Militares que comandam estatais acumulam salários e ganham entre R$ 43 mil e R$ 260 mil

05/09/2021  Por REDAÇÃO URBS MAGNA
Militares que comandam estatais acumulam salários e ganham entre R$ 43 mil e R$ 260 mil

Em um país pacífico como o Brasil militares são beneficiados, especialmente no governo Bolsonaro que tem 15 de 16 estatais presididas por integrantes de Exército, Marinha e Aeronáutica recebendo tanto das Forças Armadas quanto destas empresas

No governo Bolsonaro, oficiais das três Forças Armadas ganharam cargos estratégicos e benefícios na administração pública federal, o que se estendeu às estatais, com salários altos e controle de orçamentos bilionários. De 46 estatais com controle direto da União, 34,8% delas (16) são presididas por oficiais de Exército, Marinha e Aeronáutica. Um levantamento feito pela Folha de S. Paulo revelou que deste percentual há acúmulos de remunerações em 15 destas estatais, onde o oficial recebe o correspondente às atividades militares e ao exercício de suas atribuições nestas empresas, cujas remunerações brutas variam de R$ 43 mil a R$ 260 mil. Isso excede o teto do funcionalismo público federal, de R$ 39,3 mil – o correspondente ao salário de um ministro do STF.

Até abril, havia a aplicação de um abate teto de R$ 25 mil. Isto deixou de ocorrer em razão da edição de uma portaria pelo Ministério da Economia, naquele mês, que permitiu o acúmulo de remunerações por militares da reserva que ocupam cargos no governo, quando, em uma “canetada” Bolsonaro aumentou o próprio salário, bem como o de ministros, em 69%, estourando o teto do funcionalismo que passou a ser aplicado individualmente, em cada remuneração, levando ao acúmulo de ganhos. Foram beneficiados, além do presidente, o vice Hamilton Mourão e ministros que são militares, como Augusto Heleno – do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto – da Defesa e Luiz Eduardo Ramos – da Secretaria-Geral da Presidência.

Antes da portaria, o acúmulo já era uma regra nas estatais comandadas por militares. A medida do Ministério da Economia passou a ser usada como justificativa formal para essa sobreposição de remunerações. Das estatais que responderam aos questionamentos da reportagem, seis apontaram a medida como um dos instrumentos legais usados para os pagamentos duplicados. Outros instrumentos legais que garantem os salários acima do teto, conforme as empresas, são a própria Constituição Federal e decisões do STF e do TCU, além de um decreto de 2019 e um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) de 2020.

Petrobras

As remunerações mais expressivas são pagas ao presidente da Petrobras, o general de Exército Joaquim Silva e Luna. O militar chegou ao cargo em abril deste ano, após uma intervenção direta de Bolsonaro na estatal, quando mais uma vez voltou a afugentar investidores estrangeiros. Por estar na reserva, no topo da hierarquia militar, Silva e Luna recebe R$ 32,2 mil brutos. Já na Petrobras, conforme o formulário de referência divulgado pela estatal aos investidores, a remuneração média mensal chega a R$ 228,2 mil, levando em conta ganhos fixos e variáveis referentes ao ano de 2020. Os ganhos fixos, na prática, correspondem a uma remuneração mensal de R$ 83 mil ao presidente da estatal. Os variáveis ficam para o fim do ano. Para 2021, os ganhos variáveis previstos são maiores, em comparação com 2020, conforme o formulário. Assim, somando todos os ganhos, o general ganharia pelo menos R$ 260,4 mil brutos por mês, incluída a remuneração de militar.

As informações sobre os pagamentos recebidos como militar da reserva estão no Portal da Transparência do governo federal, com dados atualizados até junho.

Questionada sobre o acúmulo, a Petrobras afirmou, em nota: “O cargo de presidente da Petrobras está enquadrado como administrador. Em decorrência disso, sua relação com a companhia é institucional, com perfil estatutário, e decorre do estatuto social da companhia, motivo pelo qual não se aplicam as restrições legais previstas quanto à remuneração dessa atividade“.

Correios

Presidente dos Correios, que passa por um processo de privatização, o general de Divisão Floriano Peixoto Vieira Neto tem um salário bruto de R$ 46,7 mil. Como militar da reserva, são mais R$ 30,6 mil, o que soma R$ 77,3 mil. Segundo a estatal, não há “necessidade de esclarecimentos mais elaborados” para o acúmulo de remunerações.

A diretriz acerca da remuneração de agentes públicos encontra-se disposta na própria Constituição, que determina quais agentes públicos se submetem ao chamado teto. Essa limitação se estende tão somente aos ocupantes de cargos da administração direta, autárquica e fundacional. Os Correios são uma instituição pública de direito privado“, disse, em nota. O acúmulo, diz a empresa, é legal e corresponde ao salário à frente da estatal que atua no “mercado concorrencial” e à “aposentadoria conquistada ao longo de 41 anos de serviço no Exército brasileiro“.

A remuneração dos militares nas estatais segue uma orientação do próprio governo, por meio da Sest (Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais) do Ministério da Economia, segundo notas de estatais. É o que sustenta, por exemplo, a Infraero. O tenente-brigadeiro da reserva Hélio de Paes Barros Júnior, presidente da empresa, recebe R$ 38,1 mil brutos da estatal e R$ 33,8 mil como militar. Barros Júnior também integra o conselho de administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos, com remuneração de natureza privada na casa dos R$ 15 mil.

Por não integrar o sistema Siape (Sistema Integrado de Recursos Humanos) do governo federal, a Infraero remunera seus empregados e dirigentes observando as orientações da Sest e deliberação da assembleia geral ordinária“, afirmou a estatal, em nota.

Empresas vinculadas

Militares à frente de estatais acumulam remunerações até mesmo em empresas diretamente vinculadas ao Ministério da Defesa e aos comandos das Forças Armadas. A Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil), que fabrica fuzis, pistolas e munições, é vinculada à Defesa, por intermédio do Exército. O presidente é o general de Exército da reserva Aderico Visconte Pardi. Ele recebe tanto como militar quanto como presidente da empresa, o que totaliza R$ 49,9 mil brutos. A portaria editada em abril deste ano pelo Ministério da Economia, liberando o acúmulo de remunerações, com incidência individualizada do teto, dá amparo aos pagamentos, segundo nota da Imbel. Situação semelhante ocorre na Amazul (Amazônia Azul Tecnologias de Defesa), que desenvolve as atividades do programa nuclear da Marinha. O vice-almirante da reserva Antônio Carlos Guerreiro acumula remunerações brutas que somam R$ 62,9 mil.

Decisões do STF e do TCU amparam esses pagamentos, segundo nota da estatal. “Em caráter mais recente, a portaria do Ministério da Economia regulamentou esse posicionamento no âmbito do Poder Executivo federal, ratificando o posicionamento jurisprudencial.”

No caso da Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), também da Marinha, o sistema de transparência não registra pagamentos de salário ao presidente, o almirante de Esquadra da reserva Eldesio Teixeira Junior. A estatal não respondeu aos questionamentos sobre a existência de pagamentos além da remuneração recebida como militar, R$ 29,8 mil brutos.

Os acúmulos de remunerações ocorrem ainda na Casa da Moeda, na Valec Ferrovias, na Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), EPL (Empresa de Planejamento e Logística), INB (Indústrias Nucleares do Brasil), Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e Companhias Docas do Rio, da Bahia e do Rio Grande do Norte.

O teto constitucional não se aplica a estatais, segundo a Casa da Moeda. A Valec, a Nuclep e a EPL se amparam na portaria do Ministério da Economia e em entendimentos do STF.

A INB cita o Supremo e um parecer da AGU. A Companhia Docas do Rio afirma que a estatal não recebe dinheiro da União e que tem autorização da Sest para o pagamento ao presidente da empresa.

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