terça-feira, 29 de setembro de 2015

POLÍTICA - Aécio residual. Marina, potencial. E o Lula?

Aécio residual. Marina, potencial. E Lula?

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

As filiações de Alessandro Molon, ex-PT, e Randolfe Rodrigues, ex-PSOL, a Rede, indicam que Marina Silva pode se transformar na grande beneficiária da crise dos partidos políticos brasileiros.

Ao contrário daquilo que a visão convencional dos meios de comunicação costuma sugerir, não é só o Partido dos Trabalhadores que perde votos, militantes e candidatos.

O PSDB permanece aonde se encontrava no final de 2014, quando precisou dos votos de Marina Silva para uma disputa no olho mecânico.
Considerando o imenso desgaste do PT, adversário direto em três eleições consecutivas, ficar no mesmo lugar - ou perto disso - equivale a cair.

A posição de Aécio Neves nas pesquisas, hoje, é residual. A de Marina, que não tem sido considerada nos últimos levantamentos, é potencial.

Ela terminou o primeiro turno de 2014 com 21% votos, contra 35% para Aécio.

Se a crise do PT permanecer nos rumos de hoje, para onde você acha que irá se dirigir a parcela - difícil de medir hoje, vamos combinar - de 41% de eleitores que apoiaram Dilma no mesmo pleito?

Não por outro motivo, Fernando Henrique Cardoso está com pressa. Da última vez que saiu do laboratório IFHC de ideias políticas, o ex-presidente exagerou numa postura que, sem má vontade, sem espírito de palanque, sem xingatório, sem ressentimentos, por favor, só pode ser classificada como oportunismo - daquele tipo científico, digno de ser incluído como verbete numa nova edição do dicionário de Ciência Política de Norberto Bobbio.

Como nós sabemos, o oportunismo sempre nasce a partir de um "já que." Neste caso, é assim: "já que" não foram encontradas as provas indispensáveis para se promover o impeachment (falta uma "narrativa convincente"nas palavras de FHC), o que pode gerar uma reação interna e externa de proporções respeitáveis a uma tentativa de afastar Dilma do cargo a partir de um golpe parlamentar, deve-se tentar convencer a presidente a aceitar um suicídio honroso e um funeral de glória. Enterrar de uma vez por todas a herança dos três últimos governos - até janeiro de 2015, os mais populares da história republicana - e, quando nada mais restar a não ser as cinzas, pedir a renúncia.

A urgência sem princípios exibida por FHC se explica por uma constatação difícil de negar. Por mais que a seletividade metódica da Lava Jato tenha como saldo político a criminalização do Partido dos Trabalhadores, ela não pode operar o milagre de dar uma nova identidade ao PSDB.

Eu acho até óbvio que o eleitor desencantado com Dilma e com Lula não será recuperado por uma legenda que se tornou, com o tempo, depositária escancarada do conservadorismo brasileiro, empenhada, noite e dia, em combater todas as medidas progressistas promovidas pelo governo federal. É um eleitor que, de uma forma ou de outra, busca mudanças e melhorias. Muitos se consideram "de esquerda." Outros são.

São favoráveis aos programas sociais, reconhecem que vivemos numa sociedade com conflitos de classe. Muitos têm uma visão contra "partidos políticos" que coloca todos no mesmo saco. Acho errado mas vamos admitir que nem todo mundo ajuda no meu argumento, né.

Muitos são ex-petistas e denunciam o PT porque não é mais aquilo que era. O crescimento de Marina alimenta-se desse desencanto que hoje parece uma ruína.

Mais votada candidata do PSOL em eleições presidenciais, Heloísa Helena já anunciou ingresso na Rede.

Na situação atual, não cabe ao PT reagir como o marido traído e acusar ex parceiros e ex parceiras de ir embora por motivos interesseiros e não por amor. Voltando ao "Já que", que todos sabemos está longe de ser uma exclusividade tucana. "Já que" no passado não foram feitos testes de fidelidade na porta de entrada do PT, não cabe agora pedir comprovante de bom comportamento na hora da saída.

É preciso fazer a discussão política. O apoio a Aécio no segundo turno foi o capítulo final - até 2014 - da conversão conservadora de Marina Silva. Você pode achar o que quiser desses nove meses de governo Dilma mas dificilmente terá uma dúvida. Caso Dilma tivesse sido derrotada, o ataque aos programas sociais, às garantias dos trabalhadores e ao emprego seria muito mais grave e profundo. Seria justificado como "herança maldita." Qualquer resistência seria ainda mais difícil.

No início de seu novo caminho, na saída do governo Lula, em 2007, Marina incluiu o uso das justificadas preocupações ambientais da população como argumento para uma postura contra o desenvolvimento econômico. Combatia a construção de novas usinas hidrelétricas enquanto seus aliados acadêmicos se encarregavam de assustar a população com ameaça de apagões.

O ponto marcante de 2014 foi a defesa da independência do Banco Central, reivindicação do mercado financeiro que não obtém consenso sequer entre economistas do PSDB - que sabem que o poder dos bancos brasileiros já é tão absurdo que não se deve correr o risco de uma consolidação no plano institucional.

Mas é claro que não basta fazer a crítica a Marina. É o de menos, na verdade.

É preciso apontar uma saída para o governo Dilma.

Daí a importância essencial de Lula assumir a defesa das realizações e mudanças ocorridas no país a partir de 2003.

Temos um país onde o debate está sufocado. Empenhada em combater o governo Lula-Dilma há uma década, a grande mídia tenta vender a noção de que o progresso obtido nos últimos anos não passou de uma farsa, uma ilusão de marketing, pura demagogia. Tenta garantir apoio ao arrocho a partir da noção de que é uma fatalidade agravada pelo excesso de demagogia dos petistas. Pode?

O debate ficou menos difícil, agora, quando se formou um consenso, dentro e fora do Planalto, de que o problema não é econômico, mas político. A partir dessa constatação, é importante reforçar a articulação no Congresso, consolidar o apoio dos governadores e lideranças que tem capacidade de impedir um golpe parlamentar. Não basta mostrar capacidade de acertos e conchavos - sim, isso é política - para tirar a presidente das cordas. Em meus primeiros anos de jornalismo, eu costumava cobrir lutas de boxe. Foi assim que, graças ao mais celebrado treinador brasileiro da época, Waldemar Zumbano, aprendi uma lição de grande utilidade política - e que, décadas mais tarde, pode ser de grande valor hoje em dia.

Certas ou erradas, necessárias ou não, as medidas tomadas pelo governo no início do ano deixaram a presidente no corner, sob dois ataques simultâneos, um de cada lado.

Com o punho direito, os adversários cobram medidas cada vez mais duras de austeridade, corte nos gastos, alta nos juros e ataque a programas de distribuição de renda e garantias que mudaram a vida dos brasileiros mais pobres. Com o punho esquerdo, dizem que fazer isso é traição e denunciam calote eleitoral.

Mestre Zumbano ensinava que, nessas horas, sob o risco de cair, a única alternativa é reagir com um direto certeiro sobre o oponente, sem a esperança de derrubá-lo - mas para abrir espaço no ringue e recuperar a iniciativa para tornar a luta menos desigual. Para Dilma, a única saída que que lhe resta é recuperar o contato com o povo, assumindo a defesa de sua história e dos brasileiros que lhe deram o voto -- antes que, na próxima esquina, no primeiro tropeço, inevitável mesmo nos melhores governos, fique ainda mais difícil permanecer de pé.

A melhor forma de sair das cordas será Dilma mostrar, a quem estiver interessado, que não estava brincando em agosto, em cerimônia com lideranças populares, no Planalto. Na ocasião, lembrou que já pode ter cometido erros na vida mas "tenho lado."

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