Crônica 33. Meu aluno motoboy.
Texto: Vera Dutra.
Dei aula na Universidade Estácio por alguns anos e foi uma experiência riquíssima para minha vida. Psicanalista há mais de 20 anos recebi convite para dar aulas a noite umas duas vezes por semana acumulando as duas funções. Comecei para atender o pedido de uma diretora e quebrar um galho dela por um semestre, mas descobri que levava jeito pois os alunos gostaram, entao resolvi permanecer.
Muitas coisas na minha vida aconteceram por eu estar aberta a experiências novas, aceitar desafios fora do meu roteiro. Essa foi uma delas: me tornei professora por acaso!! Adoro o imprevisto, aquilo que não planejei mas que vem carregado de riquezas humanas. O ser humano me fascina não só nas suas dores e dificuldades mas também do ponto de vista antropológico, vivendo em contextos culturais e sociais diferentes. Não acho que para ser analista deva-se permanecer trancada entre quatro paredes de um gabinete. Viver a vida e experimentá-la de formas variadas me parece ser importante!
Dava aulas em vários campus distantes e em geral ia no meu carro dando caronas na ida e volta pra outros professores que moravam próximos ou no trajeto. Eram professores de varias áreas e as conversas na maioria das vezes já valiam a pena do tempo da trajetória. Aprendi muito em teorias e acontecimentos principalmente com professores de Direito Constitucional que dei sorte de transportar. Descobri coisas inacreditáveis. As salas de professores também proporcionavam uma convivência rica entre as várias áreas e eram bem divertidas. Mas a relação com alunos evidentemente era o ponto alto. Aprendi muito com eles e principalmente a como ensinar. Afinal, viemos ao mundo para aprender.
Entre as maravilhas que experiênciei com meus alunos, um episódio foi inesquecível. Na época das bolsas Fies alguns alunos chegavam menos preparados à faculdade mas não incapacitados. Uma das provas que eu dava para alunos era uma dissertação correlacionado dois conceitos. Essa disciplina era Psicologia Social e na prova final eu cobrava que diante de tantas precariedades sociais brasileiras os alunos fizessem análises próprias para terem condiçoes posteriores de correlacionarem a teoria com os sintomas sociais brasileiros.
Depois de estar em várias disciplinas e ler milhares de provas todos os anos, de repente uma delas me surpreendeu demais! Uma raridade! Era de um gênio! Toda escrita em português precário com erros de ortografia mas com ideias que eu mesma não seria capaz de formular! Um genininho na minha turma! Vibrei! Corrigi na prova dele os erros ortográficos, devolvi a prova e condicionei a nota 10 a devoluçao da prova passada a limpo. No dia em que me devolveu a prova, pedi silêncio a turma e sugeri que ele lesse a prova em voz alta porque era uma prova genial! Após a leitura, ele foi aplaudido de pé pela turma. Ele era um humilde motoboy! Ele chorou. E eu me comovo até hoje quando lembro dele. Muitas saudades de meus alunos!
(Texto Vera Dutra)
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