Agosto de 1954 foi o marco para a
destruição do desenvolvimento do País, que o presidente Vargas entendia,
corretamente, só ser possível havendo autonomia nacional.
2. Ele conduzia o País na direção do
desenvolvimento, o que tornou o alvo a abater pelo império
angloamericano. Documentos históricos provam ter sido Vargas derrubado
duas vezes (1945 e 1954), por intervenções das potências angloamericanas
(EUA e Reino Unido).
3. Isso corresponde à lógica imperial:
era-lhes intolerável o surgimento de uma potência no Hemisfério Sul e
no “Hemisfério Ocidental”. Geopolítica pura.
4. O objetivo foi atingido por
intermédio de agentes locais - pagos ou não, conscientes ou não -, como
jornalistas, políticos e militares, os quais apareceram mais que aquelas
potências diante do público.
5. Pensando nos que contemplam lutar
pela sobrevivência do País, discuto, neste artigo, erros de Vargas que
contribuíram para o êxito dos inimigos do País.
6. Desfazendo mitos, rejeito a versão
rósea e insustentável - embora geralmente aceita - de que o suicídio do
presidente e a carta-testamento teriam impedido os golpistas de fazer
prevalecer suas políticas. Veja-se o título de um dos livros sobre o
presidente: “Vitória na Derrota – A Morte de Getúlio Vargas.”
7. É verdade que a tragédia revelou o
profundo amor do povo a Getúlio. Durante, pelo menos, quinze dias, o
povo reagiu, até com violência, fazendo se esconderem desafetos e
caluniadores de seu líder.
8. Entretanto, o presidente não havia
organizado o povo, nem formado seguidores para liderá-lo após sua morte.
O único talvez com têmpera para isso, Brizola, ainda era um jovem
deputado estadual.
9. Devido a esse vácuo, o furor popular
arrefeceu, Eugênio Gudin e Otávio Bulhões, ligados à finança britânica,
foram designados para comandar a economia e instituíram a política
antinacional destinada a acabar com a autonomia industrial e tecnológica
do País.
10. Em janeiro de 1955, foram baixadas
as Instruções 113 e seguintes, da SUMOC, e mais medidas para entregar a
economia ao controle dos carteis transnacionais, com subsídios
incríveis. Desde 1956, essa política foi aplicada intensivamente por JK
e nunca mais revertida.
11. É óbvio que a versão conformista
interessa aos simpatizantes do império. Mas, paradoxalmente, predomina
também entre a maioria dos admiradores e supostos seguidores de Vargas.
12. De resto, as atitudes políticas de
muitos desses demonstram terem sido infieis ao nacionalismo do
presidente, fosse por ingenuidade, covardia, falsidade ou até por
colaboração interessada com o sistema de poder transnacional.
13. Entre os erros fatais de Getúlio esteve admitir a falsa – ou, no mínimo, irrelevante - pecha de ter sido ditador.
14. Queixavam-se de ele ter ficado 15
anos consecutivos na presidência, de 1930 a 1945, e o acusavam de
tencionar voltar a ser ditador, mesmo quando eleito pelo voto direto, em
1950.
15. Na realidade, o espírito de Vargas
era conciliador. Não, revolucionário. Assumira a liderança da
revolução de 1930, por ser o político mais proeminente do Rio Grande do
Sul. Outros foram mais ativos no movimento.
16. À frente de uma revolução, tinha de
comandar um governo autoritário e designar interventores nos Estados, a
maioria tenentes, que simbolizavam o apoio do Exército ao movimento,
além de ideais de mudança política e social.
17. Nos primeiros meses de 1932 Vargas
já promulgara a nova lei eleitoral e marcara para 03.05.1933 as eleições
para a Assembleia Constituinte. Sem razão, em julho de 1932, foi
desencadeada a revolução “constitucionalista”, na verdade, um movimento
liderado pela oligarquia paulista vinculada aos interesses britânicos.
18. A Constituição de 1934 estabeleceu
eleição indireta para a presidência da República. Eleito Vargas, não
cabe qualificá-lo de ditador.
19. Durante o prelúdio da 2ª Guerra
Mundial, novembro de 1937, um ano após a tentativa comunista de
novembro de 1935, veio, por iniciativa de oficiais do Exército, o golpe
criando o “Estado Novo”, com o objetivo de reprimir os comunistas.
20. Portanto, Vargas só poderia, em
tese, exercer dois mandatos em condições democráticas. O primeiro,
quando presidente constitucional, de 1934 a 1937, interrompido pelos
chefes militares.
21. O modelo político-econômico do
Estado Novo combinou conceitos que Vargas e o General Góis Monteiro
haviam formulado em 1934, sendo a ideia básica o desenvolvimento
industrial sob a direção do Estado.
22. No final do Estado Novo e no
mandato ganho em 1950 - e abortado pelo golpe de 1954 - Getúlio
preocupou-se em desmentir a imagem de ditador. Foi demasiado tolerante –
e até complacente - diante das agressões, complôs e conspirações.
23. O problema era que sempre esteve sob
fogo do império angloamericano, inconformado com a permanência de uma
liderança no Brasil capaz de conduzi-lo ao desenvolvimento.
24. Embora exalte sempre o presidente
Vargas, vejo uma contradição entre sua personalidade conciliadora e a
consciência, que tinha, de ser a autonomia nacional indispensável para
realizar o desenvolvimento.
25. Sendo essa a via escolhida, não
havia campo para facilitar as ações subversivas de seus adversários.
Ademais, enfrentava-se um império mundial n vezes mais poderoso que o
Brasil: financeira, industrial e militarmente.
26. Em 1952, Vargas ajudou o inimigo ao
não prestigiar o Ministro do Exército, Estillac Leal, quando os
quintas-colunas Góis Monteiro e João Neves da Fontoura “negociaram” com
os EUA o famigerado acordo militar pelas costas de Estillac.
27. Com isso, este se demitiu do
ministério e foi perseguido, nas eleições para o Clube Militar, por
oficiais golpistas, cujas pressões sobre Leal e partidários deste lhe
determinaram a derrota.
28. Novamente, em 1953, o presidente
mostrou pulso fraco, não mandando punir os coroneis signatários do
manifesto contra o reajuste do salário-mínimo.
29. Daí, a conspiração de agosto de 1954
encontrou-o enfraquecido, quando implicaram a guarda pessoal do
presidente no assassinato do Major Vaz, da Aeronáutica, em esquema
montado para fazer crer que o alvo do crime fosse o virulento jornalista
e deputado Carlos Lacerda.
30. O crime foi articulado sob a direção
de Cecil Borer, titular da DOPS - Delegacia de Ordem Política e Social,
em que ingressara, em 1932, com o Chefe de Polícia, também
pró-nazista, Filinto Muller.
31. Borer continuou com Dutra,
simpatizante fascista. Vargas não o substituiu, em 1950, não obstante
saber que os nazi-fascistas, então, colaboravam intensamente com os
serviços secretos angloamericanos.
32. Getúlio também foi imprevidente, ao
nomear o jovem – e sempre acomodador - deputado Tancredo Neves para o
ministério da Justiça, ao qual se subordina a Polícia. Deviam ter
impedido as ilegalidades do inquérito policial-militar.
33. A própria instauração do IPM, uma
semana após o atentado, significou quebra da autoridade do presidente,
concedida por este próprio.
34. Mesmo tendo logrado distorcer os
fatos, através da ação combinada do DOPS e da Aeronáutica, e da campanha
da mídia, os conspiradores não teriam conseguido derrubar Vargas, se
ele não se tolhesse por preconceitos ideológicos de seus adversários.
35. Teria lutado para inteirar-se da
verdade e fazê-la conhecer. Se esta já não lhe interessava - por estar
cansado e decepcionado – certamente era do interesse do povo. O Brasil
precisava dela.
36. Getúlio podia ter feito prevalecer
os interesses do País, apoiado pela Vila Militar, no Rio, onde estavam
os tanques. Essa era sua obrigação perante o Brasil, como em 1945,
quando da anterior deposição por militares manipulados por potências
estrangeiras.
37. Então, o pretexto foi a intenção de
continuar no poder, falsamente atribuída a Vargas. Tanto não a tinha,
que - além de ter convocado eleições e não ser candidato -, Getúlio
dissuadiu de subjugar o golpe os chefes militares que tinham poder de
fogo e faziam questão fazê-lo, não fosse a ordem contrária do
presidente, sob a irrelevante justificativa de não querer o derramamento
de sangue.
38. Isso não estava em questão, pois,
dada a superioridade de forças dos legalistas, os golpistas se
retrairiam. Vide Hélio Silva: “1945 Por Que Depuseram Vargas” –
Civilização Brasileira 1976, pp. 253/4, em que reporta o apoio ao
presidente do Gen. Odylio Denys, então Comandante da Polícia Militar, e
do Marechal Renato Paquet, Comandante da Vila Militar.
39. Consequência da saída de Getúlio,
por desapego ao poder, e sem substituto à altura, resultou, de 1945 a
1950, a interrupção do desenvolvimento do País: o Mal. Eurico Dutra,
vencedor das eleições, graças a Vargas, traiu os votos, sendo
subserviente às potências angloamericanas.
40. Durante a 2ª GM, Vargas reduzira a
quase zero a dívida externa e acumulara reservas cambiais. Dutra as
dilapidou com importações supérfluas. Prejudicou a industrialização e
dissipou as divisas congeladas pelo Reino Unido, “em troca” de ferrovias
obsoletas, do Século XIX.
41. O custo do golpe de 1954 foi
muitíssimo mais alto: a entrega subsidiada da indústria ao controle do
capital estrangeiro, o que inviabiliza, até hoje, o desenvolvimento.
Isso só pode ser revertido através de transformações estruturais
profundas.
42. De fato, a dependência do País não
cessou de aumentar, desde a legislação dos pró-imperiais instalados com o
golpe, a qual foi aplicada e ampliada por JK - outro que traiu os
votos getulistas e iniciou a sequência de crises que até hoje persegue o
País.
* - Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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