No
dia 2 de julho de 1948, Monteiro Lobato concedeu à rádio Record aquela
que seria a última entrevista de sua vida, a qual encerrou com as
palavras: “O Petróleo é Nosso”! Dois dias após, “O
Repórter Esso”, na voz de Herón Domingues, anunciou a morte de um grande
brasileiro, desses que surgem poucos a cada geração: “E agora uma
notícia que entristece a todos: acaba de falecer o grande escritor e
patriota Monteiro Lobato!”
Monteiro
Lobato, nascido em Taubaté em 1882, falecia aos 66 anos de idade; o
corpo foi velado na antiga Biblioteca Municipal de São Paulo e em seu
cortejo fúnebre, que seguiu a pé até o Cemitério da Consolação, havia
mais de dez mil pessoas a quais cantavam o Hino Nacional. Compreendiam
que Monteiro Lobato representou a seu modo o ímpeto pioneiro, renovador,
criador de tantas iniciativas fecundas e ousadas, aventuras pessoais ou
coletivas, que formatariam o Brasil moderno.
Advogado
sem vocação, seu primeiro emprego foi o de promotor público na cidade
de Areias. Depois, teve sua experiência como fazendeiro, quando suas
inovações agropecuárias demonstraram-se desastrosas; no entanto,
“enquanto o fazendeiro se enterra, o escritor se levanta”, diz seu
biógrafo Edgard Cavalheiro, porque os melhores “frutos da fazenda” foram
os livretos Jeca Tatu (1919) e Urupês (1918).
Esses
coincidiram com a greve geral de 1917/18, e com a onda de
reivindicações operárias que se alastrou por todo o país até os anos 20,
e expressavam literariamente os novos anseios populares. No pequeno
volume de Jeca Tatu havia uma jóia rara se revelava no
propósito do autor de que o conto infantil fosse “um instrumento claro
de luta contra o atraso cultural de nosso país, contra a miséria e o
conservantismo corrupto e corruptor”. Urupês, por seu lado,
“era um brado de revolta que não se ouvia desde os Sertões de Euclides
da Cunha”, no entender de Astrojildo Pereira.
Seguidor de Figueiredo Pimentel, o brilhante autor de “Contos da Carochinha“,
Monteiro Lobato ficou popularmente conhecido pelo conjunto educativo de
sua obra infanto-juvenil, constituindo aproximadamente a metade da sua
produção literária.
O
êxito dos primeiros contos impulsionou o homem empreendedor a investir
com todas as suas forças no mercado editorial. Em uma época em que os
livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, Monteiro Lobato
tornou-se editor, passando a produzir livros no Brasil. Dentro de pouco
tempo as edições da Monteiro Lobato e Cia. dominavam o
mercado livreiro brasileiro. O voo, entretanto, fora alto demais. Sem
nenhum apoio governamental, as grandes oficinas gráficas não suportaram a
dificuldade de financiamento e a crise energética que se abatia sobre o
Brasil. Lobato enfrentou dignamente a falência de sua Editora em cujos
alicerces ele plantaria os da Companhia Editora Nacional.
É
depois da primeira experiência com uma editora que ele deixa São Paulo e
muda-se para o Rio de Janeiro, onde segue a carreira de escritor.
Em
1927, Lobato realiza um velho sonho: é nomeado adido comercial nos
Estados Unidos. Os quatro anos que passará na América do Norte
constituirão uma descoberta e um deslumbramento para o caipira de
Taubaté: vê o gigantesco progresso americano e o compara com a nossa
lentidão colonial. Ao voltar, trará planos grandiosos de salvação
econômica para o Brasil. O primeiro deles é a Campanha do Ferro: é preciso “ferrar o Brasil”. A próxima, ainda mais ampla, será a Campanha do Petróleo.
Nos
anos 30 havia interesse oficial em se dizer que no Brasil não havia
petróleo. Monteiro Lobato aliava a literatura e a predica a atitudes
concretas. Na contramão dos interesses dominantes, fundou a Companhia Petróleos do Brasil,
e graças à grande facilidade com que foram subscritas suas ações,
inaugurou várias empresas para fazer perfuração, sendo a maior de todas
elas a Companhia Mato-grossense de Petróleo (em 1938), que visava
realizar perfurações quase junto à fronteira com a Bolívia, cujo governo
nacionalista já encontrara seu ouro negro.
Em dois livros, Ferro (1931) e O Escândalo do Petróleo
(1936), o escritor documenta os lances dramáticos da duríssima batalha
que teve que travar contra a “carneirada” e contra os “moinhos de
vento”, movido unicamente pelo afã de prover o Brasil de uma indústria
petrolífera independente. O último livro esgotou várias edições em menos
de um mês. Aturdido, o governo de Getúlio Vargas, o qual era acusado de
“não perfurar e não deixar que se perfure” proibiu O Escândalo do Petróleo
e mandou recolher todos os exemplares disponíveis, naquilo que seria o
primeiro lance da longa sequência de escândalos envolvendo o ouro negro
brasileiro, que prosseguem até os dias de hoje.
A
empolgação de Lobato fez com que ele percorresse todo o país em busca
de apoios; a guerra que lhe moveram os governantes, os burocratas e
sabotadores dos interesses pátrios, terminou por deixá-lo pobre, doente e
desgostoso e, até mesmo, levá-lo ao Presídio Tiradentes, onde como
preso político foi confinado por seis meses, naquela mesma cela do
Pavilhão n.1, pela qual passariam tantos presos da ditadura militar de
1964.
O
certo é que com admirável sentido de luta, Monteiro Lobato conseguiu
sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os
caminhos de sua emancipação econômica, lutas que se aprofundariam após a
sua morte e que redundaram na fundação da hoje A Petróleo Brasil S/A (Petrobras),
empresa criada em 1953, na fase populista do então presidente Getúlio
Vargas, impulsionada pela campanha popular iniciada em 1946, sob o
slogan de “o petróleo é nosso”.
Mas
voltemos a Monteiro Lobato escritor da maior parte das histórias
infantis nacionais. Além de Narizinho Arrebitado, uma edição inicial de
cinquentaenta mil exemplares no ano de 1921, outras tão importantes ou
mais foram: Reinações de Narizinho (1931), Caçadas de Pedrinho (1933) e O Pica-pau Amarelo (1939). Os Trabalhos de Hércules concluem uma saga de trinta e nove histórias e quase um milhão de exemplares em circulação.
Nesses
trabalhos Lobato criou personagens inesquecíveis, que se incorporaram
para sempre ao folclore brasileiro. Emília, a boneca de pano com
sentimento e ideias independentes; Pedrinho, personagem com que o autor
se identifica quando criança; Visconde de Sabugosa, a espiga de milho
com consciência e atitudes de adulto; Cuca, a vilã. O folclore do Saci
Pererê encontrou sua maior divulgação literária no autor de Reinações de
Narizinho.
Lobato foi traduzido para diversas línguas como francês, italiano, inglês, alemão, espanhol, japonês, árabe e iídiche.
Em
1926, Lobato concorreu a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, mas
acabou derrotado. Era a segunda vez que isso acontecia. Na primeira
vez, em 1921, iria concorrer à vaga de Pedro Lessa, mas desistiu antes
da eleição, por não querer fazer as visitas de praxe aos acadêmicos para
pedir seus votos. Desta vez, estava concorrendo à vaga do renomado
jurista João Luís Alves. Na primeira, recebera um voto no terceiro
escrutínio, e, na segunda, dois votos no quarto.
Digno
de nota é que Lobato ainda sofreu crítica, censura e perseguição por
parte da Igreja Católica. O influente padre Sales Brasil, na primeira
fila do reacionarismo da guerra fria, denunciará o livro História do
Mundo Para Criança como sendo o “comunismo para crianças”.
Lobato também provocou outros tipos de polêmicas. Quando publicou Paranóia ou Mistificação,
a famosa crítica desfavorável à exposição de pintura de Anita Malfatti
(na Semana de Arte Moderna de 1922), muitos modernistas passaram a
tachá-lo de reacionário, com a notável exceção de Mário de Andrade. Na
realidade, a crítica de Lobato era direcionada aos “ismos europeus”:
cubismo, futurismo, dadaísmo, surrealismo, que ele denominava de
“colonialismos”, “europeizações”, da mesma raiz do “academicismo da
geração anterior”. Lobato era a favor de uma arte autenticamente
brasileira, autóctone.
É
bem verdade que a obra literária de Lobato da década de vinte continha
preconceitos raciais e eugênicos. Ele acreditava que a miscigenação fora
um fator prejudicial na formação do povo brasileiro. Seu livro, O Presidente Negro (1926), descreve um conflito racial de um tempo futuro, após a eleição de um negro para a presidência dos EUA.
Posteriormente,
com sua aproximação ao comunismo, essa faceta “eugênica” se desfaria.
Monteiro Lobato sempre se declarou, corajosamente, simpatizante da
Revolução Soviética; diz o seu biógrafo que “ele ansiava por um
socialismo difuso, meio anárquico, meio romântico”. “Não possuía,
entretanto, nenhum gosto pela especulação doutrinária e por isso, jamais
foi homem de partido, militante político”. Seu contato maior com os
comunistas ocorreria a partir de 1941, após o período de confinamento no
Presídio Tiradentes, durante a ditadura de Vargas.
Empolgou-se
com a luta antinazista da União Soviética na Segunda Guerra Mundial e
suas conquistas e vitórias nos campos das ciências, da educação. Jamais
escondeu sua admiração e estima por Luiz Carlos Prestes e o fazia de
modo aberto, a quem lhe perguntasse. Em 1945, no famoso comício do
Pacaembu enviou a Prestes uma das mais lindas e humanas saudações.
Quando, em 1947, levanta-se uma nova onda de calúnias direitistas e
perseguições políticas, de sua pena nascerá a história de Zé Brasil,
panfleto que percorreu o país de norte a sul, acusando o Presidente
Dutra de implantar no Brasil uma nova ditadura: o “Estado Novíssimo”.
Sua
visão sobre a problemática social ele a resumiria, já sexagenário, da
seguinte maneira: “A nossa ordem social é um enorme canteiro em que as
classes privilegiadas são as flores e a imensa massa da maioria é apenas
o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo. Nasci
na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi da miséria
silenciosa nos campos e nas cidades me força a repudiar uma ordem social
que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra
qualquer mudança.”
Monteiro
Lobato foi um dos homens mais íntegros e corajosos que já viveram neste
país, um intelectual “à moda antiga”, daqueles que passados quase um
século a nossa pobreza ética e intelectual ainda se ressente.
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