O fato político mais relevante de 2015
"Exatamente
por ser a escola pública nossa propriedade coletiva, não cabe a adoção,
de cima pra baixo, de políticas que impactam na sua existência,
funcionamento e dinâmica, sem qualquer diálogo com a sociedade e,
especialmente, com aqueles que vivenciam seu cotidiano: estudantes,
professores e funcionários", escreve Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-12-2015.
Eis o artigo.
Operação Lava Jato? Contas do Eduardo Cunha na Suíça? Processo de impeachment da presidente Dilma? Carta do vice-presidente Michel Temer?
Nenhum desses é o fato político mais relevante de 2015. A meu ver, 2015
entra para a história política especialmente pela vitoriosa mobilização
dos estudantes secundaristas de São Paulo contra o projeto de reorganização das escolas que o governo Alckmin tentou implementar, que, entre outras medidas, fecharia 90 escolas estaduais.
Durante quase um mês,
estudantes do ensino médio promoveram ocupações em mais de duzentas
escolas e realizaram diversas manifestações públicas nas ruas, sendo
violentamente reprimidos pela polícia. Com amplo apoio não apenas de
familiares e de setores ligados à área educacional, mas também da
população em geral, a mobilização estudantil finalmente
levou o governador a recuar da proposta, revogando, no último dia 5, o
decreto da reorganização das escolas. No mesmo dia, o secretário de
educação entregou sua carta de demissão.
A vitória dos estudantes é o fato político mais importante de 2015 especialmente por três razões. Em primeiro lugar,
porque revela o que o imaginário dominante sobre a escola pública
oculta: o profundo vínculo dos estudantes com esse espaço. Esse
sentimento de pertencimento que a mobilização dos estudantes expressa
contraria o discurso hegemônico que costuma resumir a escola pública à
ideia de falta de qualidade e a lugar de violência, depredação e
abandono. O que testemunhamos neste mês de mobilização foram justamente
diversas das qualidades que estão presentes neste lugar.
Segundo,
porque no momento em que ocupam um espaço público como a escola,
reclamando a necessidade imperiosa de participação ativa nas decisões
sobre seu destino, esses estudantes estão afirmando que os espaços
públicos não são propriedade privada nem de governos, nem de políticos,
mas sim propriedade coletiva dos cidadãos. Por isso não tem cabimento
classificar de invasão a ação dos estudantes, como fez sistematicamente o
governador. Trata-se, mais propriamente, da ocupação de um espaço que
já é deles, e justamente para esclarecer a natureza do que é público, já
que muitas vezes governantes e gestores se esquecem disso.
Exatamente por ser a
escola pública nossa propriedade coletiva, não cabe a adoção, de cima
pra baixo, de políticas que impactam na sua existência, funcionamento e
dinâmica, sem qualquer diálogo com a sociedade e, especialmente, com
aqueles que vivenciam seu cotidiano: estudantes, professores e
funcionários.
A terceira razão
é que, diante do cenário catastrófico do mundo político brasileiro
atual, jovens com idade entre 15 e 18 anos, em média, dão ao país uma
esperança, mostram uma luz no fim desse túnel macabro em que nos
encontramos. Essas meninas e meninos estão dando uma verdadeira aula de
organização, mobilização e, especialmente, de ressignificação das noções
de "público" e de "democracia", ao se
apropriar do que é comum, ao exercer formas horizontais e amplas de
tomada de decisão, enfrentando a tecnocracia, a discriminação e o
autoritarismo, marcas pesadas de nossa organização social e política.
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