto para aceitar as consequências das suas acções. Ele, também, esperava que outros pudessem seguir o seu exemplo. (Ele e Agosto, agora em situações semelhantes, tornaram-se amigos.)
Agosto, cujo desejo era estabelecer um exemplo de resistência para outros soldados, vê a recusa de Bishop em transferir-se para o Afeganistão como um êxito pessoa e diz: "Já me sinto vingado pelo que estou a fazer. É lindo ver alguns resultados imediatos".
As suas acções, ele está convencido, afectaram o modo como seus camaradas soldados estão agora a encarar a guerra no Afeganistão. "O tópico tem surgindo em conversações, com soldados na base agora a perguntar: 'O que estamos nos a fazer no Afeganistão? Por que estamos ali?' As pessoas sentem-se obrigadas a levantarem isto quando estou por perto. Mesmo aqueles que não concordam comigo dizem que é bom o que estou a fazer e que estou a fazer o que um bocado deles não tem coragem de fazer. Na verdade, as pessoas com quem trabalho agora estão a tratar-me melhor do que nunca".
Em 27 de Maio, rejeitando um Artigo 15 – uma punição não judicial imposta por um oficial comandante o qual acredita que um membro do seu comando cometeu uma infracção ao Código Uniforme de Justiça Militar – Agosto pediu para ser submetido a corte marcial.
Segundo Agosto, o Exército começou agora o processo de corte marcial, mas ainda não estabeleceu uma data para julgamento. Bishop também espera uma possível corte marcial.
Em 1 de Junho, dia em que quatro solados estado-unidenses foram mortos no Afeganistão, Agosto contou-me numa chamada telefónica de Fort Hood: "Não tenho tido de desobedecer a quaisquer ordens ultimamente. Um sargento perguntou-me se estava bem se eu tivesse de cumprir ordens e eu disse que não, e eles não me forçaram".
Agosto e Bishop não estão sozinhos. Em Novembro de 2007, o Pentágono revelou que entre 2003 e 2008 houve um aumento de 80% nas taxas globais de deserção no Exército (deserção refere-se a soldados que ficaram AWOL e não pretendem pretendem retornar ao serviço), e as taxas AWOL do Exército entre 2003 e 2006 foram as mais altas desde 1980. Entre 2000 e 2006, mais de 40 mil solados de todos os ramos das forças armadas desertaram, mais da metade do Exército. As taxas de deserção do Exército saltaram 42% só de 2006 para 2007.
O especialista André Shepherd alistou-se no Exército em 27 de Janeiro de 2004. Ele foi treinado na reparação do helicóptero Apache e enviado primeiramente para a Alemanha, a seguir foi estacionado no Iraque de Novembro de 2004 a Fevereiro de 2005, antes de ser baseado outra vez na Alemanha. Shepherd ficou AWOL (desertou) no Sul da Alemanha em Abril de 2007 e viveu clandestinamente até fazer um pedido de asilo ali em Novembro de 2008, tornando-o o primeiro veterano do Iraque a pedir o estatuto de refugiado na Europa.
Ele também se recusou a novo serviço militar porque sente-se em oposição moral à ocupação do Iraque. Enquanto aguarda a resposta do governo alemão e ainda está tecnicamente AWOL, Shepherd é apoiado por Coragem para Resistir, um grupo com base em Oakland, Califórnia, o qual assiste activamente soldados que recusam transferir-se para o Iraque ou o Afeganistão.
Um conselheiro e associado administrativo daquela organização, Adam Szyper-Seibert, destaca que "nos últimos meses tem havido um aumento dramático de aproximadamente 200% no número de soldados que têm contactado o Coragem para Resistir". Szyper-Seibert suspeita que isto possa reflectir a decisão da administração Obama de aumentar dramaticamente os esforços, a força das tropas e os recursos no Afeganistão. "Estamos a apoiar activamente mais de 50 resistentes militares como Victor Agosto", afirma Szyper-Seibert. "Eles estão por todo o mundo, incluindo André Shepherd na Alemanha e várias pessoas no Canadá. Estamos a receber cinco ou seis telefonemas por semana apenas acerca do IRR (Individual Ready Reserve)".
O IRR é composto por tropas que acabaram o seu dever de serviço activo mas ainda têm tempo de permanência nos seus contratos. O típico contrato militar obriga a quatro anos de serviço activo seguido por quatro anos no IRR, embora existam variações neste padrão. Os membros da Reserva Pronta (Ready Reserve) vivem vidas civis e não são pagos pelos militares, mas é-lhes exigido aparecerem para inspecções. Muitos afastaram-se da vida militar e estão matriculados em faculdades, a trabalhar em empregos civis e a criar famílias.
A qualquer momento, no entanto, um membro do Ready Reserve pode ser convocado para o serviço activo. Esta política levou à reactivação involuntárias de dezenas de milhares de soldados para combater as guerras em curso no Iraque e no Afeganistão. O general de quatro estrelas Jack C. Stultz, o chefe do U.S. Army Reserve e comandante geral do U.S. Army Reserve Command, disse no Congresso a 3 de Março que, desde 11 de Setembro de 2001, o Exército mobilizou cerca de 28 mil soldados dos Reserves. Houve 3.724 Marines involuntariamente convocado e mobilizados durante o mesmo período, segundo o major Steven O'Connor, um porta-voz do Marine Corps. (Segundo o major O'Connor, a partir de Maio de 2009 os Marines já não estão a convocar indivíduos do IRR.)
Ironicamente, sob um novo comandante-em-chefe que muitos eleitores acreditaram ser anti-guerra, o Exército está a continuar as suas convocatórias do IRR. "A convocatória do IRR não assistiu a qualquer mudança desde que Obama se tornou presidente", afirma Sarah Lazare, o coordenador do projecto Coragem para Resistir. "É difícil prever o que será a política da administração Obama no futuro em relação ao IRR, mas definitivamente eles não efectuaram quaisquer movimentos para cessar esta prática".
Necessitando de botas sobre o terreno, segundo Lazare, os militares continuam a ter de recorrer ao sistema do Ready Reserve para preencher as lacunas: "Uma vez que estas são tropas experientes, muitos deles já serviram no Iraque e no Afeganistão". Lazare acrescenta: "Quando Obama anunciou o seu incremento (surge) no Afeganistão, nós recebemos uma onda de telefonemas de soldados a dizerem que não queriam ser reactivados e a pedir que os ajudássemos a não ir".
O futuro da dissidência militar
Neste exacto momento, actos de dissidência, recusa e resistência entre militares inteiramente voluntários permanecem em pequena escala e dispersos. Indo desde o extremo acto privado do suicídio para evitar o serviço militar à recusa real do serviço, continuam a consistir em grande medida de actos individuais. Nos dias de hoje a resistência dos GI às ocupações do Iraque e do Afeganistão não pode ser comparada com o movimento de resistência generalizada que ajudou a acabar com a Guerra do Vietname e levou um exército de conscritos quase ao ponto do motim no fim da década de 1960. No entanto, a dissidência em curso que existe entre os militares dos EUA, ainda que fragmentada e desapercebida no momento, não deveria ser ignorada.
A Guerra do Iraque ainda ferve a níveis perigosos de violência, ao passo que a guerra no Afeganistão (e ao longo da fronteira no Paquistão) continua a crescer. Já é claro que mesmo umas forças armadas constituídas inteiramente por voluntários não são imunes à dissidência. Se a violência numa ou outra ou em ambas as ocupações escalar, se as lutas do Pentágono para aumentar o número de botas no terreno, se os stresses e as tensões entre os militares, envolvendo redisposições sem vida para zonas de combate, aumentarem ao invés de diminuírem, então os actos de Agosto, Bishope e Shepher podem revelar-se pioneiros num mundo de dissidência ainda a ser experimentado e explorado. Acrescente-se a insatisfação e o descontentamento em caso e, nos próximos anos, o tesouro americano continuar a ser despejado no pântano afegão, e o apoio real ao movimento de resistência GI pode vir à superfície. Nesse caso, os métodos então pioneiros de dissidência dentro das forças armadas terão estabelecido a base para um movimento.
"Se quisermos que os soldados escolham o caminho certo mas difícil, eles devem saber que para além de qualquer sombra de dúvida eles serão apoiados pelos americanos". Assim disse o primeiro tenente Ehren Watada do U.S. Army, o soldado de mais alta patente alistado a recusar ordens para transferir-se para o Iraque. (Ele finalmente teve as acusações militares contra ele abandonadas pelo Departamento da Justiça.) O futuro de um tal movimento entre os militares agora não é conhecível, mas mantenha os olhos abertos. A história, mesmo a história militar, tem as suas próprias surpresas.
30/Junho/2009 [*] Jornalista. Cobriu o Iraque, escreve para Tom Dispatch, Inter Press Service, Le Monde Diplomatique e outras publicações. É autor de Beyond the Green Zone: Dispatches from an Unembedded Journalist in Occupied Iraq e do livro a sair The Will to Resist: Soldiers Who Refuse to Fight in Iraq and Afghanistan . O seu sítio web é Dahrjamailiraq.com . Copyright 2009 Dahr Jamail
O original encontra-se em www.tomdispatch.com/ |
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