Não é hora de pagar para ver!
Marcelo Auler
Convém lembrar que as fontes de Guimarães, em fevereiro passado, anunciaram que Lula seria um dos alvos da 24ª fase da Operação Lava Jato. O anúncio ocorreu na sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016, na matéria Confira prova de que Lava Jato e mídia formam uma polícia política.
A operação desencadeou-se uma semana depois, na sexta-feira, 4 de março. Mais do que a quebra do sigilo fiscal e bancário de toda a família do ex-presidente e os mandados de busca e apreensão na casa deles e no Instituto Lula, a operação incluiu um mandado de condução coercitiva para que a Polícia Federal levasse o ex-presidente de qualquer jeito. Não para uma delegacia qualquer, nem para a mais próxima de sua casa, em São Bernardo. Foi para a do aeroporto de Congonhas. Tudo com ampla cobertura da imprensa, comunicada com antecedência.
O objetivo, como se deduziu após todo o ocorrido, não era apenas ouvi-lo. Afinal, como já acontecera, se quisessem interrogá-lo, bastava intimá-lo para comparecer a uma dependência policial ou mesmo interrogá-lo em sua própria casa. Na verdade, pretendiam prendê-lo, sem resistência, e levá-lo para Curitiba. O avião da polícia já estava a postos. Só não aconteceu por dois fatores inesperados: uma reação popular que levou ao aeroporto uma multidão de fãs e simpatizantes do ex-presidente e a inesperada intervenção de um oficial da Força Aérea Brasileira, que respeita o Estado Democrático de Direito. A propósito, vem a calhar a releitura da coluna O plano obscuro, de Janio de Freitas, publicada na Folha de S. Paulo em 10 de março passado.
O crescente radicalismo da Operação Lava
Jato, já criticado mas jamais impedido pelos tribunais superiores, nos
leva a admitir que realmente estejam planejando prender Lula, símbolo
maior do petismo. Ao que parece, os operadores da Lava Jato imaginam que
levar o líder operário e ex-presidente da República para a custódia da
Polícia Federal em Curitiba ou para o presídio de Pinhais será o marco
da luta contra a corrupção no país. O exemplo maior. O troféu daqueles
que se empenham em “moralizar a coisa pública”. Ainda que para isso
estejam forçando a barra, atropelando leis e a Carta Magna. Como fizeram
ao divulgar conversas telefônicas de uma presidente da República sem
autorização do Supremo.
Convém lembrar que a prisão temporária é
prevista quando da necessidade de facilitar a investigação. Não se
encaixa no caso de Lula, pois a investigação vem sendo feita com a
própria ajuda dele, que jamais se negou a comparecer quando convocado.
Já a prisão preventiva é para garantir a ordem pública, garantir as
provas ou garantir a execução da pena, como reza o artigo 312 do Código
de Processo Penal. Em qual destas hipóteses pretendem enquadrar Lula
para justificar seu encarceramento? Fuga? Pressão sobre testemunha?
Prática continuada de crime? No fundo, o que transparece mesmo é o que
informou Eduardo Guimarães ao anunciar a possibilidade da prisão
iminente de Lula:“Os golpistas consideram que haverá uma comoção pública com as medidas de supressão de direitos e eliminação de programas sociais que vêm por aí e, nesse contexto, o recall de Lula ressurgirá com força inaudita.
Este momento está sendo considerado ideal para prender Lula porque a maioria da sociedade ainda está com muita raiva do PT e essa raiva tende a se diluir conforme for ficando claro que o golpe foi dado para tomar do povo os benefícios dados justamente pelo PT“.
Outra explicação plausível está no artigo que o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite publicou na Folha de S.Paulo – Desvendando Moro –
que tanto desagradou ao juiz da Lava Jato. A ponto de ele se sentir no
direito não de contestar o que disse o professor, mas de reclamar
por o jornal ter dado espaço a críticas que o atingiram e que considerou
“sem base empírica”. “O que isso quer dizer, não se sabe”, replicou
neste domingo, na própria Folha, Elio Gaspari: Contrariedade de Moro revela que há algo de Savonarola no seu sistema:
Moro talvez não saiba, mas em 1978, quando ele tinha apenas seis anos de idade, Cerqueira Leite já pertencia ao Conselho Editorial do jornal. E lutava pela volta do Estado Democrático de Direito. O mesmo que hoje Moro parece desprezar.
O inexplicável é a Folha de S. Paulo responder a Moro apenas com uma nota de redação totalmente desnecessária: “Os
artigos publicados na página Tendências/Debates não traduzem a opinião
do jornal, que é expressa nos editoriais sem assinatura da pág. A2“.
O que se esperava é que o jornal, que no final da
década de 70 e início dos anos 80 se posicionou firmemente a favor da
democracia, reafirmasse que acolhe todos os tipos de pensamentos e
opiniões em nome da pluralidade democrática e, principalmente, do
interesse do seu leitor. Isto, sem dúvida, seria dito se vivo fosse
Otávio Frias, o pai.
No artigo, Cerqueira Leite destaca o que seria um
componente da personalidade do juiz paranaense: “O sentimento
aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é
superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de
dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de ‘síndrome do
escolhido'”. Em seguida, acrescenta:
“Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT”.
Em seguida, o físico fez um alerta que, para Moro, foi uma incitação à violência contra ele:
“Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes. Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira“.
Longe de ser uma sugestão para que a população ataque
fisicamente o magistrado, o alerta mostra que todo o apoio recebido
por Moro e seus pupilos da “República de Curitiba” corre o risco de
corrosão se, em nome do combate à corrupção, eles continuarem
achando que todos os métodos são válidos e permitidos, mesmo os ilegais.
Ou mesmo quando o próprio Moro começa a ser
desnecessário àqueles que foram seus aliados até hoje, como previu o
físico. Por incrível que pareça, isso fica patente no editorial que –
quem diria? – a revista Veja publicou na edição deste sábado (15/10), como descreve o site Consultor Jurídico: Em editorial, Veja diz que autoridades jurídicas têm poder demais. Diz o editorial:
“É desnecessário dizer que o físico — e o padeiro, o músico, o banqueiro — tem direito de fazer as críticas mais ácidas à atuação de uma autoridade pública, ainda que a autoridade em questão seja o juiz Moro, cujo trabalho reacendeu a esperança nacional no fim da histórica impunidade em relação aos crimes dos fortes.Seria o caso de perguntar ao editorialista da revista porque isso não lhe ocorreu diante de outras ilegalidades da Lava Jato, como o caso do grampo na cela de Youssef, cuja investigação continua misteriosamente escondida.
Toda autoridade precisa ser vigiada, contida nos excessos, precisa saber ouvir críticas, servir a quem lhe paga o salário. O único agente público que pode desfrutar de muito poder é o povo. Atribui-se a Thomas Jefferson (1743-1826) afirmação que ele possivelmente nunca fez, mas cujo conteúdo é oportuno lembrar: quando o povo teme o governo, há tirania; quando o governo teme o povo, há liberdade”.
Mas, ao que parece, Moro já começou a ser queimado na fogueira prevista por Cerqueira Leite, visto que até aqueles que o apoiavam avidamente começam a questionar seus métodos e suas teses.
O que hoje é uma crítica em editorial da revista que sempre o paparicou, amanhã poderá se tornar em algo mais grave, caso ele venha a concretizar a prisão de Lula, sem ter motivos legais para isso, ou até mesmo tendo. Como mostrou o JornalGGN de Luiz Nassif em Movimentos sociais prometem protesto em Curitiba contra prisão de Lula, a partir de notícia do site Brasil 247:

Movimentos
sociais se mobilizam na defesa de Lula. A prisão do líder petista
poderá ser a gota d’água que está por cair há algum tempo. Por favor,
não entendam como provocação, nem como convocação, mas sim como um
alerta a ser considerado.
“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está em alerta para deflagrar protestos na região sul do País, caso o juiz federal Sérgio Moro decrete a prisão de Lula. Os integrantes do movimento farão uma marcha rumo a Curitiba em caso de detenção de Lula.João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST, disse que os movimentos planejam uma “resistência” à eventual prisão do ex-presidente. ‘Em caso de prisão, deflagraremos uma marcha até Curitiba. Não vamos permitir esse clima de fato consumado.’ A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também deve endossar os atos em defesa de Lula”.
Diante de uma prisão meramente política
(já que não há notícia de que Lula tente fugir do país, pressione
testemunha ou esteja cometendo crimes neste momento), pode-se imaginar
as possíveis reações dos movimentos sociais. Percebe-se que há um clima
pesado e que os próprios aliados de Moro e de seus pupilos na “República
de Curitiba” começam a levantar dúvidas sobre seu modo de agir.
Agora, às 21H00 de domingo (16/10) já há uma multidão se aglomera na porta da casa de Lula, como noticia o Brasil 247: CONTRA PRISÃO DE LULA, MAIS DE MIL PESSOAS FAZEM VIGÍLIA EM SÃO BERNARDOTemos ainda o exemplo do “Fora Temer”, que o presidente que ocupa o cargo graças a um golpe chegou a anunciar que era um manifestação de 40 pessoas, “no máximo”. Estamos vendo que não. O país está dividido, todos sabem. Não se discute que o combate à corrupção deve prosseguir, mas não pode ser seletivo. Tampouco pode se transformar em perseguição política a esta ou aquela sigla, como há muito parece acontecer. Mais ainda, as autoridades devem, acima de tudo, respeito às leis e à Constituição. Não é hora de pagar para ver!


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