A arena de combates do impeachment e o Brasil jogado aos leões. Entrevista especial com Rudá Ricci

“Estamos
vivendo uma aventura política, e isto tem que ficar nítido, liderada
pela pior geração de políticos da história de nossa República”, frisa o
professor.
Em entrevista à IHU On-Line por e-mail, Ricci
analisa o contexto político do Brasil nos últimos dias em perspectiva
com acontecimentos anteriores. Para o professor essa crise política teve
origem em uma mudança de estratégia governamental, que acabou gerando
lacunas para o fortalecimento das forças oposicionistas. “O processo só
prosperou em virtude do pacote econômico de natureza monetarista,
ultraconservador, que rompeu com a ‘aliança tácita’ que a inclusão pelo
consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre”, explica.
Segundo o professor,
esse movimento de busca da destituição do poder da presidente,
independentemente dos resultados que virão, só trará prejuízos ao país.
“Teremos que amargar com esta crise por mais dois anos e a luta
fratricida que se seguirá. Não haverá pacto nacional, pacto de salvação
nacional ou algo que o valha, seja lá quem sair vitorioso deste processo
de impeachment. Todos sairão com feridas profundas”, alerta.
Rudá Ricci
é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma
instituição. Atualmente é diretor geral do Instituto Cultiva, professor
do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola
Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. È autor de
Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.
Confira a entrevista.
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| Foto: twitter.com/rudaricci |
Rudá Ricci
- Um leilão. É o baixo clero tendo seus 15 minutos de fama. Os
partidos políticos estão esfacelados. E é o baixo clero do PMDB que vai
comandar a festa nesta primeira fase de abertura do processo de
impeachment (comissão especial e, se evoluir, plenário da Câmara). Será
um toma-lá-dá-cá que pode durar todo primeiro semestre de 2016. E
sangrará o país e nossa economia durante todo este tempo. A fatura por
este desatino tem que cair no colo do PSDB, DEM e PPS.
IHU On-Line - Como avalia a decisão do STF em suspender a instalação do processo de impeachment e quais os desdobramentos disso?
Rudá Ricci
- Não há o que avaliar sobre uma decisão do judiciário. Mesmo porque,
não é julgamento do mérito. Mas, evidentemente, freou o "já ganhou" que a
oposição à direita esboçava. Mesmo que momentaneamente.
IHU On-Line - Como interpretar todo o episódio de aceitação do pedido de impeachment? O que se projeta daqui para frente?
Rudá Ricci -
Um desgaste progressivo do governo Dilma Rousseff. O processo só
prosperou em virtude do pacote econômico de natureza monetarista,
ultraconservador, que rompeu com a "aliança tácita" que a inclusão pelo
consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre. Dilma
rompeu com este compromisso e está levando o PT para o abismo. Enfim,
por erro grosseiro do governo federal, temos o atual estágio do jogo
político.
por erro grosseiro do governo federal, temos o atual estágio do jogo
político.
IHU On-Line - Quem são e como se articulam os atores desse cenário político de hoje?
Rudá Ricci
- O principal ator político é o PMDB. Na verdade, os PMDBs. Temos, ao
menos, quatro partidos em um só: o de Renan, o de Temer, o de Eduardo
Cunha e o baixo clero que se movimenta ao sabor dos ganhos de momento.
Os três primeiros tentam compor e recompor a base, mas é o baixo clero
que joga objetivando fortalecer sua base eleitoral que estará em campo
no próximo ano. PSDB é coadjuvante neste momento. E DEM e PPS, assim
como PSB, PTB e outros partidos menores, coadjuvantes dos coadjuvantes. O
PT está totalmente acuado e, possivelmente, sofrerá defecções
importantes a partir de 2016. Deve se tornar um partido médio depois das
eleições municipais, perdendo o posto que tem na tríade hegemônica do
sistema partidário (juntamente com PMDB e PSDB). Já as organizações
sociais não conseguem atingir a base eleitoral dos deputados federais de
tal sorte que não alteram o jogo na Corte como fizeram no passado.
Enfim, o PMDB é o principal ator e no seu interior é que os principais
atores se articulam, se traem e se rearticulam diariamente.
IHU On-Line -
Como entender a relação entre PMDB e PT, desde a aliança eleitoral até a
carta de Michel Temer a Dilma Rousseff? Como compreender o pedido de
impeachment no contexto de um governo como dito de coalização?
Rudá Ricci
- Foi uma aliança de conveniência. Lula sempre se opôs ao PMDB de
Quércia e de Temer. E o PMDB nunca foi confiável para nenhum governo
porque ele mesmo não consegue eleger um Presidente da República em
função das traições internas. Explico: como se trata de um
partido-federação, forjado a partir de lideranças regionais, nenhuma
dessas lideranças deseja o desequilíbrio da eleição de um deles como
Príncipe, de tal maneira que estaria acima de todas as regiões. Assim,
em toda eleição, o PMDB se divide entre a força situacionista
majoritária e a força oposicionista majoritária. Nem mesmo Temer tem
confiança em seu partido como um todo. Tanto que levou um drible curto
de Picciani, que também driblou seu ex-aliado, Eduardo Cunha, que tenta
trazer Temer e Renan para seu lado pela chantagem, e assim,
sucessivamente, como a poesia de Drummond sobre a ciranda/quadrilha de
amores perdidos. Como o PT, no último período, se aproximou do estilo
peemedebista de gerir interesses internos, a confusão é que preside os
acordos desde então.
IHU On-Line -
De que forma analisa as estratégias do governo e da oposição? Como se dá
e o que está por trás, nesse cenário de articulações pró e contra
impeachment?
Rudá Ricci
- O Brasil está entregue ao baixo clero da Câmara dos Deputados, como
já afirmei. Dilma só reagiu com certa inteligência nos últimos dez dias,
apresentando muitas forças sociais anti-impeachment, articulação de
juristas e tentando cindir o PMDB a partir do baixo clero. Mas demorou, e
muito, para reagir. Imagino, inclusive, que esta reação não veio dela
propriamente, mas de algum núcleo estrategista que pode ter envolvido
gente do calibre de Jacques Wagner ou Franklin Martins. A questão é se
reagiu com tempo suficiente para virar o jogo. Já a oposição está
dividida e é pouco inteligente. Só sabe agir na Corte (o palco das
disputas neste momento do processo de impeachment), com exceção da ala
oposicionista do PMDB, ágil e objetiva. O PSDB é um partido sem programa
e sem habilidade política. Diria que é um partido livresco, acadêmico,
com muita teoria e muitos conselhos a dar (como os conselhos diários de
Fernando Henrique Cardoso), mas que pouco sabe se movimentar no
dia-a-dia do jogo político.
IHU On-Line - O que a ameaçada de impeachment ensina para a esquerda nacional, em especial ao PT?
Rudá Ricci
- Primeiro, que a conciliação de interesses não interessa à classe
média tradicional sulina e setores do empresariado. Há uma forte cultura
reacionária focada numa cultura estamental, que refuta que recursos
públicos sejam canalizados para a promoção social. Utilizam o frágil
argumento da meritocracia para afirmar que os seus privilégios são fruto
de seu esforço pessoal. Não são afeitos à noção de justiça equitativa.
De outro lado, não se indica uma neófita política, como Dilma Rousseff,
para um cargo tão alto, à sombra de um líder carismático. Estamos no
topo do ecossistema econômico mundial. Dilma tem perfil tecnocrata e
nunca soube negociar com nenhuma força social coletiva. Finalmente, em
países com forte desigualdade social, atrair entidades de mediação para o
interior do Estado (como pastorais sociais, Organizações Não
Governamentaiss e sindicatos) é apostar na orfandade das ruas. A adoção
da política econômica monetarista no início deste ano destruiu todo
vislumbre de política estratégica que o lulismo havia esboçado. Agora,
estamos ao sabor da queda do PIB, do aumento do desemprego e da volta à
pobreza.
IHU On-Line -
Como aparecem e como compreender as movimentações para as eleições 2016
nesse episódio do pedido de impeachment e para as eleições presidências
de 2018?
Rudá Ricci
- Imagino que o país sairá mais plural, do ponto de vista partidário,
das eleições municipais. O PSOL deve crescer em Porto Alegre e Rio de
Janeiro. O PT deve se encolher aos Estados nordestinos e Minas Gerais. O
PMDB deve permanecer grande. Fica a dúvida sobre PSB (que vinha
crescendo constantemente), Rede (que oscila a partir das desventuras de
sua figura maior, Marina Silva) e PSDB (que está encolhido, neste
momento, a São Paulo).
IHU On-Line - O que se pode esperar para o Brasil no primeiro semestre de 2016, em termos políticos e econômicos?
Rudá Ricci
- Uma crise econômica quase similar a este ano (queda de 2,5% do PIB
que já terá sido reduzido em 3% neste ano). E queda de 1,5% do PIB em
2017. Teremos, contudo, Olimpíadas e eleições municipais, que podem
alterar um pouco o debate público a partir de junho ou julho. Mas será a
economia que contaminará os ânimos. No mais, o vencedor do processo de
impeachment levará as batatas: se Dilma, governará com uma margem de
manobra no Congresso ainda menor do que a atual; se a oposição, assumirá
o papel de algoz da economia popular. Quem governar o país ao final do
processo de impeachment dificilmente estará fortalecido em 2018.
IHU On-Line -
Nesse cenário atual, como ficam as discussões e qual a importância de
retomar o debate acerca da reforma política? E que reforma política
emerge?
Rudá Ricci
- A reforma política foi destruída pelo PT (aqui, a Presidente Dilma
não tem culpa) e pela oposição liderada pelo PSDB. Neste momento,
trata-se de uma sugestão que aparece como prato requentado para a
opinião pública. Teremos que retomar esta agenda começando do início,
como se nunca tivesse se apresentado como alternativa.
IHU On-Line -
Vislumbra a possibilidade de um novo pacto federativo? Sim ou não e
entorno de quem? Do vice-presidente? Ele representa hoje o que
representou Itamar no impeachment de Collor?
Rudá Ricci
- Não há pacto federativo algum em momento de crise econômica com a
dimensão que a recessão atual se impôs. Estamos mais próximos da
situação da Grécia que dos Estados Unidos. Teremos que amargar com esta
crise por mais dois anos e a luta fratricida que se seguirá. Não haverá
pacto nacional, pacto de salvação nacional ou algo que o valha, seja lá
quem sair vitorioso deste processo de impeachment. Todos sairão com
feridas profundas. Estamos vivendo uma aventura política, e isto tem que
ficar nítido, liderada pela pior geração de políticos da história de
nossa República.
Por João Vitor Santos, Patrícia Fachin e Leslie Chaves

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