terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

ITÁLIA - O balanço esmagador do"berlusconismo".

Pierre Musso

Uma das principais coroas de glória do berlusconismo no poder é ter batido o recorde de longevidade da história da República. Perto de 1800 dias para realizar o famoso “contrato com os italianos”, apresentado durante a campanha de 2001. Silvio Berlusconi comprometia-se então a realizar cinco objectivos: a descida da pressão fiscal; a diminuição da delinquência; o aumento das pensões de reforma, com um rendimento mínimo de 1 milhão de liras (520 euros), a redução do desemprego para metade, graças à criação de 1,5 milhões de empregos, e a realização de 40 % de um plano a dez anos de grandes obras. Se pelo menos quatro destas promessas não fossem cumpridas, “il Cavaliere” comprometia-se a não disputar um novo mandato.

Para Francesco Rutelli, líder em 2001 da coligação de centro-esquerda, «o contrato foi traído» [1]. Luca Ricolfi, sociólogo da Universidade de Turim, estima por seu lado que mais de 60 % dos compromissos do líder da Forza Italia foram realizados [2]. A promessa de diminuição dos impostos teria sido respeitada em mais de 50 %, a da subida das pensões em 100 %, a do aumento dos empregos em 81 % e a relativa à realização de grandes obras em 68 %. O presidente do Conselho, por seu lado, declara ter cumprido todas as suas promessas. Reivindicando umas trinta grandes reformas, assegura que apenas «Napoleão tinha feito mais do que eu» [3].

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (ISTAT), o desemprego baixou, passando de 9,2 % da população activa em Julho de 2001 para 7,1 % no terceiro trimestre de 2005. Este abaixamento resultaria essencialmente da regularização, desde o final de 2002, de 640.000 trabalhadores imigrantes até então ignorados pelas estatísticas, da retirada do mercado de trabalho de pessoas desencorajadas e do aumento do tempo de actividade dos maiores de 50 anos [4].

Todavia, o crescimento do produto interno bruto (PIB) continua muito fraco [5] e a produção industrial recua fortemente, enquanto a produtividade do trabalho baixa [6]. Mesmo Luca Cordero di Montezemolo, o presidente da Cofindustria – organização patronal que apoiou o líder da direita em 2001 –, declarou que «é necessário reconstruir a Itália», porque a situação da economia é «dramática» [7]. A península apresenta o terceiro maior endividamento público do planeta, superior a 1,5 biliões de euros: 106 % do PIB, e até mesmo 109 % em 2006. Quanto ao défice público, deverá ter ultrapassado o valor de 3,5 % do PIB em 2005, e poderá atingir 4 % em 2006. O país padece de uma perda de credibilidade económica e financeira, agravada pelo escândalo da contabilidade fraudulenta [8] do grupo agro-alimentar Parmalat e pela demissão forçada do governador do Banco de Itália, Antonio Fazio, suspeito de ter apoiado uma contra-OPA a favor de um outro banco italiano.

A degradação das contas públicas resulta em parte do respeito pelos compromissos do presidente do Conselho: por um lado, a diminuição dos impostos sobre o rendimento e sobre as empresas, o aumento do número de famílias isentas do pagamento e, por outro lado, o crescimento de algumas despesas sociais, como o aumento das pensões ou um abono de 1000 euros para os recém-nascidos, sendo tudo isto acompanhado por uma forte evasão fiscal [9]. Os défices públicos são os danos colaterais de uma política social dirigida por uma coligação de direita e de uma política económica conduzida por um empresário. Tudo isto acompanha a crítica recorrente de Berlusconi contra as despesas do Estado, as instituições públicas, a justiça e os magistrados, a propósito dos quais não hesitou em afirmar o seguinte: «Para fazer este trabalho, é necessário ser mentalmente perturbado e… antropologicamente diferente do resto da raça humana».

Esta obsessão contra o Estado é a continuação da guerra que desde há trinta anos desenvolve contra a televisão pública. Desde o seu regresso ao poder, o “Cavaliere” lançou o seu famoso “anátema búlgaro” contra dois jornalistas da RAI, Enzo Biagi e Michele Santoro, e contra o apresentador Daniele Luttazzi, afirmando que eles faziam um «uso criminoso da televisão pública paga com o dinheiro de todos». É por isso que uma das principais reformas da legislatura, a Lei Gasparri de 3 de Maio de 2004, autoriza a privatização e o desmembramento da RAI. No entanto, como a maior parte das privatizações defendidas pelo “Cavaliere”, a da televisão pública não pôde ser realizada. E foi mesmo um antigo responsável do Partido Comunista Italiano, e depois dos Democratas de Esquerda, Claudio Petruccioli, que veio a ser eleito pela Comissão Parlamentar de Vigilância como presidente do seu conselho de administração.

Paralelamente, a Lei Gasparri reforça a sociedade Mediaset, da qual Berlusconi é accionista maioritário, evitando a transferência do seu canal Rete 4 para a emissão satélite, o que lhe teria reduzido a audiência e as receitas publicitárias. Ao oferecer à Mediaset, como admitiu o seu presidente do conselho de administração, «uma margem de crescimento potencial de 1 a 2 mil milhões», este reforço do poder mediático do “Cavaliere” suscitou aliás múltiplas críticas. O Parlamento Europeu adoptou um relatório onde se afirmava que «o sistema italiano apresenta uma anomalia que reside na reunião de um poder económico, político e mediático nas mãos de um só homem» [10].

Se o balanço do berlusconismo político é objecto de polémicas, o do berlusconismo empresarial apresenta-se sem ambiguidades. Desde a sua entrada na política em 1993, o valor do seu património familiar triplicou, passando de 3,1 para 9,6 mil milhões de euros. O valor em bolsa da filial televisiva Mediaset quase duplicou desde 1996, e a venda, em 2005, de 16,6 % do seu capital permitiu, por si só, um encaixe de 2,1 mil milhões de euros líquidos. Em onze anos, os dividendos do grupo Fininvest, propriedade da família Berlusconi, atingiram cerca de 700 milhões de euros, ou seja, um lucro mensal médio de 5,3 milhões de euros [11] – que aliás duplicou em 2005.

Classificado pela revista Forbes como a vigésima quinta fortuna mundial, o “Cavaliere” seria, segundo o Financial Times, o quarto homem mais poderoso do planeta. Porque ele combina um triplo poder, que nenhum outro dirigente no Ocidente detém: político, mediático e económico. Mas o berlusconismo, encarnação desta santa trindade, poderá ainda fazer sonhar a maioria dos italianos, depois de cinco anos a ser posto à prova?

[1] La Repubblica, Roma, 20 de Janeiro de 2006.

[2] Luca Ricolfi, Tempo Scaduto. Il “Contrato com gli Italiani” alla prova dei fatti, Il Mulino, Bolonha, 2006.

[3] No programa “Matrix”, 9 de Fevereiro de 2006. No dia seguinte, ele comparava-se com Churchill; e dois dias depois com Jesus Cristo.

[4] Banco de Itália, Bollettino economico, n.º 45, Novembro de 2005, p. 50.

[5] Segundo o Banco de Itália, a taxa de crescimento foi de 0,3 % em 2002-2003, e de 1,2 % em 2004, mas baixou 0,8 % no primeiro semestre de 2005.

[6] A produtividade aumentou 0,1 % em 2002-2003, e 0,7 % em 2004, mas baixou 0,7 % no primeiro semestre de 2005, contra um crescimento médio de 1,7 % durante a precedente legislatura de centro-esquerda (1996-2001).

[7] Il Sole/24 Ore, 27 de Dezembro de 2005.

[8] Ignacio Ramonet, Le scandale Parmalat (ed. brasileira: O escândalo da Parmalat), Le Monde diplomatique, Fevereiro de 2004.

[9] Segundo o centro de estudos sociais CENSIS, os valores subtraídos ao fisco foram estimados, em 2004, em 200 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 46 euros escondidos por cada 100 declarados.

[10] Parlamento Europeu, Relatório A5-0230/2004 de 5 de Abril de 2004.

[11] La Repubblica, Roma, 9 de Maio de 2005.
Fonte:Informação Alternativa.

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