O fator Ciro Gomes e o exercício do dissenso, por Luis Nassif
Poderia ser um grilo falante, para impedir excesso de concessões por parte de Lula. Aí, cumpriria um papel legítimo e, diria até, essencial. Em vez disso, passa a investir não apenas contra Lula, mas contra todos os que defendem a estratégia lulista. São todos oportunistas, carreiristas, interesseiros.

Conheço politicamente Ciro Gomes desde o governo Fernando Collor. Nosso primeiro encontro foi em um café da manhã no Hotel Maksoud, intermediado pelo seu conterrâneo – e grande compositor – Evaldo Gouvea. Para minha surpresa, sem me conhecer, passou a desancar o governador paulista Mário Covas, que havia impedido – nas suas palavras – que os dois mais brilhantes membros do PSDB, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, aceitassem o convite para compor o gabinete de personalidades de Fernando Collor.
Mais tarde, substituiu Rubens Ricúpero no segundo semestre de 1994, em pleno Plano Real. Havia uma grita contra a apreciação do câmbio – uma jogada de negócios e também política, dentro do plano de financeirização da economia.
Ciro assumiu a defesa do câmbio apreciado de maneira radical. Tivemos grandes polêmicas na época. No final do ano, quando FHC, eleito, planejava montar seu Ministério, Ciro aumentou o tom contra os críticos da apreciação do câmbio, tratando-os como inimigos da pátria. FHC preferiu o bonomia de Pedro Malan.
Ciro era um lobista da financeirização? De modo algum. Apenas não entendia os desdobramentos da apreciação cambial, mas encampou a bandeira com o radicalismo dos crentes.
De lá para cá, o estilo Ciro se manifestou em várias ocasiões. Em qualquer circunstância, quem pensa de forma diferente tem interesses inconfessáveis e é tratado como inimigo.
Agora, a esquerda e a centro-esquerda têm duas estratégias em relação às eleições e ao combate ao bolsonarismo.
Na liderança, Lula pretende montar uma frente ampla, incluindo a centro-direita. A lógica é simples: sem a frente, não haverá condições políticas de aprovar uma lei sequer.
Quais as contra-indicações? Há o risco de, na busca de consenso, abrir-se mão de princípios centrais necessários para a recuperação do crescimento e do combate à miséria. Ciro explora esses pontos para radicalizar o discurso, com um diagnóstico competente dos problemas nacionais. Mas não explica como irá se viabilizar politicamente, se eleito: no grito? no autoritarismo? com que forças?
Ganha espaço na mídia, não por suas idéias – e ele tem ótimos diagnósticos sobre o país -, que vão contra o mainstream, mas como aríete contra a candidatura Lula.
Poderia ser um grilo falante, para impedir excesso de concessões por parte de Lula. Aí, cumpriria um papel legítimo e, diria até, essencial. Em vez disso, passa a investir não apenas contra Lula, mas contra todos os que defendem a estratégia lulista. São todos oportunistas, carreiristas, interesseiros.
Em vez de voz crítica, torna-se um desagregador amplo.
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