sexta-feira, 2 de abril de 2021

"Um milico me deu um tampão na cabeça......."

 


“[Um milico] me deu um tapão na cabeça, me chamou de cabeludo veado e disse…”, relembra José de Abreu

02/04/2021  Por REDAÇÃO URBS MAGNA

As RECORDAÇÕES DO GOLPE DE 64 foram postadas publicamente pelo ator no dia do aniversário da ditadura, que Bolsonaro considera ter sido uma “revolução” – Leia no relato do ator

No dia do aniversário do golpe dos militares em 1964, o ator José de Abreu faz um relato de situação perigosa vivida por ele, quando, juntamente com mais de setecentos alunos que se reuniram em um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), foi preso e levado para o presídio do Carandiru.

Abreu ficou preso por dois meses enquanto as mães dos estudantes protestavam do lado de fora com cartazes com os dizeres “Libertem nossos filhos!”.

Leia a seguir:

“Éramos mais de 700 estudantes, presos no Congresso da UNE em Ibiúna. Nosso crime: fazer o congresso. Depois de passarmos quase um mês presos no antigo Presídio Tiradentes, os não paulistas foram mandados para seus estados de origem e nós ficamos.

Uma madrugada vieram os milicos. Nos acordaram violentamente, nos colocaram em fila indiana com as mãos na cabeça e levando pontadas de cassetetes nos rins fomos andando até o pátio. Lá, sob ameaças de morte, fomos colocados num ônibus de transporte de presos. Quando perguntávamos para onde estávamos indo riam e diziam que não tinha importância porque não voltaríamos com vida. E de quebra, uma cacetada em algum lugar bem dolorido.

No ônibus, todo fechado, apenas com alguns furos na lataria para entrar ar, ficamos nos perguntando para onde nos levariam. Foi mais ou menos uma hora de uma apavorante viagem quando o ônibus parou. Saímos e vimos estarmos num pátio de presídio. Não foi difícil descobrir que era o Carandiru.

Na fila indiana fomos levados sob porrada para o banho, não sem antes deixarmos todas as roupas e demais pertencer e receber um uniforme de presidiário. Uma camisa e uma calça de brim azul claro, um par de alpargatas roda, uma japona de lã azul marinho. E um pedaço de barbante como cinto.

Fomos considerados presidiários sem julgamento, sem processo, sem dada. Estudantes criminalizados por se reunir. Fiquei mais dois meses preso até que um dia fui – com mais alguns colegas – levado ao temido DOPS, onde havia um famoso centro de tortura liderado pelo sanguinário Delegado Fleury.

Lá nos colocaram em fila indiana e um milico olhava pra cara de um e dizia “você fica”. Olhava pra outro e dizia “você vai.” Assim, pelo gosto pessoal dele. Quando chegou a minha vez ele me deu um tapão na cabeça, me chamou de cabeludo veado e disse “você vai”.

Foi assim que deixei de ser preso político. Mas o processo foi aberto na Lei de Segurança Nacional. Nunca foi julgado.

Nas fotos, minha foto da ficha policial e minha mãe protestando na frente do DOPS, a Delegacia de Ordem Política e Social, centro de tortura.

Saí dois dias antes da decretação do AI-5. Depois disso ninguém mais saiu. Eu tinha 22 anos”

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