quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Repórter Brasil

 

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3 de agosto de 2022

Ouro ilegal no seu celular – os bastidores do furo do ano

Como revelamos que as empresas mais valiosas do mundo compraram ouro das terras indígenas brasileiras

Por Daniel Camargos, jornalista investigativo da Repórter Brasil 

Se você, leitor, não se ausentou do planeta Terra na semana passada, é bem provável que tenha se deparado com o furo jornalístico publicado pela Repórter Brasil. Nós mostramos como as quatro empresas mais valiosas do mundo compraram ouro clandestino das terras indígenas brasileiras. A notícia correu o mundo, com republicações e repercussão em diversos idiomas. 

Ficamos felizes com o nosso trabalho indo longe e, o mais importante, provocando impacto. Uma das quatro gigantes, a Apple, anunciou que retirou da sua lista de fornecedores uma das refinadoras denunciadas pela reportagem por vender o ouro ilegal. Vitória do jornalismo, mas, sobretudo, uma vitória dos povos Munduruku e Yanomami, que têm suas terras exploradas clandestinamente por empresas que fazem parte da cadeia produtiva da refinadora excluída. 

Se você não leu ainda, está aqui a versão completa: Exclusivo: Apple, Google, Microsoft e Amazon usaram ouro ilegal de terras indígenas brasileiras. A agência Reuters publicou uma versão menor da história, em inglês.

O que não está no texto, mas te contamos aqui, é como fizemos para revelar essa história. 

A investigação jornalística levou mais de seis meses e começou no final de 2021, quando conseguimos um relatório da Polícia Federal sobre as investigações que levaram à Operação Terra Desolata. Com o material em mãos, começamos a investigar as empresas envolvidas na venda de ouro extraído ilegalmente no Brasil para o mercado nacional e internacional. Entre elas estava a Chimet, uma refinadora que é a 44ª maior empresa italiana em faturamento. Publicamos a reportagem em fevereiro, com grande repercussão na Itália, e alcançamos nosso primeiro impacto: o porta-voz do Partido Verde Italiano, Angelo Bonelli, entrou com pedido ao procurador da República de Arezzo para investigar a empresa.

Depois dessa bomba, tivemos acesso à íntegra do inquérito da PF sobre a Operação Terra Desolata e analisamos boa parte de suas 8.000 páginas. Depois, fizemos uma viagem ao sul do Pará e tivemos várias conversas com fontes que não foram citadas por questões de segurança. Essas conversas cara a cara foram fundamentais para entender o contexto da história e ter segurança sobre as informações que seriam publicadas.

O segundo passo foi ir além da investigação policial e descobrir quem eram os clientes da refinadora italiana. Foram dias e dias de buscas obsessivas até chegar aos relatórios enviados pelas maiores empresas do mundo à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, que citavam a refinadora entre suas fornecedoras. A ironia: grande parte das buscas foram feitas no Google, uma das gigantes denunciadas. 

Nesses mesmos relatórios identificamos a presença de uma refinadora brasileira que já tinha sido alvo de nossas reportagens, por também ser investigada pela venda de ouro ilegal. Daí foram mais entrevistas para entender o envolvimento dessa companhia. 

Após meses de trabalho, revelamos nossas descobertas para todos os envolvidos, incluindo as big techs, e pedimos explicações sobre se estavam cientes de que o metal usado na fabricação de seus dispositivos tinha origem ilegal. Entrevistamos ainda especialistas na cadeia do ouro e pesquisamos muito a respeito. Contando assim parece fácil, né? Mas não é. 

Um trabalho assim só é possível porque a Repórter Brasil faz esse tipo de reportagem há 20 anos e tem uma equipe capaz de desatar os nós mais complexos e mostrar as mazelas das cadeias produtivas das gigantes multinacionais. Já fizemos isso com a pecuária, por exemplo, e seguimos investigando os poderosos de diversos setores da economia. 

Desde o ano passado estamos na trilha do ouro garimpado ilegalmente. Já publicamos uma série de reportagens, que você pode ler neste link. O que podemos adiantar, por enquanto, é para ficarem atentos, pois sempre temos boas investigações e cruzamentos de dados inéditos para te surpreender. 

Violações acendem alerta

Levantamento inédito da Repórter Brasil identificou que os sites de Magazine Luiza e Americanas vendem roupas de cinco empresas autuadas entre 2017 e 2021 por trabalho escravo. Dos 17 anúncios mapeados, 12 foram retirados do ar após contato da reportagem.

Ainda em julho, publicamos que 80 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em um pomar de maças em Bom Jesus, na serra do Rio Grande do Sul. O caso superou todos os registros de trabalho escravo ocorridos no estado em todo o ano passado e acendeu um alerta entre as autoridades: “Não víamos essas condições degradantes na região há muito tempo”, afirmou o procurador do Ministério Público do Trabalho de Caxias do Sul, Rodrigo Maffei.

Ainda em julho, uma megaoperação de combate à escravidão com 105 ações de fiscalização resgatou 337 pessoas em 15 estados brasileiros. Cinco dos resgatados eram crianças e adolescentes e seis, trabalhadoras domésticas. 

‘PL do Veneno’ e outras contaminações

Repórter Brasil conversou com especialistas para entender como o PL do Veneno pode impactar sua vida caso aprovado. A proposta é criticada por pesquisadores, ambientalistas e organizações.

Pesquisa inédita do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor detectou agrotóxicos em 58% dos alimentos ultraprocessados analisados pelo estudo. O campeão de venenos foi o empanado de frango Seara.

Ainda sobre o tema, trabalhadores rurais denunciaram intoxicação por agrotóxico e ataque a tiros em Minas Gerais: após pulverização aérea, ao menos sete assentados sentiram falta de ar, tosse e vômito. E, em decisão rara, uma empresa foi condenada a pagar pensão mensal por 34 anos por contaminação de funcionário por agrotóxicos em Goiás. O trabalhador fazia o serviço de limpeza de aviões usados para o transporte e pulverização de pesticidas.

Outras denúncias da Repórter Brasil em julho:

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