As mudanças de estilo na mídia e a aparência de neutralidade


Na sexta-feira passada participei de uma das mesas do Congresso da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) ao lado do diretor de redação de “O Globo” Ascanio Seleme e do professor Edgard Rebouças, da Universidade Federal do Espírito Santo.
Foi um debate civilizado que permitiu algumas conclusões objetivas e outras indiretas do atual momento da mídia.

Chamaram a atenção duas intervenções de Ascânio.
A primeira mencionando altos investimentos feitos pelo O Globo na sua plataforma digital. E asseverando – com o que considerei otimismo exagerado – que os jornais continuariam dominando o mercado de ideias. Ambos concordamos que o jornal de papel está com os dias contados.
Ascanio manifestou otimismo em relação a O Globo,  informou que no ano passado ele recuperou seu ponto de equilíbrio e está pronto para voar novamente – daí o aumento da redação e dos investimentos. Para reforçar o otimismo mostrou números sobre o público que O Globo atingia, enquanto papel, e o público que atinge hoje em dia, como digital.
Confesso que não me convenci da viabilidade financeira. Assim como discordei do Edgard Rebouças, quando previu para as novas mídias um destino igual às rádios e televisões – que acabaram sob controle dos grupos de mídia tradicionais, que tinham no jornal seu carro chefe. Em sua opinião, o mesmo ocorrerá agora.
Ora, rádio e televisão são concessões públicas, nas quais o poder político foi fundamental para preservar o espaço dos grupos tradicionais.
A Internet é  território aberto, é mercado, é capitalismo e não mais sistema de capitanias hereditárias. Mesmo que os grupos tradicionais tenham alguma vantagem de partida, não há mais barreiras de entrada para outros grupos, inclusive estrangeiros.
Além disso, a audiência de jornais como O Globo só é elevada em relação ao público do jornal papel. Na competição por publicidade online, os competidores serão portais – com muito maior abrangência – e toda sorte de sites especializados, como Mercado Livre, Buscapé etc., com muito maior audiência. E, para orientar os anunciantes, quem dispõe de mais dados sobre hábitos de consumo dos leitores: portais de consumo ou o site de O Globo?
Ou seja, a Internet quebrou não apenas as barreiras de entrada a novos competidores, como também as barreiras no mercado publicitário. Maior prova disso é o Google, que sem produzir uma linha de conteúdo, já é o segundo veículo em publicidade no Brasil, superando a Abril e ficando apenas atrás das Organizações Globo.
A própria ideia de que tudo será como antes – apenas com mudança de plataforma – não bate. Os investimentos de O Globo, por exemplo, visam criar reportagens em vídeo, comentaristas em vídeo. Em suma, transitar para um estilo que está muito mais próximo de um G1, de uma Globonews do que do próprio jornal O Globo.
Além disso, as maiores audiências jornalísticas da Internet brasileira já são de portais, alguns de grupos tradicionais – como a UOL e o G1 – outros de novos grupos – como o Terra e o IG. Sem contar a multiplicidade de sites, blogs e portais menores. Não há termos de comparação com um tempo em que apenas 4 jornais dominavam o mercado de opinião - Folha, Estado, JB e O Globo.
Em algum momento do futuro, ficará claro a redundância entre os diversos veículos das Organizações Globo levando a uma racionalização.

A busca da aparência de neutralidade

A segunda intervenção de Ascânio foi a ênfase com que procurou demonstrar – para uma plateia de jornalistas! – que O Globo pratica um jornalismo isento, objetivo. Obviamente, foi contestado.
Recentemente, o editor para plataformas digitais de O Globo também fez tais afirmações em um debate sobre os novos tempos.
Mais importante que a afirmação é a insistência em defender  tese tão difícil.
Aparentemente, a velha mídia deu-se conta do tiro no pé que foi ir atrás do estilo escatológico da revista Veja, inundando o noticiário com notícias falsas e até inverossímeis e a redação chula, de esgoto.
Cansei de apontar essa barbaridade de, na ânsia por manipular politicamente o noticiário, ter-se deixado de lado sequer a verossimilhança dos factoides noticiados. Não apenas atentava contra o jornalismo como era ineficiente.
Uma análise das manchetes atuais dos principais jornais mostra que no plano real continua a parcialidade mas agora ao menos persegue-se a imagem da (falsa) imparcialidade. Com isso os jornais ganham mais eficiência em relação à escatologia de 2010.
Por exemplo, a ideia da neutralidade e do apuro técnico não bate com a insistência dos jornais de que a Petrobras pagou US$ 1,2 bilhão pela refinaria. Mas a tese pegou. Ao contrário dos falsários que distribuíam dossiês inverossímeis a torto e a direito, que eram imediatamente acolhidos pela velha mídia.
Hoje em dia, na cobertura da pesquisa Datafolha, por exemplo, é possível pescar uma manchete aqui e ali informando que, apesar da queda, Dilma venceria no primeiro turno. As próprias críticas que a gestão Geraldo Alckmin vêm recebendo dos jornalões paulistas é sinal dessa tentativa ansiosa de recuperar a credibilidade. Critica-se Alckmin para ganhar força na hora de criticar Dilma.
Os novos leitores
Discordei da tese do professor Rebouças, sobre a falta de interesse na notícia, por parte das novas gerações. Creio que nunca houve tanto interesse desde os idos dos anos 1960. Só que agora a porta de entrada são as redes sociais, sem a hierarquização editorial conduzida na edição das páginas de jornais.
O grande poder remanescente do jornalismo impresso é a primeira página e as primeiras páginas das editoriais, ao definir as manchetes principal e secundárias. Através da edição define-se para o leitor médio o que é relevante ou não.
Nas redes sociais o quadro muda. As pessoas compartilham nos seus perfis, livremente, sem se submeter à hierarquização imposta pela redação.
Não se trata de mudança banal, mas de algo que impacta diretamente a influência dos grupos de mídia na opinião pública.