Novas regras para criminalidade financeira
Por Guilherme C. Delgado, no site Carta
Maior:
Publiquei em março de 2016 um artigo sobre alta criminalidade financeira, a partir de uma investigação da Receita Federal (SP), que detectava lavagem de dinheiro realizada por treze bancos instalados no Brasil, relativamente a contratos de terceiros com a Petrobrás no valor de 15 bilhões de dólares. A análise de então estava apoiada em matéria publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, de 11 de janeiro de 2016.
A investigação preliminar da Receita Federal, apontando indícios fortes de lavagem de dinheiro, sonegação tributária e evasão de divisas, segundo o jornal, foi remetida então (janeiro de 2016) aos promotores curitibanos da Lava Jato. E, desde então, nem o jornal citado, nem o restante da imprensa acompanharam os fatos, que pelo silêncio também dos procuradores de Curitiba provavelmente entraram numa agenda de baixa prioridade investigativa.
Para o público leitor ou telespectador, nesse ínterim, reavivou-se a cobertura do “tríplex do Guarujá” do “sítio de Atibaia”, e mais recentemente entrou em cena outro protagonista – a JBS e sua explosiva delação envolvendo o presidente Temer. As matérias da mídia dão uma tal ênfase à circulação do dinheiro em malas, pacotes, meias etc. mas, curiosamente, esquecem o lugar privilegiado para a circulação do dinheiro na economia moderna – o sistema bancário e o mercado de capitais.
Estas instituições e sua mecânica de funcionamento estiveram obsequiosamente protegidas da curiosidade investigativa, tanto da mídia corporativa quanto dos procuradores, não obstante as pouco mais contundentes evidências de criminalidade ali incidentes.
Mas algo parece ter se alterado nestas últimas semanas. O que explica tal mudança ainda não está muito claro. Especula-se em notícias fragmentadas, que em função das previsíveis delações, dentre as quais a principal seria a do ex-ministro Palocci, o sistema financeiro viraria foco de ilicitudes praticadas e confessadas para beneficiá-lo.
Esta, por sinal é a tese do próprio jornal “O Estado de S. Paulo”, de 9 de junho de 2017 (pag. B4), para explicar o por que da edição de uma Medida Provisória (N. 784/2017), publicada no dia 8 de junho, com objetivo explícito de alterar a regulação do processo criminal financeiro na área administrativa, de competência do Banco Central (bancos e demais instituições financeiras) e Comissão de Valores Mobiliários (bolsas e demais instituições do mercado de capitais). Curiosamente, a MP é assinada pelo presidente Temer, pelo presidente do Banco Central e o equivalente da CVM, mas não pelo ministro da Fazenda.
Por outro lado, quem se der ao trabalho de ler o texto das 18 páginas desta MP, vigente desde sua publicação em 8 de junho do corrente, perceberá que há um objetivo mais claro no seu texto: provocar as instituições potencialmente promotoras de ilícitos financeiros a aderirem a um primeiro “termo de compromisso’, que lhes livraria do processo administrativo convencional; e em segunda ao “acordo de leniência”, ambos sigilosos e sem necessidade “de confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta analisada” (art 15, parágrafo único da MP 784/2017).
Esses acordos seriam celebrados entre o Banco Central e os bancos envolvidos em ilicitudes financeiras, das mais variadas espécies, por um lado; e por outro lado – dos operadores do mercado de capitais e a CVM, por outro, que incluiria, por exemplo, a JBS. Os acordos substituem as medidas administrativa convencionais, como por exemplo a liquidação extrajudicial ou outras punições fortes, que a juízo dos redatores da MP colocariam o sistema em risco.
Há na situação em foco um tratamento absolutamente oposto ao estilo “estado espetáculo”, protagonizado pela “República de Curitiba”. Mas o extremo oposto de um vício, também carrega, neste caso, vício contrário. O não conhecimento público dos fatos criminais sob proteção dos ‘termos de compromisso’ e depois ‘acordos de leniência’ junto às autoridades financeiras, conspira contra os princípios básicos da república federativa e de sua administração pública – publicidade, moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência, elencados no Art. 37 da Constituição Federal.
Algo parecido ocorreu na época do regime militar, com os chamados decretos secretos sobre matéria de segurança nacional. Agora se invoca uma presumida segurança financeira para fazer acordos de leniência secretos.
Temos elementos sub-reptícios tanto nas delações já realizadas como naquelas bombásticas em gestação, para supor que há uma verdadeira máquina de apropriação financeira, nos limites e além deles, da criminalidade pura, requerendo, sim, uma profunda reforma do sistema, hoje totalmente independente do controle republicano. Mas a MP vem para aprofundar o véu protetor de uma verdadeira caixa-preta e de suas relações promíscuas público-privadas.
Neste artigo não é possível aprofundar a questão aqui levantada. Vamos aguardar no próximo a reação da imprensa sobre a MP 784/2017, superando esse silêncio inicial. Creio que estamos no ponto nevrálgico da crise institucional, a requerer responsabilidades coletivas para enfrentá-la.
Publiquei em março de 2016 um artigo sobre alta criminalidade financeira, a partir de uma investigação da Receita Federal (SP), que detectava lavagem de dinheiro realizada por treze bancos instalados no Brasil, relativamente a contratos de terceiros com a Petrobrás no valor de 15 bilhões de dólares. A análise de então estava apoiada em matéria publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, de 11 de janeiro de 2016.
A investigação preliminar da Receita Federal, apontando indícios fortes de lavagem de dinheiro, sonegação tributária e evasão de divisas, segundo o jornal, foi remetida então (janeiro de 2016) aos promotores curitibanos da Lava Jato. E, desde então, nem o jornal citado, nem o restante da imprensa acompanharam os fatos, que pelo silêncio também dos procuradores de Curitiba provavelmente entraram numa agenda de baixa prioridade investigativa.
Para o público leitor ou telespectador, nesse ínterim, reavivou-se a cobertura do “tríplex do Guarujá” do “sítio de Atibaia”, e mais recentemente entrou em cena outro protagonista – a JBS e sua explosiva delação envolvendo o presidente Temer. As matérias da mídia dão uma tal ênfase à circulação do dinheiro em malas, pacotes, meias etc. mas, curiosamente, esquecem o lugar privilegiado para a circulação do dinheiro na economia moderna – o sistema bancário e o mercado de capitais.
Estas instituições e sua mecânica de funcionamento estiveram obsequiosamente protegidas da curiosidade investigativa, tanto da mídia corporativa quanto dos procuradores, não obstante as pouco mais contundentes evidências de criminalidade ali incidentes.
Mas algo parece ter se alterado nestas últimas semanas. O que explica tal mudança ainda não está muito claro. Especula-se em notícias fragmentadas, que em função das previsíveis delações, dentre as quais a principal seria a do ex-ministro Palocci, o sistema financeiro viraria foco de ilicitudes praticadas e confessadas para beneficiá-lo.
Esta, por sinal é a tese do próprio jornal “O Estado de S. Paulo”, de 9 de junho de 2017 (pag. B4), para explicar o por que da edição de uma Medida Provisória (N. 784/2017), publicada no dia 8 de junho, com objetivo explícito de alterar a regulação do processo criminal financeiro na área administrativa, de competência do Banco Central (bancos e demais instituições financeiras) e Comissão de Valores Mobiliários (bolsas e demais instituições do mercado de capitais). Curiosamente, a MP é assinada pelo presidente Temer, pelo presidente do Banco Central e o equivalente da CVM, mas não pelo ministro da Fazenda.
Por outro lado, quem se der ao trabalho de ler o texto das 18 páginas desta MP, vigente desde sua publicação em 8 de junho do corrente, perceberá que há um objetivo mais claro no seu texto: provocar as instituições potencialmente promotoras de ilícitos financeiros a aderirem a um primeiro “termo de compromisso’, que lhes livraria do processo administrativo convencional; e em segunda ao “acordo de leniência”, ambos sigilosos e sem necessidade “de confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta analisada” (art 15, parágrafo único da MP 784/2017).
Esses acordos seriam celebrados entre o Banco Central e os bancos envolvidos em ilicitudes financeiras, das mais variadas espécies, por um lado; e por outro lado – dos operadores do mercado de capitais e a CVM, por outro, que incluiria, por exemplo, a JBS. Os acordos substituem as medidas administrativa convencionais, como por exemplo a liquidação extrajudicial ou outras punições fortes, que a juízo dos redatores da MP colocariam o sistema em risco.
Há na situação em foco um tratamento absolutamente oposto ao estilo “estado espetáculo”, protagonizado pela “República de Curitiba”. Mas o extremo oposto de um vício, também carrega, neste caso, vício contrário. O não conhecimento público dos fatos criminais sob proteção dos ‘termos de compromisso’ e depois ‘acordos de leniência’ junto às autoridades financeiras, conspira contra os princípios básicos da república federativa e de sua administração pública – publicidade, moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência, elencados no Art. 37 da Constituição Federal.
Algo parecido ocorreu na época do regime militar, com os chamados decretos secretos sobre matéria de segurança nacional. Agora se invoca uma presumida segurança financeira para fazer acordos de leniência secretos.
Temos elementos sub-reptícios tanto nas delações já realizadas como naquelas bombásticas em gestação, para supor que há uma verdadeira máquina de apropriação financeira, nos limites e além deles, da criminalidade pura, requerendo, sim, uma profunda reforma do sistema, hoje totalmente independente do controle republicano. Mas a MP vem para aprofundar o véu protetor de uma verdadeira caixa-preta e de suas relações promíscuas público-privadas.
Neste artigo não é possível aprofundar a questão aqui levantada. Vamos aguardar no próximo a reação da imprensa sobre a MP 784/2017, superando esse silêncio inicial. Creio que estamos no ponto nevrálgico da crise institucional, a requerer responsabilidades coletivas para enfrentá-la.
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