terça-feira, 8 de abril de 2014

MÍDIA -Tem gente "tomando as dores" do Roberto Marinho.


Filhos de Roberto Marinho renegam o passado de apoio à ditadura, que tantos benefícios proporcionou às Organizações Globo, e permitem que a memória do pai seja denegrida


Carlos Newton
É inacreditável o que está acontecendo com a memória de Roberto Marinho, que foi o “Senhor do seu tempo”, conforme o título do documentário lançado há alguns anos sobre sua impressionante carreira de jornalista e empresário.
Se os três filhos dele (Roberto Irineu, José Roberto e João Roberto Marinho) estão hoje na lista dos homens mais ricos do mundo, e suas fortunas somadas (US$ 28,3 bilhões) já os colocam perto de atingirem a 20ª posição neste ranking liderado por Bill Gates, é público e notório que eles devem tudo ao pai, ao qual respeitosamente sempre chamaram de “Doutor Roberto”.
Mas ao invés de preservar a veneração à memória de Roberto Marinho, que em sua época foi o homem mais poderoso do Hemisfério Sul, seus três filhos recentemente o condenaram publicamente por ter apoiado a ditadura, de 1964 a 1985, fazendo dessa proximidade com o regime militar a principal base do fenomenal crescimento das Organizações Globo.
Essa ingratidão dos irmãos Marinho, evidentemente, tem causado surpresa e estupefação. Em palestra realizada em Brasília há alguns dias, o general da reserva Augusto Heleno criticou O Globo por ter publicado no ano passado o editorial em que considerou um erro o apoio aos governos militares, classificando-os como uma ditadura. Segundo o ex-comandante militar da Amazônia, o jornal “renegou todo o seu passado”.
DEPOIS DOS PROTESTOS DE RUA…
Esse inusitado editorial foi publicado dia 31 de agosto de 2013, depois dos protestos de rua em que as Organizações Globo se tornaram um dos alvos das críticas dos manifestantes. Para não sofrerem agressões nas passeatas, as equipes de reportagem tiveram de trabalhar com câmaras e equipamentos sem o logotipo da Globo, trafegando sempre de táxi, sem usar os veículos da empresa. Mesmo assim, alguns prédios da Globo foram cercados e houve ameaças de apedrejamento.
Foi por isso que os filhos de Roberto Marinho então decidiram apagar o passado, criando o chamado projeto “Memória Globo” e proclamando publicamente que a Globo (leia-se: Roberto Marinho) havia errado ao apoiar a ditadura militar. Diz o editorial:
“Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura.
Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.
Há alguns meses, quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.
Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas”, diz o surpreendente editorial de O Globo.
CONTRARIANDO O PRÓPRIO PAI
Esse novo posicionamento político significa que, aproveitando o “clamor das ruas”, os filhos de Roberto Marinho jogaram no lixo a memória do próprio pai, por ser público e notório que ele serviu dedicadamente à ditadura militar, vivendo à sombra do poder para enriquecer e consolidar o maior império jornalístico do mundo, pois em nenhum outro país existe algum grupo empresarial que tenha tantos tentáculos na mídia, atuando simultaneamente com redes de televisões e de rádios, jornais, revistas, emissoras e operadoras de TV a cabo, editora de livros, gravadora de discos e produtora de filmes.
Sobre a atuação de Roberto Marinho no regime militar, a internet está fervilhando com o relato da jornalista Helena Sthephanowitz, da Rede Brasil Atual (RBA), divulgando um impressionante documento que mostra o papel de liderança exercido pelo jornalista na ditadura.
A jornalista revela que no dia 14 de agosto do 1965, ano seguinte ao golpe, o então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, enviou a seus superiores um telegrama então classificado como altamente confidencial – agora já aberto a consulta pública.
A correspondência narra encontro mantido na embaixada entre Gordon e Roberto Marinho. Segundo relato do embaixador, Marinho estava “trabalhando silenciosamente” pela prorrogação ou renovação do mandato do ditador Castelo Branco junto a um grupo composto, entre outras lideranças, pelo general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar, o general Golbery do Couto e Silva, chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI),  e o ministro Luis Vianna, chefe da Casa Civil. No início de julho de 1965, a pedido do grupo, Marinho teve um encontro com Castelo para persuadi-lo a prorrogar ou renovar o mandato.
Traduzindo: não foi por mera coincidência que Marinho conseguiu estruturar no regime militar o maior império de comunicação do mundo. Ele era a face oculta da ditadura que durou 21 anos. E aproveitou o beneplácito dos militares para cometer gravíssimas ilicitudes, como a usurpação da TV Paulista (Canal 5 de São Paulo), um episódio clamoroso, em que Marinho lesou dolosamente centenas de acionistas fundadores da empresa de comunicação – um deles era o palhaço Arrelia, que tinha um programa na emissora.
ILÍCITOS COMPROVADOS
Os reprováveis procedimentos adotados  diretamente por Roberto Marinho ou por seus assessores para se apossar da TV Paulista (hoje, TV Globo de São Paulo, responsável por mais de 50% do faturamento da rede) estão todos documentados num processo judicial que a grande mídia finge desconhecer, e que segue tramitando no Supremo Tribunal Federal.
Falsificação de documentos, uso de procurações “emitidas” por acionistas que haviam morrido muitos anos atrás, realização irregular de assembleias gerais extraordinárias presididas pelo próprio Roberto Marinho, fraude na preparação e publicação de atas societárias – foi um verdadeiro festival de ilegalidades cometidas pelo patrono das Organizações Globo e, inclusive, admitidas em juízo por seus próprios advogados, mas, com a ressalva de que já estariam todas prescritas.
A verdade é que, durante o regime militar, Roberto Marinho tinha tanta confiança em sua impunidade que levou 12 anos mantendo ilegalmente no ar a TV Paulista, sem passar para seu nome a concessão da emissora, quando a legislação da época (em vigor até hoje) exigia que toda transferência de controle de estação de TV fosse aprovada previamente pelo governo, sob pena de nulidade absoluta.
Ou seja, como a concessão da emissora foi outorgada ilegalmente a Roberto Marinho, pode ser cassada a qualquer momento. Não há lei ou jurisprudência, no Brasil e no mundo, que possa justificar a preservação de uma concessão pública obtida mediante fraude.

DA TRIBUNA DO SENADO

Recentemente, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) subiu à tribuna e denunciou esses fatos relacionados à TV Paulista. Não somente elencou no discurso os ilícitos cometidos por Roberto Marinho, como também anunciou ter enviado requerimento de informações ao ministro das Comunicações, pedindo explicações sobre a transferência da concessão da TV Globo de São Paulo por meio de documentação fraudada, conforme consta dos autos do processo em tramitação no Supremo.

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