terça-feira, 30 de junho de 2015

MÍDIA - A mídia brasileira sui generis.

Jorge Luis

A Mídia Brasileira Sui Generis

Uma vez definido esse ponto, e sabendo-se que o "produto" vendido por essas empresas é a notícia, devemos determinar qual o tipo de notícia que gera mais receita e, portanto, resulta em um lucro maior: notícias positivas ou negativas?
Bem, essa é fácil de responder. Já é uma máxima do jornalismo: "notícia boa não vende jornal". Isso explica muito da predileção das empresas de mídia pelas notícias negativas, deixando de lado as coisas boas, como se apenas desgraças acontecessem todos os dias.
Outra característica cada vez mais presente é a velocidade com que as notícias precisam ser transmitidas. Notícia velha também não vende. Com a competição cada vez maior com a internet, as empresas de mídia precisam apresentar conteúdo de forma constante, sob pena de perderem o ineditismo da notícia. E aí reside outro problema: quanto mais rápido, menos validações são realizadas, e maiores são as possibilidades de uma notícia falsa (totalmente ou parcialmente) ser publicada.
A concorrência com a internet também tem gerado inúmeras baixas nas empresas de mídia tradicionais, com demissões e cortes de custo, o que também prejudica a qualidade do que é publicado, chegando ao ponto de, às vezes, praticamente "fabricarem" uma notícia apenas para manterem a cota de conteúdo.
Até aqui, nada do que foi dito tem qualquer relação com um país específico. A mídia em todo o planeta se comporta dessa forma, apenas com pequenas variações de intensidade. Mesmo assim, poucas pessoas levam isso em consideração e aplicam o devido "filtro" ao que é noticiado.
Mas o objetivo deste texto é apresentar as características únicas de nossa mídia, que a transformaram em uma das mais reacionárias do mundo.
Em primeiro lugar, não devemos esquecer que o Brasil é um país jovem. Nossa república é jovem e nosso atual período democrático é quase um bebê em relação a democracias de outros países com importância internacional e economias parecidas com as nossas. Definido esse contexto, também é importantíssimo lembrar que a nossa mídia atualmente é concentrada nas mãos de meia-dúzia de famílias (Saad, da Band; Mesquita, do Estadão; Marinho, do grupo Globo; Civita, da Editora Abril; Frias, da Folha de São Paulo), todas com viés extremamente conservador. Como chegamos a esse ponto?
Como eu já disse, saímos recentemente (para os padrões de tempo que envolvem nações) de uma ditadura, marcada por uma forte repressão e censura. Jornais que não se alinhavam ao governo foram perseguidos e fechados. Jornalistas foram presos e alguns "suicidados" na prisão. Não é ilógico afirmar que as empresas de comunicação que sobreviveram, e até mesmo prosperaram, nesse período foram as que se alinharam ideologicamente com o regime vigente, justamente as famílias citadas acima, todas donas de veículos de mídia que saíram da ditadura já como grandes empresas do ramo.
Assim, não é de surpreender que elas sejam alheias à democracia e defendam o que mais existe de retrógrado na sociedade brasileira. Foi isso o que sempre fizeram. É o que estão acostumadas a fazer. Foi assim que prosperaram, enquanto outras simplesmente desapareceram.
Ah! "Mas nem todo mundo que trabalha nessas empresas, pensa dessa forma", alguém poderia dizer. Será mesmo? Se você fosse o dono de uma empresa cuja mercadoria é a notícia, algo que sempre pode ser apresentado de inúmeras maneiras, você contrataria como diretor geral uma pessoa alinhada aos seus pensamentos e interesses ou uma pessoa com pensamentos diametralmente opostos aos seus? E, seguindo na linha hierárquica, você, como diretor geral, contrataria um chefe de redação no qual confiasse, que comungasse dos mesmos interesses e opiniões que você, ou alguém que iria discordar diariamente e que precisaria ser "policiado" de forma constante para que não publicasse algo que o "patrão" não gostasse? E por aí vai, seguindo a linha hierárquica até o office-boy, passando é claro, pelos jornalistas e colunistas.
Claro, quanto mais longe do topo da hierarquia, mais possível a contratação de alguém que não reze pela mesma cartilha dos patrões, pelo menos não de forma tão "devota". Isso pode até mesmo ser proposital, para tentar passar alguma isenção, já que a credibilidade e imparcialidade são características sempre apregoadas pela imprensa, mesmo que sejam somente para efeito de marketing. Mas não se iludam, se as empresas de mídia sempre apontam o dedo ao governo toda vez que se toca no assunto da regulação, gritando "censura!", são elas as maiores praticantes desse recurso. Ou será que alguém realmente acredita que um artigo que desagrade aos patrões seria publicado? Não existe nenhum "espírito santo" que baixe nos donos da mídia e que permita publicar algo, mesmo que isso os prejudique ou vá contra a sua orientação ideológica. Da mesma forma, o dono de uma outra empresa qualquer não deixaria que um produto fosse fabricado e vendido se ele não gostasse. Alguém imagina um telefone sendo vendido pela Apple que não fosse aprovado, na época, pelo Steve Jobs?
Hoje em dia, até mesmo a necessidade dessa "censura interna" tem se reduzido. Com a crise que assola as empresas de mídia e os cortes acontecendo, adivinhe quem eles mandam primeiro para a rua? Os jornalistas, colunistas e demais funcionários que sempre escreveram o que o padrão queria, ou os que são "desalinhados" em relação aos pensamentos e ideologias de seus superiores? Estamos chegando ao ponto em que não sobra mais nenhum "desalinhado", ficando a disputa entre os mais e os menos radicais na defesa dos ideais dos patrões. Quanto mais "Pit bull", maior a chance de escapar do corte, pelo menos até que ocorra o próximo. Isso ajuda a explicar, em parte, o fenômeno da radicalização de nossa mídia no decorrer dos últimos anos. As pessoas que tinham opinião contrária a das grandes famílias da mídia foram sendo expurgadas, ficando apenas as que apoiam essas posições. Depois, até aqueles que, mesmo apoiando, pelo menos parcialmente, a opinião dos patrões, ainda faziam críticas com alguma dose de bom senso, também começaram a sair. Sobrou só isso que está aí hoje, onde os empregados talvez sejam até mais radicais do que os patrões, simplesmente para que consigam garantir que sejam eles que vão apagar a luz, no dia do fechamento final.

OBAMA CONFIA MAIS NO BRASIL DO QUE BRASILEIROS.

Obama confia mais no Brasil do que brasileiros

 
 Obama confia mais no Brasil do que brasileiros
Na entrevista coletiva que Dilma Rousseff e Barack Obama concediam após o encontro dos dois na Casa Branca, na manhã desta terça-feira, uma repórter brasileira perguntou ao presidente americano se ele considerava o Brasil uma potência regional parceira dos EUA.
Diante da sabujice da pergunta, Obama deu uma lição a ela e aos brasileiros que estão deixando de acreditar no nosso país:
"O Brasil não é uma potência regional, é uma potência mundial".
Em seu discurso, o presidente americano já havia ressaltado a importância do encontro. "Nós somos parceiros em desafios globais, da promoção comercial à transparência governamental e ao combate ao tráfico de pessoas. À presidente Rousseff agradeço a sua parceria, a sua amizade e o progresso que estamos alcançando juntos. Acredito que esta visita marca o capítulo mais ambicioso na história dos nossos países".
Até que enfim alguém, fora do círculo palaciano de Brasília, falou da importância do Brasil com otimismo. Antes de Obama, por aqui, só ouvi alguém falar com tanto entusiasmo do nosso país no domingo passado, quando a corajosa atriz Marieta Severo foi ao programa do Faustão para espantar a urubuzada do pensamento único.
Depois da polêmica que provocou ao contestar um discurso do apresentador falando sobre a crise e a desesperança, Marieta explicou suas razões a Monica Bergamo, na Folha: "Foi uma resposta à maneira como ele falou, de que é um momento de desesperança, que a única coisa organizada no Brasil é o crime. Eu não concordo. Estamos num momento muito difícil, sim, com problemas na política, no governo, na economia. Não sou cega nem otimista tola. Mas já vivemos muitas crises e vamos sair de mais uma".
Grande Obama, grande Marieta, agradeço a vocês por me permitirem, depois de muito tempo, escrever um texto de bom astral, furando as nuvens negras que cobrem nosso país. Só por isso já valeu a visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos.
Vida que segue.

GRÉCIA DEVE DIZER NÃO.

Grécia deve dizer não



Por Paul Krugman, no site da Fundação Mauricio Grabois:

É evidente, há muito tempo, que a criação do euro foi um erro terrível. A Europa nunca teve as condições prévias para uma bem-sucedida moeda única, sobretudo, o tipo de união fiscal e bancária que, por exemplo, assegura que quando a bolha imobiliária estoura na Flórida, Washington automaticamente protege a terceira idade de qualquer ameaça sobre seu atendimento de saúde e seus depósitos bancários.
Abandonar uma união monetária é, entretanto, uma decisão muito mais difícil e mais aterradora do que nunca; até agora as economias com mais problemas do Continente deram um passo atrás quando se encontravam à beira do abismo. Várias vezes, os Governos submeteram-se às exigências de dura austeridade dos credores, enquanto o Banco Central Europeu conseguiu conter o pânico nos mercados.

Mas a situação na Grécia chegou ao que parece ser um ponto sem volta. Os bancos estão temporariamente fechados e o Governo impôs controles de capital (limites ao movimento de fundos ao estrangeiro). Parece bem provável que o Executivo logo terá que começar a pagar as aposentadorias e o salários em papel, o que, na prática, criaria uma moeda paralela. E na primeira semana de julho o país irá realizar uma consulta sobre a conveniência de aceitar as exigências da troika – as instituições que representam os interesses dos credores – de redobrar, ainda mais, a austeridade.

A Grécia deve votar “não”, e seu Governo deve estar pronto para, se for necessário, abandonar o euro.

Para entender por que digo isso, devemos primeiro estar conscientes de que a maior parte das coisas – não todas, mas a maioria – que temos ouvido sobre o desperdício e a irresponsabilidade grega são falsas. Sim, o governo grego estava gastando além de suas possibilidades no final da primeira década dos anos 2000. Mas, desde então, cortou repetidamente o gasto público e aumentou a arrecadação fiscal. O emprego público caiu mais de 25 por cento, e as aposentadorias (que eram, certamente, muito generosas) foram drasticamente reduzidas. Todas as medidas foram, em suma, mais do que suficientes para eliminar o déficit original e transformá-lo em um amplo superávit.

Por que isso aconteceu? Porque a economia grega desabou, em grande parte, como consequência direta dessas importantes medidas de austeridade, que afundaram a arrecadação.

E esse colapso, por sua vez, teve muito a ver com o euro, que prendeu a economia grega em uma camisa de força. Geralmente, os casos de sucesso das políticas de austeridade – aqueles nos quais os países conseguiram frear seu déficit fiscal sem cair na depressão – vêm junto com importantes desvalorizações monetárias que fazem com que suas exportações sejam mais competitivas. Foi isso o que aconteceu, por exemplo, no Canadá na década de noventa, e na Islândia mais recentemente. Mas a Grécia, sem moeda própria, não tem essa opção.

Com isso quero dizer que seria conveniente o Grexit – a saída da Grécia do euro –? Não necessariamente. O problema do Grexit sempre foi o risco de caos financeiro, de um sistema bancário bloqueado pelas retiradas presa do pânico e de um setor privado obstaculizado tanto pelos problemas bancários como pela incerteza sobre o status legal das dívidas. É por isso que os sucessivos governos gregos aderiram às exigências de austeridade, e pelo que o Syriza, a coalizão de esquerda no poder, estava disposto a aceitar uma austeridade que já havia sido imposta. A única coisa que pedia era evitar uma dose maior de austeridade.

Mas a troika rejeitou essa opção. É fácil se perder nos detalhes, mas agora o ponto fundamental é que os credores ofereceram à Grécia um “pegar ou largar”, uma oferta indistinguível das políticas dos últimos cinco anos.

Essa oferta estava e está destinada a ser rejeitada pelo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras: não pode aceitá-la porque seria a destruição de sua razão política de ser. Portanto, seu objetivo deve ser levá-lo a abandonar seu cargo, algo que provavelmente acontecerá se os gregos escolherem não confrontar a troika e votarem sim na primeira semana de julho.

Mas não devem fazê-lo por três razões. Em primeiro lugar, agora sabemos que a austeridade cada vez mais dura é um beco sem saída: após cinco anos, a Grécia está ainda em pior situação. Em segundo ligar, praticamente todo o caos temido sobre o Grexit já aconteceu. Com os bancos fechados e os controles de capital impostos, não há muito mais danos a serem feitos.

Por último, a adesão ao ultimato da troika acarretaria o abandono definitivo de qualquer pretensão de independência da Grécia. Não nos deixemos enganar por aqueles que afirmam que os funcionários da troika são técnicos que explicam aos gregos ignorantes o que devem fazer. Esses supostos tecnocratas são, na realidade, enganadores que não levaram em consideração todos os princípios da macroeconomia, e que se equivocaram em cada passo dado. Não é uma questão de análise; é uma questão de poder: o poder dos credores para desligar a economia grega, que continuará assim enquanto a saída do euro for considerada impensável.

De modo que é tempo de acabar com esse inimaginável. Do contrário a Grécia enfrentará a austeridade infinitamente e uma depressão da qual não há indícios de seu final.

* Paul Krugman recebeu o prêmio Nobel de Economia em 2008. Artigo publicado em El País.

POLÍTICA - O método seletivo da Lava Jato.

O método seletivo da Lava Jato






http://pigimprensagolpista.blogspot.com.br/
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:


Sempre que a seletividade das investigações da Lava Jato se torna um fato evidente como a silhueta do Pão de Açúcar na paisagem do Rio de Janeiro, aliados do juiz Sérgio Moro sacam um argumento conhecido: “um crime deve ser tolerado só porque outros o praticam?”

Inteligente na aparência, esse argumento tenta esconder uma verdade mais dura, inaceitável. Vivemos num país onde a seletividade não é um acaso - mas um método.
Essa visão benigna do problema ressurgiu agora, quando a delação premiada de Ricardo Pessoa, mesmo voltada para produzir provas e acusações contra o governo Dilma, Lula e o Partido dos Trabalhadores, não pode deixar de jogar luzes sobre a campanha do PSDB e outros partidos de oposição.

O recursos estão lá, demonstrando que Aécio Neves recebeu mais dinheiro do que Dilma. Que Aloysio Nunes Ferreira levou uma parte em cheque, a outra em dinheiro vivo. Julio Delgado, o relator da cassação de dois parlamentares - José Dirceu e André Vargas - foi acusado de embolsar R$ 150 000 reais de uma remessa maior enviada a Gim Argello para enterrar uma das diversas CPIs sobre a Petrobras.

Será a mesma que permitiu ao senador Sergio Guerra, então presidente do PSDB, levar R$ 10 milhões, uma quantia 66 vezes maior que a de Julio Delgado, para fazer a mesma coisa? Ou essa era outra CPI?

Não sabemos e dificilmente saberemos. A presença de altas somas nos meios políticos é uma decorrência natural das regras de financiamento de campanha, criadas justamente para que os empresários sejam recebidos de portas abertas pelos partidos e candidatos,com direito às mesuras merecidas por quem carrega uma mercadoria tão essencial, não é mesmo?

Não custa lembrar: justamente o PSDB foi responsável pela entrega de votos essenciais para a manutenção das contribuições de empresas privadas em campanhas eleitorais. Os tucanos gostam tanto desse tipo de coisa que, quando ocorreu uma segunda votação, na última chance para se conservar o sistema, até os dois parlamentares — só dois, veja bem –que se abstiveram na primeira vez foram chamados a fazer sua parte e não se negaram a participar de uma manobra que, além de tudo, tinha caráter anticonstitucional.

O PT, seletivamente investigado na Lava Jato, votou contra.

Não é curioso? Não seria muito mais proveitoso entender o imenso interesse tucano pelo dinheiro dos empresários, os mesmos, exatamente os mesmos, que agora são interrogados e presos por longos meses depois que resolveram ajudar o PT?

Isso acontece porque a seletividade não é um acidente de percurso. Está na essência de investigações de grande interesse político - como a Lava Jato, a AP 470 - porque não interessa investigar todo e qualquer suspeito num país onde o Estado "se legitima" quando atua em defesa do "grupo dominante", nas palavras da professora Maria Silvia de Carvalho Franco.

Quando você escolhe o alvo e seleciona o inimigo, a regra fundamental de que todos são iguais perante a lei, qualquer que seja sua raça, origem social ou credo, deve ser ignorada porque só atrapalha o serviço. A igualdade deve ser substituída pela seletividade.


No Brasil colonia, a Coroa portuguesa procurava hereges que pudessem ser julgados pela inquisição. Eles eram procurados até nos banheiros, acusados de proferir blasfêmias que ofendiam a Igreja Católica. Localizados e presos, eram conduzidos a Portugal, aprende-se nos relatos do livro Tempo dos Flamengos, do pesquisador Antônio Gonsalves (com “s” mesmo) de Mello.


Esse tratamento, brutal, inaceitável, era coerente com um regime absolutista, no qual homens e mulheres eram desiguais por determinação divina. A seletividade fazia parte natural das coisas.

Em tempos atuais, onde a democracia é um valor universal, é preciso escolher muito bem os alvos e ter noção de seu significado. Quem legitima a escolha? Os meios de comunicação, a principal correia de transmissão entre as ações do Estado e o conjunto da sociedade, que também espelha o ponto de vista do mesmo ” grupo dominante.”

Não vamos esquecer que os mesmos jornais e revistas que hoje glorificam Sérgio Moro e em 2012 endeusaram Joaquim Barbosa também aplaudiram o delegado Sérgio Fleury e outros torturadores que eram apresentados como caçadores de terroristas. Questão de momento, vamos combinar.

Se a denúncia do caráter parcial de uma investigação obviamente beneficia quem está sendo prejudicado, o problema real é muito maior. A seletividade modifica a natureza do trabalho de apuração. Deixa de ser expressão de um erro, humano como todos os outros, para se tornar um método.

Quando uma investigação que deveria produzir uma decisão judicial isenta se transforma numa operação política, os objetivos mudam e os resultados também. Muitos culpados são apenas “culpados”, porque sua culpa está definida de antemão e só precisa ser confirmada pelas investigações. Vice-versa para quem se torna “inocente.”

Para dar um único exemplo, entre vários: policiais que trabalharam para AP 470 descobriram que o ex-ministro Pimenta da Veiga recebeu R$ 300 000 de Marcos Valério, em quatro cheques caídos em sua conta, meses depois do final do governo FHC. Embora essa soma seja seis vezes superior aos R$ 50 000 que João Paulo Cunha recebeu em sua conta, cumprindo pena de prisão por esse motivo, a investigação sobre Pimenta sequer está encerrada - doze anos depois dos cheques de Valério terem caído em sua conta. O ex-ministro tucano é culpado? Suspeito? Quem saberá?


POLÍTICA - O ódio e os limites do antipetismo.


O ódio e os limites do antipetismo

Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:

Nas pesquisas recentes, alguns resultados são relevantes e outros não. Aqueles referentes à conjuntura econômica e suas repercussões na imagem do governo fazem parte do último caso. Enquanto não se passar o tempo necessário para as medidas de ajuste produzirem efeitos, repetir a pergunta de avaliação do governo nada acrescenta.
Entre os aspectos significativos estão as percepções e sentimentos a respeito dos partidos. Pelo fato de tanto as eleições de 2016 nas principais capitais quanto a presidencial de 2018 ainda não terem nomes definidos, conhecer o pensamento da população a respeito dos partidos é uma maneira de estimar o que nos reserva o futuro.

A mais recente
pesquisa nacional do Instituto Vox Populi, realizada em maio, mostrou que o petismo e o antipetismo permanecem do mesmo tamanho de 20 anos atrás. Revelou também que, do fim da década de 1980 para cá, nenhum partido cresceu individualmente na simpatia popular. Continuamos com um quadro de identificações partidárias no qual existe o PT e, a bem da verdade, mais nada (o PMDB ficou com 5% e o PSDB com 4% das menções).

Do total, 12% disseram “detestar o PT”. Somado aos 19% que afirmaram “não gostar do PT, mas sem detestá-lo”, o grupo perfaz um terço dos entrevistados. A mesma proporção daqueles que responderam se “sentir petistas” ou “gostar do PT sem se sentir petistas”. O que deixa o terço restante em posição neutra, “sem gostar ou desgostar” do partido.

A pesquisa também pediu aos entrevistados para definirem qual a possibilidade de votarem no PT em eleições futuras. Da amostra, 25% responderam que “votariam em um candidato do PT” na próxima eleição, 16% que “estavam decepcionados com o partido, mas poderiam votar em um candidato petista” e 7% que “não eram eleitores do PT, mas poderiam votar em um candidato do partido”. Ou seja, 48% dos entrevistados admitiram a possibilidade de votar na legenda, muitos com boa chance.

Do outro lado, 16% afirmaram que “nunca votaram e nunca votariam em um petista” e 11% que “não gostavam do PT e era muito difícil que votassem no partido no futuro”. Outros 12% responderam que, “embora já tivessem tido simpatia, estavam decepcionados e não votariam na legenda”. Somados, representam 39%, abaixo do “eleitorado potencial” do PT.

A pesquisa permite entender o tamanho total do antipetismo e a pequena expressão de seu braço radicalizado, aqueles que odeiam o PT. São dois motivos principais.

O primeiro é, por assim dizer, relativo. A maioria da sociedade brasileira não é antipetista e, muito menos, radicalmente antipetista, porque compara favoravelmente o desempenho administrativo do partido ao da atual oposição e porque não o compara desfavoravelmente no que é sua maior vulnerabilidade, o envolvimento de alguns integrantes com práticas de corrupção.

A pesquisa solicitou dos entrevistados que comparassem os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff em 14 dimensões e disessem qual havia sido melhor em cada uma. Lula ficou na frente em 13 itens. Bateu o tucano de 85% a 8% no quesito “Teve mais preocupação com os pobres” e 38% a 17% em “Combateu mais a corrupção”. Dilma liderou em uma (“Fez a melhor política de defesa das mulheres”).

A comparação não desfavorável do PT com a oposição pode ser percebida nas respostas a respeito de quais partidos estariam envolvidos nas irregularidades denunciadas na Petrobras. Para 6%, o único implicado seria o PT e para 17% “só o PT e os partidos da base do governo”. Segundo 70%, os desvios teriam sido, no entanto, praticados “por todos os partidos, incluindo o PSDB, o PSB e o DEM”.

Não apenas nas comparações o PT se sobressai no lado positivo e não se destaca no negativo. Para a maioria dos entrevistados, a vida melhorou nos 12 anos de governos petistas, não somente por seu esforço, mas por conta das medidas em seu favor tomadas por Lula e Dilma. Segundo 10%, os governos do PT “tomaram muitas medidas que trouxeram melhorias para suas vidas” e mais 50% disseram que “tomaram algumas”. Pouco mais de um terço, ou 38%, afirmou que as administrações petistas “não tomaram nenhuma medida” em seu favor. Significa dizer que a quase totalidade de quem se diz “neutro” em termos partidários (parte do terço que define as eleições majoritárias) está entre aqueles que creditam ao PT parte das coisas boas acontecidas em suas vidas nos últimos anos.

É por essas (e outras) razões que as atuais perguntas de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2018 são, em si, pouco relevantes. Só os tolos se alegram (ou se entristecem) com o resultado. Quando começar de fato, a eleição será travada em termos bem diferentes dos atuais.

POLÍTICA - Reação da Dilma à lava jato.

Em 1ª reação enérgica à Jato Jato, Dilma promete "tomar medida" contra delator

Jornal GGN - Em passagem pelos Estados Unidos, nesta segunda-feira (29), a presidente Dilma Rousseff (PT) reagiu de maneira enérgica, pela primeira vez, às declarações que implicam sua campanha à reeleição, no âmbito da Operação Lava Jato. No fim de semana anterior, a imprensa havia publicado trechos vazados da delação premiada do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, dando conta de que Dilma recebeu, em 2014, valores vultosos que só foram repassados ao caixa do PT por pressão de agentes supostamente envolvidos em esquemas de corrupção na Petrobras.
"Eu quero dizer algumas coisas sobre isso. Primeira coisa: a minha campanha recebeu dinheiro legal, registrado [e aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral], de R$ 7,5 milhões. Na mesma época em que recebi os recursos, pelo menos em uma das vezes, o candidato que concorreu comigo recebeu também, com uma diferença muito pequena de valores. Eu estou falando de Aécio Neves [PSDB]", disparou Dilma.
A presidente ainda rebateu a fala do delator da UTC com outros três pontos: garantiu que nunca recebeu Ricardo Pessoa "em toda a minha passagem pelo primeiro mandato"; depois, que não tem "esse tipo de prática", referindo-se à possível leniência em relação à formação de caixa 2 para campanha. Por fim, Dilma disse: "Eu não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou minha campanha qualquer irregularidade. Primeiro, porque não houve. Segundo, porque se insinuam, [é porque] alguns têm interesses políticos."
No início da tarde de segunda, quando a imprensa começou a publicar os primeiros trechos da reação de Dilma, o destaque ficou para a parte em que ela diz que não respeita a figura do delator. Críticos à Operação Lava Jato apontam que prisões preventivas têm sido decretadas apenas para forçar os investigados a firmarem acordos de colaboração em troca de redução de pena e outros benefícios. Outros criticam, ainda, a falta de documentos que comprovem o teor das denúncias.
Segundo Dilma, "em Minas, na escola, a gente aprende sobre Inconfidência Mineira e sobre um personagem que a gente não gosta. Ele se chama Joaquim Silveiro dos Reis, o delator. Eu não respeito delator."
"Até porque", continuou a presidente, "eu estive presa na ditadura e sei como é que é. Tentaram me transformam numa delatora. Fazem isso com as pessoas presas. Eu garanto para vocês que resisti bravamente. Até, em alguns momentos, fui mal interpretada quando disse que, sob tortura, você tem que resistir. Então, não respeito nenhuma fala. Agora, para ser bem precisa, a Justiça tem que pegar tudo que ele [Ricardo Pessoa] disse e investigar. Tudo, sem excessão."
Pessoa implicou em seus depoimentos os ministros Aloizio Mercadante e Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha de Dilma em 2014. Segundo informações da Folha, ambos pediram ao Supremo Tribunal Federal acesso à declaração do delator. No caso de Mercadante, Pessoa afirmou ter doado R$ 250 mil à campanha para governador de São Paulo, em 2010. Assim como os repasses à campanha de Dilma, os valores doados a Mercadante foram registrados e aprovados pelo TSE.
"Dilma declara guerra"
A colunista Mônica Bergamo também publicou nesta terça-feira (30) que "Dilma declara guerra a Ricardo Pessoa e diz que vai provar que ele mentiu na delação". Segundo a jornalista, "em reuniões internas com integrantes do governo, ela se diz disposta a 'anular os benefícios da delação premiada' do empresário, 'provando' que ele mente em relação às doações feitas à sua campanha em 2014."
O jornal destacou que empresários envolvidos na Lava Jato, como Pessoa e Marcelo Odebrecht, estariam "contrariados" com a falta de pulso firme do Ministério da Justiça em relação à Lava Jato. "Empreiteiros investigados na Lava Jato reclamavam que Dilma não se interessava pela Lava Jato por acreditar que a operação ficaria restrita às empresas, sem atingir o governo. Alguns deles acreditavam que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, poderia ter papel mais ativo para 'coibir abusos' de policiais e até da Justiça, nas palavras de um empresário."
Ao final, quando questionada por jornalistas que cobriam a agenda presidencial nos EUA sobre a possibilidade de tomar alguma medida diante das falas de Ricardo Pessoa, Dilma respondeu: "Se ele falar sobre mim, eu tomo. Mas vamos avaliar com cada ministro porque [até agora] foram [citados] os nomes deles."

POLÍTICA - Governos de esquerda ganham espaço na América Latina e Europa.

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Diante da crise, governos de esquerda ganham espaço na América Latina e Europa

Cristiano Morsolin
 
Adital
 
Juan Carlos Monedero, professor de Ciência Política na Universidade Complutense de Madrid e anteriormente assessor do Centro Internacional Miranda de Caracas, acompanha o Podemos [hoje, principal partido de extrema esquerda da Espanha] desde o seu nascimento, em janeiro de 2014, e faz parte do grupo de politólogos, que, juntamente com Pablo Iglesias, deu vida à formação que tem transformado a política espanhola nos últimos dois anos e conquistado a histórica eleição das novas prefeitas de Barcelona e Madrid.
periodistadigital
Juan Carlos Monedero é um dos principais ideólogos do Podemos que, em pouco mais de um ano, já conseguiu expressivas vitórias políticas.


Em seu artigo "A filosofia política do socialismo no século XXI” (2012), Juan Carlos Monedero considera que o socialismo no século XXI necessita articular bases compartilhadas que permitam ir construindo referenciais teóricos. Para cimentar referenciais científicos acerca do socialismo faz falta precisar alguns lugares compartilhados, se bem, ao configurar o socialismo como uma proposta normativa, esta tarefa se torna, certamente, complicada. Tentando superar as dificuldades, faz falta, em primeiro lugar, uma definição do que seja o socialismo. A possibilidade de pensar o socialismo passa por uma reconsideração da natureza humana e por uma construção de uma linguagem diferente, sustentada em práticas diferentes. Em terceiro lugar, é preciso deter-se no papel do Estado, lugar essencial, junto à participação, ao impulso da sociedade socialista (a construção de um Estado comunitário é, portanto, uma aposta radical). Em quarto lugar, é necessário precisar quais são os elementos que devem articular esse socialismo e em que se diferencia das práticas do socialismo no século XX (com uma enuncição dos seus acertos e erros, do papel do novo sujeito plural e dos problemas que implica um suposto "socialismo científico). Por último, está pendente estabelecer quais são os valores que há por trás do que seja o socialismo no século XXI. Nada aporta construir um marco teórico autoalimentado, que não se confronte com os marcos teóricos que, supostamente, sustentam as petições políticas de superação do modelo socialista (1).

Esta entrevista exclusiva com o professor Juan Carlos Monedero evidencia a força de novas experimentações sociais e políticas para governar a partir de um processo de mudança, que une a América Latina e a Europa, como destaca Samuele Mazzolini, analista político da Presidência da República e em Senplades –Secretaria Nacional de Planejamento e Desenvolvimento (Equador): "A capacidade do Syriza [partido de extrema esquerda vitorioso na Grécia] e o Podemos de irem mais além da administração do punhado de votos da esquerda radical sancionam, de maneira definitiva, a validade do populismo e das reflexões que o inspiram. A lógica de construção de relatos nacional-populares, capazes de interpelarem o povo a partir de suas demandas sociais concretas é, crescentemente, reconhecida também na Europa como a única forma política para voltar à disputa hegemônica, da qual a esquerda tem sido excluída pelo neoliberalismo. Para o pensador argentino Lacau, não poderia ter havido maior recompensa por seus esforços intelectuais do que a existência e o êxito de forças como o Syriza e o Podemos, no contexto mais recalcitrante para acolher suas estratégias políticas” (2).

Qual é o papel dos intelectuais?
Há o risco de que os acadêmicos não toquem com as mãos na realidade. É preciso refletir sobre o processo emancipatório. Identificamos dificuldades estruturais para transformar as realidades, mas permanecemos parados.
jornalggn
O Podemos surgiu como alternativa à grave crise económica e política que afeta os espanhóis desde 2008.


Que papel tem o Estado em sua relação com o direito à Cidade?
O sistema capitalista ultrapassou os limites. O direito à cidade tem virtudes porque permite construir alternativas, concentrar esforços em um lugar em que podemos definir que o direito à cidade é um conjunto de lutas que estão, hoje, vigentes, é uma riqueza coletiva que construímos entre todos.

O direito à cidade rompe o esquema neoliberal e estabelece uma leitura nova, rompe a separação entre direita e esquerda, é preciso ir mais além da classe operária. A construção da cidade é um processo coletivo, recordando a corresponsabilidade fiscal de todos e também dos ricos com a cidade.

Hoje, é possível identificar alguns erros da esquerda atual, como, por exemplo, o paternalismo do Estado. Necessitamos construir novos sujeitos de corresponsabilidade dos direitos, é preciso repensar o papel dos partitos políticos. É preciso refletir entre o direito à cidade e a impugnação do Estado. Considero que seja um erro tratar de mudar o mundo sem tomar o poder.

Foi simbólico o desmantelamento do Estado social com o presidente Salvador Allende, no Chile. É necessário manter a estrutura do Estado, que gestione toda a especificidade de um Estado, acompanhado pela experimentação social, que buscam novas soluções, não há desenho prévio. Existe uma crise civilizadora e, por isso, temos que nos mover com a experimentação social, juntamente com o aparato do Estado, nessa direção é evidente que com o Podemos aprendemos sobre a América Latina.

Qual é a proposta política do Podemos?
Criamos o Podemos pelo risco da latino-americanização da Espanha, no sentido de repetir o vendaval neoliberal dos anos 1980, que tem impedido a democracia na América Latina. Não aceitamos a precariedade trabalhista dos jovens. Foram incrementados os mecanismos de repressão, se estigmatizaram os protestos, as periferias. Devemos reconstruir a democracia. Em particular, o papel das empresas dos meios de comunicação, falávamos sobre o quão tão mal iria Petro [Gustavo Petro, prefeito de Bogotá, Colômbia], mas Bogotá está em pé de guerra para construir a mudança.

Resolver a partidocracia explica o nascimento do Podemos: é importante a renovação da participação política, em que a representação política não esgotava e conseguimos a histórica vitória nas Prefeituras de Barcelona e Madrid (há 23 anos, gobernava a direita).

As desigualdades estão rompendo o pacto social. Em nossas ciudades, as pessoas não têm moradia, não têm teto, não têm oportunidades.

Para entender esta crise, é preciso analisar a derrota dos anos 1970, do modelo Keynesiano, quebrou e entrou o sistema neoliberal, no qual se propõe uma sociedade neoliberal como guerra do indivíduo contra outros indivíduos, assim se dinamita a possibilidade de mudança, com redes que irritam o poder.

É preciso entender, profundamente, o pensamento neoliberal da cultura, que considera que o privado é melhor do que o público.

Como os novos movimentos sociais dos indignados disputam o poder?
Em um novo contexto de dívida e desemprego, os novos movimentos vêm disputar o poder com os partidos políticos tradicionais mudando o eixo das propostas. O Podemos, continuando o recurso colocado em andamento pelo movimento indignado (o 15M), mudou o discurso e ao invés de falar de crise falou de estafa; ao invés de enfrentar os cidadãos, assinalou aos banqueiros e aos políticos assimilados pelo poder financiero, acusando-os de serem uma ‘casta’ distante da democracia e inimiga do povo. Ao invés de assumir, acriticamente, tudo o que vinha da Europa, acertou em entender que a Europa, agora mesmo, está nas mãos de grupos de interesse, que velam por seus próprios interesses e os das grandes corporações.

Você considera que é preciso defender o Estado Social e construir novos modelos civilizatórios, como sustenta Boaventura de Sousa?
Para poder reverter a maquinaria eleitoral na Espanha, a única solução é rearmar com os movimentos sociais novas condições, em que apelamos à cidadania pela mudança.

Este processo votou Margaret Tatcher para derrotar o Estado Social – Welfare State.

Necessitamos de modelos civilizatórios diferentes. Na Espanha, temos a esperança da reconstrução democrática que o Movimento dos Indignados 15M começou a perguntar sobre a democracia representativa porque não me representa. Há a possibilidade de novas sociedades, como contra o fascismo nos anos 1930.

O desafio é desafiar a economia, que impede fazer políticas contra a fome, que causa a queda da esperança de vida. Se os povos não têm consciência do desafio, é necessário ganhar na rua.

Há o desafio de medidas ambientais, que o povo não assume, como é o caso da Yasuni-ITT no Equador, porque os povos não têm uma consciência global da mudança.
jornalggn
Nova prefeita de Madrid, Manuela Carmena, vitoriosa pela aliança das esquerdas.


Gostei da sua intervenção, no último dia 03 de março de 2015, convidado por Joachim Rücker, presidente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas no Painel de Alto Nível sobre o fortalecimento da cooperação internacional no âmbito dos direitos humanos.

Você afirmou: "Me perguntei acerca da validade universal dos direitos humanos em um mundo onde opera uma clara dupla vara de medir. Ainda mais quando os países que definem esses direitos a partir do "norte global” são os países que, sistemáticamente, os violan tanto dentro das suas fronteiras (fomentando as desigualdades com políticas de ajuste) como fora das mesmas (através de formas de neocolonialismo ou neoimperialismo).

Seguindo a análise de Boaventura de Sousa Santos, propus complementar a definição dos direitos humanos a partir de outras propostas, que também pretendem contribuir para articular uma ideia ampla da dignidade humana. Situando-me em um "otimismo trágico” (na expressão de Juan José Tamayo), procurei distanciar-me de algumas intervenções excessivamente otimistas, que não se compadecen com um mundo – no qual o modelo capitalista é hegemónico –, onde dois terços da humanidade são desnecessários por não serem relevantes nem como produtores nem como consumidores.

Finalmente, propus uma série de desafios que, se forem superados com êxito, permitirão que a aplicação dos direitos humanos sirva para superar os obstáculos que constróem, atualmente, o "caos mundial”. A complementariedade, nesse cenário –e tal como está se tentando com a cooperação sul-sul – estará acima da competitividade – o modelo que prima na Europa. A cooperação em direitos humanos, longe de ser uma desculpa para que alguns países exerçam privilégios sobre outros, poderá atuar, então, como uma base de convivência planetária, tanto para todos os seres humanos como para as gerações futuras e, inclusive, para a natureza (uma herança que os filhos deixam para os pais, como diz a sabedoria indígena).

Só a partir de uma compreensão humilde dos direitos humanos – que abra as fontes de definição da dignidade humana a âmbitos como a filosofia, as teologias progressistas e as concepções de mundo que o modelo neoliberal dá como mortas – e que situem as causas das desigualdades no coração do problema, será possível sua verdadeira universalidade. Superá-las não será uma mera tarefa dos Estados, mas que formas de participação democrática popular devem acudir em sua reformulação. Será, precisamente, longe da arrogância das definições oficiais que poderemos acudir a uma verdadeira condição dos direitos humanos, que trabalhe para ampliar e aprofundar a dignidade humana” (3).

Como aterrizar essa dignidade na construção do direito à cidade?
A primeira luta é contra a corrupção. Para uma cidade alternativa, é necessário frear o saque e a corrupção, mais além das etiquetas ideológicas tradicionais.

No programa do Podemos propomos os Conselhos Cidadãos de igualdade, nos quais a sociedade civil faz propostas não consultivas, mas impositivas com relação ao governo.

Outro ponto é a reconstrução econômica da ciedade.

Os resgates cidadãos se fundam no artigo nº25 das Nações Unidas sobre o direito a satisfazer as necessidades básicas, o povo não pode estar em situação de fome, por isso propomos a renda básica de cidadania.

Serve uma reconstrução ecológica das cidades.

Propomos cartões médicas para migrantes sem documentos.

Outro ponto é a des-mercantilização da cidade; por exemplo, em Lima, os jovens elaboraram muitos grafites como presente para a cidade durante o mandato da prefeita Susana Villaran e o novo prefeito os apagou.

Dentro do direito à cidade, a mulher no âmbito europeu e também latino-americano deve encontrar espaços de reivindicação, os cuidados são responsabilidade coletiva.

Na Espanha, existe a experiência de Donosti, perdeu a eleição com o maior investimento social do país, não conseguiram explicar bem os avanços, tiveram má comunicação. Por isso é preciso comunicar e explicar bem a mensagem de mudança.

(1) Revista de filosofía, ISSN-e 0798-11710798-1171, Vol. 72, Nº. 3, 2012, págs. 37-84
http://dialnet.unirioja.es/servlet/autor?codigo=43984
(2) http://www.telegrafo.com.ec/opinion/columnistas/item/ernesto-laclau-un-ano-despues.html
(3) http://www.comiendotierra.es/2015/03/08/intervencion-de-juan-carlos-monedero-en-naciones-unidas/


*Cristiano Morsolin, pesquisador e trabalhador social italiano radicado na América Latina desde 2001, com experiências no Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil. Autor de vários livros, colabora com a Universidade do Externado da Colômbia, Universidade do Rosario de Bogotá, Universidade Politécnica Salesiana de Quito.

Em Busca da Verdade - Documentário


GRÉCIA - Põe na mesa a carta da democracia.


Grécia põe na mesa a carta da democracia

Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:

“A revolução não será televisionada”, lembra um documentário de enorme repercussão na década passada. Em certas ocasiões, os grandes impasses históricos desenvolvem-se diante dos nossos olhos – e o velho jornalismo tornou-se incapaz de narrá-los. Um deles começou a se desenrolar na manhã deste sábado (27/6) e vai se estender até 5 de Julho. Tem como protagonista o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, eleito no início do ano por um partido-movimento organizado em rede e partidário de uma nova ordem internacional.

Pressionado pelos credores do país, que querem impor redução de direitos sociais para rolar uma dívida financeira, o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, convocou, em pronunciamento pela TV, um plebiscito sobre a proposta. Considerou que ela equivale a um “ultimato”, uma “tentativa de humilhar o povo grego”. Disse esperar dos eleitores “um grande não”. Lembrou que passava a palavra a eles por considerar a democracia “um valor supremo da sociedade grega”.

A consulta popular, um recurso essencial da política, foi considerada um tapa na cara pelos demais governantes dos países da zona do euro – todos implicados em políticas de “austeridade”. “Estou muito desapontado”, afirmou
Jeroen Dijsselbloem, o membro do Partido Trabalhista Holandês (supostamente de centro-esquerda) que preside o chamado “eurogrupo”. Ainda no sábado, reunido em Bruxelas, o órgão respondeu à convocação democrática com uma demonstração de força bruta. A proposta de Atenas, que pedia adiar a decisão sobre a rolagem da dívida por apenas sete dias – até que se conhecesse a opinião popular –, foi rechaçada.

O Banco Central Europeu (BCE) decidiu não manter as linhas de crédito automáticas que normalmente oferece aos bancos de todo o continente. A consequência imediata, todos sabiam, seria o início de uma crise bancária na Grécia – cidadãos correndo aos caixas para retirar seus depósitos, sem poder fazê-lo. Tsipras não se intimidou. Em novo pronunciamento aos gregos, anunciou um feriado bancário de sete dias (até a apuração dos votos do plebiscito). A medida tem conteúdo igualitário. No período, as retiradas de dinheiro ficarão limitadas a 60 euros por dia, seja qual for o volume depositado em cada conta bancária. Estão suspensas, além disso, as transferências de recursos ao exterior.

A ousadia de Tsipras provocou uma reviravolta. O poder econômico dos gregos é ínfimo, diante dos tecnocratas da União Europeia (UE) – mas a convocação do plebiscito é um tapa democrático sobre um tabuleiro viciado. Nesta segunda-feira, os mercados financeiros europeus abriram em meio a uma incerteza próxima do pânico. As ações estão caindo fortemente, nas bolsas de valores de Londres, Frankfurt, Paris e Amsterdam, as mais importantes do continente. As ações mais desvalorizadas são as dos maiores bancos europeus. O secretário de Finanças dos EUA, Jacob Lew, achou prudente intervir, e
recomendar cautela aos governantes do “Velho Continente” empenhados em pressionar Atenas. Há semanas, ele havia advertido: ninguém sabe se o sistema financeiro internacional, ainda envolto em crise, suportará o impacto de um trauma como o de uma eventual expulsão da Grécia do euro.

Nos próximos sete dias, estará em jogo muito mais que uma disputa entre Atenas e Bruxelas. As sociedades têm o direito de construir coletivamente seu futuro? Ou devem curvar-se ao que Marx chamou, de modo sarcástico, de “as águas gélidas do cálculo econômico”? Num tempo em que a “aristocracia financeira” – nova classe global de super-ricos – parece cada vez mais forte e insensível aos velhos valores civilizatórios, será possível encontrar uma brecha em seu sistema de dominação?

*****

Ao contrário do que tentam fazer crer as manchetes dos jornais de hoje, o está em jogo na disputa entre a Grécia e seus credores muito mais que uma querela econômica e técnica. Do ponto de vista financeiro, a crise grega poderia ser resolvida sem sobressalto algum. Desde 2010, a UE
emprestou à Grécia algo como 316 bilhões de dólares. As duas linhas de crédito que precisam ser renovadas nas próximas semanas – 1,8 bilhão de dólares junto ao FMI, mais 7,5 bilhões de euros ao BCE – perfazem apenas 3% deste total. Se as negociações se arrastam há cinco meses é porque está em jogo muito mais que uma ninharia percentual.

Por trás dos números, cada parte tenta validar seus projetos de longo prazo para as sociedades e sua relação com as finanças. Quando evitaram que o Tesouro grego quebrasse, há cinco anos, seus credores, reunidos na chamada troika (BCE, Fundo Monetário Internacional-FMI e Comissão Europeia-CE), impuseram, como condição, um ataque rude aos direitos sociais dos gregos, aos serviços públicos e à soberania do país sobre si mesmo. Os acordos entre as duas partes foram estabelecidos em dois documentos, conhecidos como “Memorandos” (
1 2). Produziram políticas que elevaram o desemprego a quase 30% (60% entre os jovens), privatizaram em massa – de portos a redes de infraestrutura a parques públicos e sítios arqueológicos –, ampliaram a carga de impostos (tornando-a, ao mesmo tempo, mais injusta) e reduziram, até mesmo em termos nominais, o salário mínimo e as aposentadorias.

O projeto de unidade europeia construído pacientemente a partir do
Tratado de Roma (1957), nas décadas de capitalismo keynesiano, implicava difundir o modelo do Estado de Bem-estar Social. Mas após a crise de 2008, a Europa reduziu-se ao continente da regressão de direitos e aumento da desigualdade O dinheiro destinado ao governo grego jamais produziu benefício coletivo algum: retornou integralmente aos bancos privados a quem o país devia. O movimento foi chamado de “austeridade” – um termo enganoso e interesseiro. Oculta o fato de que os lucros e salários dos banqueiros e demais membros da aristocracia financeira recuperaram-se e voltaram aos patamares nababescos de antes da crise – enquanto, nas ruas, multiplicam-se os sem-teto e os que se alimentam da sopa dos pobres.

A emergência do
Syriza, o partido-movimento a que pertence Alexis Tsipras, desmontou a trama, ao jogar luz sobre ela. No país europeu mais atingido pelas “novas” políticas, o grupo chegou ao governo em janeiro. Embora ligados ao pensamento anti e pós-capitalista, seus membros apresentaram um programa moderado e realista, que se apoia em quatro pilares – todos de natureza social-democrata: a) enfrentar a crise humanitária; b) reativar a economia, com Justiça Fiscal; c) um Plano Nacional de Retomada do Emprego; d) Reforma Política para aprofundar a democracia. Embora contido, o projeto é claro: os eleitores gregos votaram numa proposta que exige a revisão dos “Memorandos” firmados com a troika.

Para surpresa de muitos, a oligarquia financeira recusou-se ao diálogo efetivo, mesmo diante desta proposta conciliadora. Em fevereiro, poucas semanas depois de assumir o governo, o Syriza enfrentou a primeira bateria de negociações com a troika. O
resultado foi uma espécie de empate. Para postergar, por quatro meses, o vencimento de dois empréstimos, os gregos recuaram de medidas como a reversão das privatizações. Pela primeira vez em cinco anos, no entanto, a resistência de Atenas impediu que o governo fosse obrigado a anunciar novos cortes de direitos. Este fato provocou um primeiro desconforto, num cenário político europeu marcado pelo conservadorismo. Governos como os da Espanha, Portugal e Irlanda constrangeram-se diante de um desfecho que mostrou, para seus próprios eleitores, que poderia valer a pena resistir.

Em junho, quando este acordo provisório expirou e as negociações foram retomadas, a troika voltou com sangue nos olhos. Inspirando-se em medida semelhante
oferecida à Alemanha, em 1953, Atenas reivindica uma redução na dívida, para que seja possível melhoras as condições de vida da população e relançar a economia. Os credores não se limitam a repelir a proposta. Exigem que o Syriza traia seu programa e se desmoralize. Não abrem mão de duas medidas emblemáticas, pela enorme repercussão política que teriam junto aos gregos: nova redução no valor nominal das aposentadorias (a terceira, em cinco anos) e aumento dos impostos indiretos – os mais injustos e os que são sentidos mais imediatamente pela população.

Desde meados de junho, o eurogrupo viu-se imerso numa bateria frenética de negociações. Além das reuniões entre chefes de Estado, os ministros de Finanças foram convocados a Bruxelas cinco vezes, nos últimos dez dias. Atenas chegou a lançar propostas aparentemente conciliadoras, para tensionar o discurso dos credores. Sugeriu, por exemplo, que o “ajuste fiscal” reivindicado pela troika poderia ser feito tributando os mais ricos. Não houve o menor sinal de recuo. No sábado, quando todas as possibilidades de negociação se esgotaram, Tsipras colocou na mesa a carta do plebiscito – aprovado pelo Parlamento em sessão de emergência, um dia depois. Agora, as propostas da troika terão de ser feitas a todo o povo grego, que se pronunciará no próximo domingo. Mas quais as condições concretas para continuar resistindo?

*****

Na era da ultra-mercantilização, nada mais eficaz, para submeter um Estado ou sociedade rebelada, que o fantasma de uma crise bancária. Em 11 de fevereiro, apenas quinze dias após a posse de Alexis Tsipras em Atenas, o Banco Central Europeu agiu conscientemente para evocar uma destas crises na Grécia. Numa decisão casuística, ele
decidiu excluir o país do mecanismo de assistência automática que oferece aos bancos da eurozona, quando enfrentam dificuldades momentâneas de liquidez. Desde então, o auxílio aos bancos gregos precisa ser autorizado, caso a caso, pelos dirigentes do próprio BCE. Quem reconheceu o viés político da decisão foi a revista Economist,insuspeita de qualquer simpatia pelo Syriza: “foi um tiro de advertência disparado contra o novo governo”, admitiu ela.

Inserida na zona do euro, a Grécia abriu mão do poder de emitir moeda. E, sociedade dividida em classes, passou a sofrer, também desde a chegada do Syriza ao poder, a pressão das elites, interessadas em fazer todo o possível a mudanças no status-quo. A partir de janeiro, os bancos vivem um processo de retiradas predatórias – e cada vez mais maciças – de dinheiro, feitas pelos mais ricos. Já em fevereiro, o montante total dos depósitos
havia caído para 140,5 bilhões de euros, o mais baixo em dez anos, desde a criação da moeda única europeia.

O movimento intensificou-se desde então e se converteu em bola de neve à medida em que os credores endureceram as condições para um acordo. Os saques
subiram a € 300 milhões diários na semana entre 13 e 20 de junho e a € bi a cada 24 horas, desde então. No último fim de semana, antes de o governo estabelecer um limite diário equânime para as retiradas, havia longas filas diante dos caixas eletrônicos. Temeu-se pelo pior: além de não haver mais dinheiro nos bancos, surgiu o risco de faltarem recursos para pagar, na virada do mês, os aposentados e pensionistas… O New York Times não deixou de captar as possíveis consequências políticas. Na Argentina, uma crise bancária que eclodiu em janeiro de 2001 derrubou três presidentes em cinco dias. Houve quem especulasse: a União Europeia estará tramando uma mudança de regime em Atenas?

É possível, porém, que estas especulações não levem em conta outro aspecto, de sentido contrário. Caso a ruptura se consume, e impeça Atenas de saldar também seus compromissos internacionais, qual será o impacto sobre os mercados financeiros internacionais? O pensamento convencional prevê repercussão limitada. O PIB anual da Grécia, de € 242 bilhões equivale a apenas 1,34% do europeu. Os grandes bancos do Velho Continente já teriam “precificado” o risco de uma retirada grega da zona do euro (a “Greek Exit”, ou “Grexit”) – ou seja, teriam feito provisões para absorver os eventuais prejuízos.

Mas talvez valha a pena ouvir duas opiniões ilustres e divergentes. No final de maio, o secretário de Tesouro dos EUA, Jacob Lew, advertiu seus colegas do G7 sobre as consequências – a seu ver desconhecidas da possível “grexit”. “Só sabemos ao certo que estamos aumentando os riscos de um acidente [financeiro] quando deixamos de agir até que chegue o próximo prazo fatal”,
disse ele. Um dia depois, Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, foi além. “Mesmo no curto prazo, as salvaguardas financeiras de uma saída grega nunca foram tesstadas e poderiam perfeitamente falhar. Além disso, a Grécia, goste-se ou não, é parte da União Europeia e seus problemas iriam se esparramar pelos demais países do grupo, mesmo se a barreira financeira aguentar”, escreveu ele – que enxerga nos governantes europeus atuais a mesma tendência à alienação e cegueira política que levou à I Guerra Mundial.

*****

Indiferentes até ontem à crise grega, os velhos jornais brasileiros abrem hoje
suas manchetes para ela. A descoberta do assunto é bem-vinda, mas em todos os textos sobressai uma distorção. A crise é tratada apenas em seu lado dramático. Destacam-se os limites aos saques nos bancos, as filas quilométricas, os temores dos aposentados. É como se estivéssemos diante de uma fatalidade trágica: os gregos desobedeceram os deuses, os mercados – agora, assistiremos ao castigo.

Nesta cobertura invertida, o que não se menciona, ou se subestima, é precisamente o fato novo, a notícia. Tsipras e o Syriza convocaram um plebiscito. A sociedade será ouvida, ao invés de convidada a submeter-se (como no Brasil do “ajuste fiscal”) a políticas apresentadas como tão inevitáveis como os terremotos ou as grandes secas ou os terremotos. Abriu-se, subitamente, uma brecha na ditadura financeira.

Saberemos aproveitá-la? Os próximos sete dias serão decisivos. O gesto de Tsipras agrega uma nova incógnita à equação, num mundo marcado por imensos riscos e oportunidades. E se as populações da Espanha, Portugal ou Irlanda – para não falar dos outros países europeus – exigirem também ser consultadas, sobre os programas impostos a seus países? E se o recém-fundado Banco dos BRICS oferecer a Atenas – amparando-se na imensa fartura das reservas monetárias chinesas – os recursos de que precisa para se livrar da crise? E se, no Brasil, alguém propuser um referendo sobre o “ajuste fiscal” também concebido para permitir elevação dos juros e enriquecimento ainda maior da aristocracia financeira?

Os dados estão lançados e o resultado final já não depende apenas do interesse dos mercados – mas das atitudes e posturas que tomaremos, coletiva e individualmente. Costumava-se dar a isso o nome de democracia.

ECONOMIA - O ciclo recessivo do desemprego no mundo.

O ciclo recessivo do desemprego no mundo

O fechamento de postos de trabalho derruba o consumo, diminuindo a demanda e o nível de atividade das empresas que, ociosas, demitem mais.


Clemente Ganz Lúcio
Fora do Eixo/Creative Commons
Estima-se em mais de 200 milhões o número de pessoas desempregadas no mundo - mais de 30 milhões perderam o emprego depois da crise de 2008. As estimativas são da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e constam do estudo "Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo".

Para atender aos que começam a buscar uma ocupação, entre eles os jovens que atingem a idade adulta, ou responder à maior participação das mulheres no mercado de trabalho, a economia mundial precisa criar mais de 40 milhões de postos por ano. Trata-se de um enorme desafio, porque isso requer sustentar uma taxa de crescimento econômico que amplie a capacidade produtiva global (mais empregos com maior produtividade) para atender a demanda de consumo dos mais de 7 bilhões de habitantes do planeta.

Para que isso ocorra é preciso que a dinâmica do consumo das pessoas, das empresas e dos governos amplie a demanda da produção de bens e serviços. No caso da maioria das pessoas em idade adulta, a capacidade de consumo é majoritariamente decorrente dos empregos e do poder de compra dos salários ou dos benefícios da aposentadoria. Quando os postos de trabalho são fechados e os salários são arrochados, as famílias perdem capacidade de consumo, o que rebate diretamente sobre a demanda, reduzindo o nível de atividade das empresas e gerando ociosidade da capacidade instalada das plantas empresariais, o que gera ondas de demissões e alimenta um dramático ciclo recessivo.

Da mesma maneira, a queda do consumo faz cair a receita do Estado, que arrecada menos impostos e reduz a capacidade de gastos correntes com as políticas públicas de investimentos. A OIT estima que o desemprego, o arrocho dos salários, os empregos precários e a informalidade retiram da economia uma demanda potencial equivalente a US$ 3,7 trilhões, perda correspondente a 2% do consumo global e de 1,2% da produção mundial.

Além do desemprego, observa-se que ocorrem mudanças profundas nas relações de trabalho, com o crescimento dos empregos em tempo parcial, das ocupações precárias e da informalidade. Há um movimento mundial que amplia a insegurança e a precarização no mundo do trabalho. Em boa parte dos 90 países pesquisados pela OIT, cerca de 75% dos trabalhadores estão ocupados em empregos precários, em tempo parcial, sem contrato de trabalho e na informalidade.

Nessa dinâmica, há aumento da desigualdade e crescimento da pobreza. Contraditoriamente, a educação e o conhecimento científico se ampliam e transformam-se em novas tecnologia e inovação, que aumentam a produtividade e esta não para de crescer, na contramão dos salários, que não param de cair. A desigualdade cresce em um mundo de abundância!

Entendemos que o objetivo da política econômica é gerar empregos para produzir os bens e serviços para promover o bem-estar, a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental. Essa é uma forma de conceber a economia, sentido este sempre em disputa na sociedade.

O desafio para os trabalhadores é, de maneira insistente e indelegável, recolocar o trabalho na centralidade da política econômica, tarefa que requer muita luta e capacidade de disputa no campo da economia política.

No Brasil, nossa tarefa é construir uma rápida transição para o crescimento econômico baseado na combinação entre o investimento e o incremento e a repartição da produtividade, ampliando, por meio do emprego, a melhor distribuição de renda, a inclusão social e econômica e o mercado interno de consumo. Não há mágica, apenas muito trabalho para gerar renda e riqueza e muita força política e disposição de luta para criar regras que distribuam os resultados de maneira justa e igualitária.
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Clemente Ganz Lúcio é Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

ECONOMIA - O consumidor virtual e o real.

O consumidor virtual e o consumidor real

Nós consumidores somos responsáveis ao fim e ao cabo por ratificar a forma de produção do capitalismo contemporâneo. Querendo ou não.


José Carlos Peliano
obviousmag/reprodução
Qual o papel dos consumidores no mundo contemporâneo? Seguem todos eles os desígnios impostos pelo mercado, quais sejam de entrar e sair de lojas de departamentos, supermercados, lojas de prestação de serviços, feiras, ruas de comércio, enfim do conjunto da meca do comércio e serviços, para darem conta de suas necessidades de consumo.

Como lembrava Marx tempos atrás, a construção capitalista da forma de produção de bens, mas também de serviços, quando mercadorias à disposição do consumo final, acabou por encobrir as etapas anteriores de fabricação dos produtos.

O chamado fetiche das mercadorias, a necessidade ou o glamour da aquisição de produtos, faz com que o consumidor adquira sua cesta de necessidades de bens e serviços, como pacote fechado, isto é, sem identificar quem produziu, com que produziu e em que condições foi produzido.

Assim, os grandes grupos vendem o marketing embutido nos produtos como o sinal mais evidente de sucesso, experiência e qualidade. A tecnologia dos carros modernos, a beleza dos efeitos dos produtos cosméticos, a resistência das fibras das malhas e tecidos de roupas em geral, os tênis que levam os usuários a terem impressão de voarem ou andarem descalços. E assim por diante.

Na época histórica do artesanato, o mercado era formado por bens e serviços dos quais se conheciam os seus produtores. Sabia-se das características de cada um, suas habilidades, as qualidades de seus produtos, toda a sorte de informações que levava o comprador a ir em busca dos produtos daquele artesão e só dele.

Hoje ao se ir ao mercado, o grande mercado moderno, espalhado em suas mais variadas formas de apresentação de produtos e serviços, em ruas, alamedas, shoppings, entre outras modalidades, não se tem mais essa informação. Compra-se somente o produto final e de que grupo industrial o fabricou. Nada mais.

E por que não se sabe mais? Uma das razões básicas mais determinantes é o fato de o consumidor moderno não ir em busca dessa simples informação. Ao adquirir o produto, ele compra o pacote fechado, caixa preta, apenas para seu uso pessoal. Para sua necessidade ou satisfação.

Não se dá conta, no entanto, que ao fazer assim ele está também aceitando as condições finais da compra, as quais não revelam as etapas anteriores de produção: quem de fato produziu, em que condições de trabalho e fabricação e em que estado do meio ambiente.

Ao assim proceder, todos nós consumidores estamos garantindo que os produtos adquiridos sejam reconhecidos como tais e garantindo que eles continuem a ser produzidos do mesmo modo dali para frente. Estamos comprando produtos e suas condições de trabalho e produção. Somos os responsáveis finais pela manutenção continuada dos mesmos produtores e de suas estratégias de fabricação e venda.

Nós consumidores somos responsáveis ao fim e ao cabo por ratificar a forma de produção do capitalismo contemporâneo. Querendo ou não. Compramos às escuras e os produtores mantém às escuras as formas com as quais extraem, organizam, fabricam e vendem seus produtos. Nossas compras no mercado chancelam tudo isso.

Assim, não adianta se assustar ao descobrir que grandes grupos industriais modernos utilizam mão de obra escrava na fabricação de seus produtos, ou mão de obra infantil, ou inseticidas e produtos transgênicos na produção de hortaliças, grãos e achocolatados. Entre tantos outros.

Nem mesmo se indignar pela depredação do meio ambiente, degradação das condições de trabalho, utilização intensiva de trabalhadores clandestinos e crianças, corrupção localizada ou disseminada, escassez de produtos por estratégia empresarial.

Há que se desvestir da roupa de consumidores e desvendar a caixa preta dos produtos expostos no mercado. Nós consumidores temos de assumir o papel de investigadores do que compramos, do que consumimos, do que garantimos a permanência no mercado.

Vejam um exemplo clássico de combate e resistência dos consumidores. Em 1995 o governo britânico, ao apoiar a Shell UK de afundar sua instalação de reserva de petróleo Brent Spar no mar do Norte a 2,5 quilômetros de profundidade no oceano Atlântico, recebeu uma pressão inusitada da população europeia com o apoio do Greenpeace.

A oposição pública e política, ao lado do boicote generalizado aos postos de gasolina (estações de serviços) da Shell, além de outros incidentes localizados, fez com que a empresa abandonasse seu intento, recuperando a instalação ao traze-la para a terra. Em 1998 parte dela foi reutilizada na construção de novas instalações portuárias próximas a Stavanger, Noruega.

Os consumidores desempenharam seu devido papel como compradores conscientes. Mais que isto, como re-orientadores dos interesses das empresas, do capital, em benefício do meio ambiente no caso, para que a produção de petróleo atendesse o mínimo de respeito, garantia e proteção da natureza, mas também da população.

Outros exemplos anteriores foram anunciados nos casos de denúncias de grandes empresas ofertando em suas dependências produtos feitos por mão de obra infantil (Nike) e mão de obra escrava (Zara, Gregory, C&A). Já a Starbucks estaria no rol daquelas que defendem as empresas que vendem produtos transgênicos como se fossem naturais, orgânicos.

Na contramão desse movimento de resistência dos consumidores, o Congresso Nacional do Brasil acabou de aprovar a retirada da letra “T”, designando transgênico, dos produtos que mantém esses ingredientes na sua fabricação. Assim, volta o consumidor a adquirir gato por lebre, mais uma vez enganado por venda às escuras. Sofre o meio ambiente, é afetada a saúde dos consumidores, mantém-se os interesses do capital.

Do consumidor virtual ao consumidor real, essa a proposta de retomada dos movimentos sociais. Talvez uma alternativa mais vigorosa, eficiente e benéfica para todos. Dar limites à acumulação predatória do capital. Ganha o consumidor, satisfaz plenamente a sociedade, salva-se o meio ambiente, humaniza-se as condições de trabalho e produção.

Acima de tudo consegue-se fazer frente à sanha desenfreada do capitalismo de a tudo explorar para lucrar sempre mais e mais independentemente dos trabalhadores, dos cidadãos, da natureza.

Toda caminhada começa nos primeiros passos. Cobranças e resistências dos consumidores aqui e ali podem se generalizar e dar conteúdo a um movimento social de protesto consciente e consistente. Deixamos de assinar cheques em branco às empresas e passamos a pagar com os olhos e ouvidos abertos.

A sociedade de amanhã, nossos filhos e netos, vão agradecer nossos primeiros passos e deverão eles seguir em frente levando a bandeira de um mundo melhor, mais saudável, ético e responsável.
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Economista, José Carlos Peliano é colaborador da Carta Maior.