Centro de Mídia Independente.
De acordo com a pesquisadora da Universidade Nacional de Honduras, Leticia Salomón, dez famílias financiaram o golpe de Estado de Roberto Micheletti que já dura mais de um mês no país. O grupo foi liderado por Carlos Roberto Facussé, ex-presidente de Honduras (1988-2002) e dono de vários jornais e canais de televisão. Com ele, planejaram o golpe as famílias que monopolizam o setor bancário e da agroindústria, através do Grupo Continental, que também controla outros jornais e canais de TV; o financista Camilo Atala, o madereiro José Lamas, o empresário energético Fredy Násser, Jacobo Kattán, o industrial açucareiro Guillermo Lippman e o construtor Rafael Flores. Juntas, estas famílias controlam 90% da riqueza produzida pelo país centro-americano e são diretamente responsáveis pelas violações de direitos humanos e cerceamento da liberdade de expressão.
Nesta terça-feira, o governo de fato decidiu fechar a Rádio Globo, de cobertura em todo o país, que critica o golpe e denuncia as violações de direitos humanos. Desde o início, suas intalações foram militarizadas e seus jornalistas e funcionários ameaçados. Protestos diários de milhares de manifestantes são realizados contra o golpe, recebendo uma brutal repressão. Na última quinta-feira, uma pessoa foi baleada na cabeça, 25 ficaram feridas e 88 foram presas numa manifestação que reuniu 2000 pessoas contra Micheletti. De acordo com Salvador Zúñiga, do COPINH (Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras), se chega a encarcerar trezentas pessoas diariamente, lotando as delegacias e mesmo transformando estádios em prisões. Também há esquadrões da morte, que sequestram manifestantes, os torturam e os matam. O golpe militar em Honduras aconteceu no dia em que se realizaria uma consulta popular sobre, entre outros pontos, a futura eleição de uma Assembléia para reformar a constituição hondurenha.
Manuel Zelaya, o presidente deposto, permanece exilado e efetuou diversas tentativas de retornar ao país, sempre impedida militarmente pelo exército hondurenho. No último dia 27, Zelaya tentou cruzar a fronteira da Nicarágua em direção a Honduras, com o apoio de hondurenhos que foram até lá recebê-lo. Entretanto, a repressão do exército os obrigou a se refugiarem nas montanhas, tendo ainda muitas pessoas sido feridas e presas. Zelaya não pôde atravessar a fronteira e continua em negociações na tentativa de voltar ao país.
Nenhum país do mundo reconheceu o governo golpista de Roberto Michelleti. Governos da América Latina como da Nicarágua, Venezuela e Bolívia tem condenado enfaticamente o golpe. Movimentos sociais hondurenhos e internacionais e também pesquisadores denunciam a presença de interesses econômicos norte-americanos - ligados inclusive ao grupo do ex-presidente George W.Bush e ex-vice Dick Cheney - na região. De fato, apesar da condenação formal ao golpe, o governo de Barack Obama pouco tem feito de efetivo para colaborar a reverter a situação, além de, até hoje, infrutíferas tentativas de negociação tendo como mediador o presidente da Costa Rica. A Organização dos Estados Americanos (OEA) informou que enviará esta semana uma missão a Honduras com o fim de restabelecer a ordem constitucional no país levando novamente a proposta do Acordo de San José, recusada pelo governo de Micheletti no início das negociações logo após o golpe.
Um comentário:
Golpe consumado
O golpe de Estado em Honduras pelo menos ajudou a sepultar a constrangedora campanha publicitária da “Gloriosa” iraniana. Sintomática e previsivelmente, os inimigos ocidentais de Ahmadinejad mostram-se cautelosos em relação à democracia hondurenha. Nem sempre a mitologia libertária serve a todos os interesses em jogo.
Resta pouco a acrescentar às origens e aos desdobramentos da deposição de Manuel Zelaya. Trata-se de uma reedição bem-sucedida do levante contra Hugo Chávez, de 2002, na Venezuela: imprensa, partidos políticos e associações empresariais unidos no levante autoritário, oscilações determinantes das Forças Armadas, letargia de grande parte da sociedade e algum belicismo das minorias atuantes.
Golpe de feitio tradicional, portanto, e também no discurso pseudo-legalista dos revoltosos. Sempre há perigos a combater, um interesse nacional a salvaguardar. Os comunistas de nosso 1964 viraram os atuais vilões do Eixo do Mal – substituídos, para o folclore tropical, pelo coronel venezuelano. E novamente a defesa da “democracia” serve como justificativa para destruí-la. O apoio popular legitima o golpe, não a mudança constitucional proposta por um presidente eleito. Governantes podem ser depostos, mas nunca reeleitos, pelo clamor das ruas.
Um aspecto incômodo da cobertura jornalística é a simpatia concedida aos silêncios (omissões?) de Barack Obama. As ambigüidades do episódio hondurenho sugerem cautela. Não há razões para acreditar que o governo dos EUA deixou de apoiar, direta ou indiretamente, sabotagens contra adversários. A proximidade dos golpistas com antigos funcionários da Casa Branca deixa pouco espaço para dúvidas.
Acusações inócuas e sanções paliativas alimentarão o antiamericanismo da população hondurenha, fortalecendo a posição do governo provisório e mantendo o chavista Zelaya afastado até as eleições de novembro. Eis a saída cômoda (e irrevogável) para os lados mais fortes envolvidos.
Postar um comentário