quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

COVID - 19: Brasil, capacho das nações ricas.

 


JAMIL CHADE

ONGs dizem que Brasil se recusou a receber petição; diplomatas contestam

2.fev.2021 - Em Nova Déli e Pretória, mais de 200 entidades lançam campanha para pressionar Brasil a mudar postura sobre patentes de vacinas  - Divulgação/Médicos Sem Fronteiras
2.fev.2021 - Em Nova Déli e Pretória, mais de 200 entidades lançam campanha para pressionar Brasil a mudar postura sobre patentes de vacinasImagem: Divulgação/Médicos Sem Fronteiras
Jamil Chade

Colunista do UOL

04/02/2021 06h14

RESUMO DA NOTÍCIA

  • Entidades de pacientes, cientistas, pesquisadores, religiosos e ativistas não conseguiram entregar documento para Itamaraty
  • Ato ocorreu na África do Sul; mesma carta de protesto foi submetida aos países europeus
  • Brasil é contra a proposta de indianos e sul-africanos de quebrar patentes de vacinas contra a covid-19

Entidades de pacientes, médicos, ativistas, religiosos e pesquisadores afirmam que a embaixada do Brasil na África do Sul se recusou a receber uma carta na qual mais de cem organizações protestavam contra a atitude do Itamaraty de vetar a quebra de patentes de vacinas contra a covid-19.

Já a diplomacia brasileira garante que recebeu o documento e que, imediatamente, submeteu o texto para Brasília e para a missão do Brasil diante da OMC.

Brasília, ao lado de países ricos, vem bloqueando uma proposta da Índia e África do Sul para suspender as patentes de vacinas e permitir que o imunizante seja produzido em sua versão genérica. Sem a patente, vacinas poderiam ser produzidas por laboratórios em outras partes do mundo, acelerando o acesso dos produtos a milhões de pessoas e por preços mais baixos.

Nesta quinta-feira, uma reunião fechada na OMC (Organização Mundial do Comércio) em Genebra (Suíça) voltará a debater o tema. O encontro ocorre no mesmo momento em que a Federação Internacional da Cruz Vermelha revela que apenas 0,1% das doses até hoje distribuídas foi destinada aos 50 países mais pobres do mundo. Já os 50 países mais ricos do mundo ficaram com 70% de todas as vacinas até agora aplicadas.

O projeto de democratizar as vacinas conta com uma forte rejeição por parte dos países ricos, detentores das patentes. O Brasil, desde o começo do projeto, foi um dos únicos países em desenvolvimento a declarar abertamente que era contra a proposta, abandonando anos de liderança internacional para garantir o acesso a remédios aos países mais pobres.

Na esperança de reverter o posicionamento internacional do Brasil, foi lançada nesta semana uma campanha liderada pela sociedade civil. Cartas foram entregues aos embaixadores dos países que impedem que o projeto possa caminhar. No documento, as entidades alertavam que a postura do governo brasileiro é "insustentável e autodestrutiva".

A mesma carta foi entregue às embaixadas dos países europeus, Canadá e EUA. Mas, de acordo com o grupo, a embaixada do Brasil na África do Sul se recusou a receber o documento.

O ato teve a participação da entidade Médicos Sem Fronteira, mas também contou com organizações como a AIDS Foundation of South Africa, Anglican Church of Southern Africa, Cancer Alliance, Eluthandweni Maternity Health Services, Health Justice Initiative, Lameze Abrahams Psychologists, The Desmond Tutu Health Foundation e entidades de enfermeiras.

"A proposta de renunciar às patentes vem em um momento crítico da pandemia, buscando enfrentar estes desafios", defenderam as entidades no documento.

Na avaliação dos grupos, a suspensão das patentes permitiria que governos possam tomar medidas para "evitar monopólios que atrasam a fabricação doméstica, o acesso e custam vidas".

"Até hoje, mais de 100 países acolhem ou apoiam a proposta de alguma forma. Cerca de 400 organizações da sociedade civil globalmente e organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde, UNAIDS, UNITAID e a Comissão Africana de Direitos Humanos exortaram os governos a apoiar a proposta de derrogação com urgência", constatam.

"No entanto, em vez de demonstrar solidariedade global na luta contra a pandemia, apoiando a proposta de renúncia, um pequeno grupo de membros da OMC optou até agora por não apoiar a iniciativa", disseram. "Diante de tal crise, a oposição do Brasil é insustentável e autodestrutiva", atacam.

Aids como exemplo

Para as entidades, o Brasil precisa levar em conta o exemplo do que ocorreu no combate à Aids. Segundo eles, no final do século passado, os monopólios de propriedade intelectual sobre o tratamento do HIV atrasaram em dez anos o acesso de pacientes na África, Ásia e América Latina à terapia anti retroviral. "Isto levou a milhões de mortes desnecessárias desde o final dos anos 90 até meados dos anos 2000, quando as barreiras de patentes foram abordadas e os medicamentos genéricos contra o HIV se tornaram disponíveis", indicaram.

"Nesta pandemia, mais uma vez testemunhamos como a desigualdade estrutural na saúde global resultou em uma luta contínua para garantir o acesso aos medicamentos, vacinas e outras ferramentas necessárias nos países em desenvolvimento", afirmaram.

No documento, as entidades pedem que o Brasil "pare de obstruir a adoção da renúncia proposta na OMC e, em vez disso, expressar apoio a esta importante proposta durante as negociações formais". "Tantas vidas dependem dela", completam.

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