quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Ex-Blog do Cesar Maia: Remoção

 

REMOÇÃO!(Cesar Maia – Folha de SP, 17/04/2010) A expressão "remoção" foi cunhada no início do regime autoritário, entre 1964 e 1965, para nominar a transferência compulsória de moradores de algumas favelas de bairros de classe média no Rio para conjuntos habitacionais construídos em bairros afastados, com recursos dos programas de ajuda dos EUA.A palavra "remoção" aplicada à mudança de objetos foi usada pelo regime autoritário, nas demolições de favelas, para marcar uma ação de força. Passou a carregar, dali para a frente, essa marca repressiva no imaginário da população.No Império, o problema habitacional dos mais pobres não foi colocado como questão. Os pobres eram basicamente escravos e viviam no local em que trabalhavam.O problema começa a surgir com o retorno das tropas da Guerra do Paraguai e se agrava com a exclusão dos escravos, pelos fazendeiros, após a Abolição. Surgem e proliferam os cortiços.A reforma sanitária do Rio iniciou a demolição dos cortiços e a abertura de fronteiras para a expansão imobiliária. O caso de maior força simbólica foi a queima do cortiço Cabeça de Porco (passou a ser a denominação dos cortiços), em 1892, na base do morro da Providência, em frente à ferrovia Central do Brasil. A solução foi subir o morro, que depois se ampliou com o retorno das tropas de Canudos.Chamaram favela, planta onde ficava o acampamento. A reforma urbana do Rio, em 1904, com suas demolições, construiu apenas um pombal de 200 microcasas.Em 1928, a prefeitura contratou o arquiteto francês Alfred Agache (que criou o termo urbanismo) para o plano urbano do Rio, publicado em 1932. Agache tratava as favelas como equipamentos provisórios e lastimava que Santa Teresa se tornara permanente.Para o ato, foram convidados arquitetos famosos. Um deles, Ed Groer, russo, quis ver onde os pobres moravam e cunhou a frase "favela é solução" ao comentar as condições de areação e insolação comparadas às dos cortiços.As expansões imobiliária e industrial e a opção por não investir em transporte de massa e em habitação popular atraíram a mão de obra para perto do local de trabalho. O adensamento começou a produzir conflitos. Em 1942, realizou-se a primeira demolição com forte simbolismo, transformando em fogueira a favela do largo da Memória, no Leblon. No final dos anos 40, o STJ confirmou o usucapião das cinco maiores favelas.O vereador Carlos Lacerda defendia a urbanização. Um programa de acesso à cidade e a seus serviços e de moradia digna se transformou em confronto. A expressão "remoção" afirmou um estilo repressivo e unilateral, transformando o que deveria ser um direito dos pobres em direito dos ricos. Agora volta com a mesma entonação.

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