sábado, 3 de julho de 2021

Filhas de torturadores recebem pensão vitalícia.

 

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Patrícia tinha apenas 3 anos quando esteve na cela feminina da carceragem do DOI-Codi [centro de repressão do Exército] paulistano da rua Tutoia, no bairro do Paraíso. A criança, diferentemente das mulheres que ali estavam, não foi vítima das torturas denunciadas pelos presos políticos que eram encarcerados no lugar. Ela foi levada ao local pela mãe e pelo pai: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do centro de detenção, tortura e morte da ditadura militar brasileira instaurada em 1964.

Segundo Ustra, a visita da filha era um “gesto humanitário” para com os presos políticos, ideia sua e da esposa, Joseíta Ustra. A passagem foi narrada na obra escrita pelo próprio coronel, livro que o atual presidente Jair Bolsonaro disse estar na sua cabeceira em 2018. Já para os presos políticos, a presença de uma criança junto a pessoas que denunciaram torturas em paus de arara e cadeiras elétricas “era mais uma terrível e macabra forma de tortura aplicada pelo então major Ustra às suas vítimas”, escreveu em artigo o jornalista Moacyr Oliveira Filho.

Quase 50 anos após a pequena Patrícia ter visitado o centro de tortura comandado pelo pai, a Agência Pública, com a agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação Fiquem Sabendo, revela que a filha de Ustra continua recebendo benefícios da atuação do pai no Estado brasileiro: uma pensão mensal e vitalícia de R$ 15.307,90; sua irmã, Renata, recebe o mesmo valor mensalmente.

E mais: incluindo o pagamento às duas filhas do ex-coronel, o benefício é concedido ao todo a 73 mulheres, viúvas ou filhas de 47 falecidos que foram acusados de crimes na ditadura pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Somente em fevereiro de 2021, o governo brasileiro pagou R$ 1.264.131,79 ao grupo de herdeiras desses militares, considerando os valores de remuneração básica bruta. Há ainda outros dois casos de pensões que não constam na base de fevereiro, mas estão presentes em outros meses: uma paga até janeiro de 2021, no valor de R$ 30.508,03; e outra paga até julho de 2020, no valor de R$ 31.146,60.

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